sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

A nossa pátria é a língua portuguesa (cont.)


















Com este mesmo título e com esta mesma gravura, a ALDRABA publicou um post no presente blogue, já lá vão 5 anos e meio (exactamente em 27.6.2014), em que assinalávamos os 800 anos que então se completavam sobre o “nascimento” do português, datando-o convencionalmente a partir de 1214, com o testamento de Afonso II [1185-1223] redigido na nossa língua no dia 27 de junho desse ano.

Nessa altura, reproduzimos e publicitámos aqui o “Manifesto 2014”, em que um conjunto de intelectuais celebraram o evento, escrevendo, designadamente:

“… queremos festejar oito séculos da nossa língua, a língua do mar, a língua da gente, uma grande língua da globalização. Fazemo-lo centrados nesse dia e ao longo de um ano, para festejar com o mundo inteiro esta nossa língua: a terceira língua do Ocidente, uma língua em crescimento em todos os continentes, uma das mais faladas do mundo, a língua mais usada no hemisfério sul. Celebramos o futuro. Em qualquer lugar onde se fala português”.

Dizia-se ainda, nesse manifesto, que a língua portuguesa “é passado e é futuro; é história. É poesia e discurso, sussurro e murmúrios, segredos, gritaria, declamação, conversa, bate-papo, discussão e debate, palestra, comércio, conto e romance, imagem, filosofia, ensaio, ciência, oração, música e canção, até silêncio. É um abraço. É raiz e é caminho. É horizonte, passado e destino”.

Recentemente, no editorial do n.º 26 da nossa revista, de outubro de 2019, a autora, Ana Isabel Veiga, proclamava: “estamos a ser despejados, do nosso espaço colectivo, das nossas praças e ruas, das nossas casas. A casa de pasto converteu-se num “winebar”, a antiga tasca é agora um “caffé lounge”. Os velhinhos prédios que alojavam há largas décadas os lisboetas, são hostels, alojamentos locais ou hotéis de cinco estrelas em que “tropeçamos” diariamente. Descaracterizamos os locais, desvalorizamos o que somos e abdicamos das nossas palavras. Esvaziamo-nos de nós e da nossa própria identidade.

E, mais à frente: “O reconhecimento do dia da língua portuguesa pela UNESCO é sem dúvida muito valioso mas a afirmação da nossa língua depende, essencialmente, de nós. (…) É preciso não termos medo das palavras. Devemos persistir, sempre, na recusa em deixar desmoronar a casa onde “a gente” mora.

Voltando ao documento de 27.6.1219, assinalemos com Rui Tavares (“Público”, 23.12.2019) que, se há coisa certa é que a língua que hoje usamos, para ter sido usada nesse e noutros documentos, teria que ter nascido antes, ou até muito antes. Mas quando?

No livro “Assim nasceu uma língua”, publicado há poucas semanas (novº2019) na editora Guerra & Paz, o linguista Fernando Venâncio defende que o português tenha começado a nascer ainda na Alta Idade Média, talvez depois do século VI.

Problema a resolver, para o qual Fernando Venâncio adianta uma resposta: “Se a nossa língua já existia tanto tempo antes de existir Portugal, que língua era essa? A verdade (…) é que Portugal foi fundado com uma língua que não era o português, mas antes a língua que compartilhava o norte do novo reino com todo o espaço da antiga Gallaecia romana: o galego. Fomos fundados falando uma língua que não era só nossa, e que à medida que foi sendo trazida para o sul de ocupação muçulmana, não era de todo a nossa. Começámos o nosso país com uma língua emprestada, e depois apagámos da memória coletiva o facto de nunca a termos devolvido…” (Rui Tavares, artigo citado).

Foi só com a construção e o alargamento do novo reino independente, e no confronto entre o galego do Norte e o “lusitano-moçárabe” do Sul, que se foi consolidando a nossa língua.

O livro de Fernando Venâncio, estudioso brilhante nascido em Mértola em 1944, é de leitura obrigatória para todos quantos se interessam por este património essencial.

JAF

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