Com
este mesmo título e com esta mesma gravura, a ALDRABA publicou um post no presente blogue, já lá vão 5
anos e meio (exactamente em 27.6.2014), em que assinalávamos os 800 anos que
então se completavam sobre o “nascimento” do português, datando-o
convencionalmente a partir de 1214, com o testamento de Afonso II
[1185-1223] redigido na nossa língua no dia 27 de junho desse ano.
Nessa
altura, reproduzimos e publicitámos aqui o “Manifesto 2014”, em que um conjunto
de intelectuais celebraram o evento, escrevendo, designadamente:
“…
queremos festejar oito séculos da nossa língua, a língua do mar, a língua
da gente, uma grande língua da globalização. Fazemo-lo centrados nesse dia e ao
longo de um ano, para festejar com o mundo inteiro esta nossa língua: a
terceira língua do Ocidente, uma língua em crescimento em todos os continentes,
uma das mais faladas do mundo, a língua mais usada no hemisfério sul.
Celebramos o futuro. Em qualquer lugar onde se fala português”.
Dizia-se ainda, nesse manifesto, que a língua portuguesa “é passado e é futuro; é história. É poesia e discurso, sussurro e
murmúrios, segredos, gritaria, declamação, conversa, bate-papo, discussão e
debate, palestra, comércio, conto e romance, imagem, filosofia, ensaio,
ciência, oração, música e canção, até silêncio. É um abraço. É raiz e é
caminho. É horizonte, passado e destino”.
Recentemente, no editorial do n.º 26 da nossa revista, de outubro de 2019,
a autora, Ana Isabel Veiga, proclamava: “…
estamos
a ser despejados, do nosso espaço colectivo, das nossas praças e ruas, das nossas
casas. A casa de pasto converteu-se num “winebar”, a antiga tasca é agora um
“caffé lounge”. Os velhinhos prédios que alojavam há largas décadas os
lisboetas, são hostels, alojamentos locais ou hotéis de cinco estrelas em que
“tropeçamos” diariamente. Descaracterizamos os locais, desvalorizamos o que
somos e abdicamos das nossas palavras. Esvaziamo-nos de nós e da nossa própria
identidade”.
E,
mais à frente: “O reconhecimento do dia
da língua portuguesa pela UNESCO é sem dúvida muito valioso mas a afirmação da
nossa língua depende, essencialmente, de nós. (…) É preciso não termos medo das
palavras. Devemos persistir, sempre, na recusa em deixar desmoronar a casa onde
“a gente” mora”.
Voltando
ao documento de 27.6.1219, assinalemos com Rui Tavares (“Público”, 23.12.2019) que, se há coisa certa é que a língua que
hoje usamos, para ter sido usada nesse e noutros documentos, teria que ter
nascido antes, ou até muito antes. Mas quando?
No
livro “Assim nasceu uma língua”,
publicado há poucas semanas (novº2019) na editora Guerra & Paz, o linguista
Fernando Venâncio defende que o português tenha começado a nascer ainda na Alta
Idade Média, talvez depois do século VI.
Problema
a resolver, para o qual Fernando Venâncio adianta uma resposta: “Se a nossa língua já existia tanto tempo
antes de existir Portugal, que língua era essa? A verdade (…) é que Portugal
foi fundado com uma língua que não era o português, mas antes a língua que
compartilhava o norte do novo reino com todo o espaço da antiga Gallaecia
romana: o galego. Fomos fundados falando uma língua que não era só nossa, e que
à medida que foi sendo trazida para o sul de ocupação muçulmana, não era de
todo a nossa. Começámos o nosso país com uma língua emprestada, e depois
apagámos da memória coletiva o facto de nunca a termos devolvido…” (Rui
Tavares, artigo citado).
Foi
só com a construção e o alargamento do novo reino independente, e no confronto
entre o galego do Norte e o “lusitano-moçárabe” do Sul, que se foi consolidando a
nossa língua.
O
livro de Fernando Venâncio, estudioso brilhante nascido em Mértola em 1944, é
de leitura obrigatória para todos quantos se interessam por este património
essencial.
JAF
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