terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Um conto de Natal







A nossa amiga Manuela Barros Ferreira publicou na sua página de facebook, no passado dia 20/12/2022, um pequeno mas significativo texto, que intitulou "Um conto de Natal".

Um dos comentários que tal publicação suscitou enalteceu a rica "imaginação" da autora, ao que ela ripostou:

"Baseia-se na foto de um cãozito deitado numa manjedoura de presépio que foi publicada num jornal, em 2012 ou 2013. Não citei a foto porque não consigo localizá-la. Eu apenas dei um remate à foto, que me surgiu como uma mensagem extraordinária: o Deus da Vida está em qualquer vida".

Reproduzimos o "conto" com todo o gosto:



CONTO DE NATAL

O presépio à porta da igreja estava coberto de neve.

Dentro do estábulo de madeira, na manjedoura repleta de palha loura, transbordante, seca e macia, o menino estava arredado para a borda, quase a tombar.

Bem no centro, enroscadinho, ali a dormir, um cachorrito. Não conhecia o nome daquele boneco de pau ali deitado, por isso não sabia o que fizera ao ocupar-lhe o lugar. Ainda tentou roer-lhe o dedo maior do pé, mas cuspiu logo – onde já se viu temperar com verniz um ossinho tão apetitoso?

As velhas que de manhã passavam para a missa benziam-se, diziam “t’arrenego!” e entravam cabisbaixas na igreja.

Um miúdo parou, aproximou-se do cãozito, fez-lhe uma festa. O cachorro olhou-o como se ele fosse um anjo que baixara do alto daquela casota. Virou-se de patinhas para o ar e brincou-lhe com as mãos. Patinhas e mãos numa dança de carinhos.

A criança pegou-lhe ao colo, enfiou-o debaixo do blusão do fato de treino e levou-o consigo, para se aquecerem um ao outro em qualquer canto doutra rua.

Manuela Barros Ferreira

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

75 anos sobre a chacina da aldeia de Cambedo pelas forças militares do fascismo português e espanhol












Fazem hoje precisamente 75 anos, forças militarizadas da Guarda Nacional Republicana, da Guarda Fiscal e da Polícia Internacional e Defesa do Estado (PIDE), do lado português, e da Guardia Civil, do lado espanhol, cercaram e bombardearam com munições pesadas a aldeia de Cambedo da Raia, no concelho de Chaves, a poucos quilómetros da fronteira com Espanha, para aprisionar e assassinar os guerrilheiros antifranquistas que ali se refugiaram e as famílias portuguesas que os acolhiam.

No fim de semana de 18 e 19 de dezembro, um numeroso grupo de portugueses e galegos acorreram à aldeia mártir, para homenagear a sua população, aproveitando também para uma deslocação a Campobecerros, do lado de Ourense, onde existe uma evocação dos 3 portugueses (trabalhadores ferroviários) que foram assassinados em 1936 pelas falanges franquistas por serem ativistas republicanos.

A Aldraba esteve presente, através de dois dirigentes e do novo associado Xurxo Ayán, arqueólogo galego que tem trabalhado na recuperação das memórias destes acontecimentos.

Na homenagem ao povo de Cambedo, muito forte e emotiva, usaram da palavra representantes do NAM, do Museu do Aljube, da URAP, de coletividades locais e da Freguesia de Vilarelho da Raia, e atuou ainda o Coro da Achada.

Em toda esta jornada, ficou bem expressa a necessidade imperiosa de avivarmos a memória da repressão do fascismo, e o papel central da solidariedade entre os povos oprimidos.

Reproduzem-se de seguida algumas palavras da Paula Godinho, professora da Universidade Nova de Lisboa que, há 30 anos (!), tem trabalhado incansavelmente no desenterrar destas memórias:

"Depois de um silêncio ignominioso imposto aos habitantes da aldeia durante a ditadura, e que se prolongou pela democracia, com uma reputação que cobria de opróbrio um procedimento generoso e solidário, desde meados dos anos 1990 recuperou-se a memória do que ali ocorreu, sobretudo com apoios a partir da Galiza, do associativismo de Vilarelho e dos vizinhos de Cambedo. Em 1996 foi inaugurada uma placa que se tornou um lugar de memória, visitado por muitos, e que coloca Cambedo da Raia numa rota honrosa de defesa das vidas de quem procurava refúgio, como tanta gente o faz hoje. Foram feitas várias reportagens para diversos jornais e televisões do mundo, cursos de verão, congressos. Assistimos também à atribuição de honras aos vizinhos pela Diputación de Ourense, com uma ceia oferecida nessa cidade a todos os habitantes de Cambedo da Raia, que reuniu 600 pessoas; uma praça de Ourense consagra na toponímia da cidade os vizinhos desta aldeia; dois livros foram publicados na Galiza, um dos quais mereceu o prémio Taboada Chivite. Ambos esgotaram muito rapidamente, há mais de dez anos, um dos quais com três edições na Galiza.Vários documentários abordaram o ocorrido, dando-lhe projeção também em locais diversos do globo. Uma equipa de arqueologia de topo fez ali escavações em 2018, e divulgou o caso de Cambedo com novos dados desenterrados. Em congressos variados, na Europa e na América Latina, o assunto mereceu a atenção de académicos da área da história, da antropologia, da arqueologia, da ciência política, com uma divulgação relevante.

Para assinalar a passagem dos 75 anos do bombardeamento, foram publicadas este ano pela primeira vez em Portugal as duas obras que haviam sido alvo de grande interesse em Espanha. Organizou-se em Lisboa um congresso internacional com novos e pertinentes elementos, no local onde se deposita a memória da nação: o Arquivo Nacional da Torre do Tombo, contando com o suporte total do seu diretor. Com toda a logística a cargo do Museu do Aljube – Resistência e Liberdade, organizou-se uma deslocação de 50 pessoas, de autocarro, a partir de Lisboa, contando com o apoio local da Junta de Freguesia de Vilarelho da Raia, do Centro Social, Cultural e Desportivo de Vilarelho da Raia e da Associação Desportiva, Cultural e Recreativa de Cambedo, de cujos membros guardamos a imagem da comoção pela homenagem do passado sábado. Juntou-se à iniciativa o Museu Nacional da Resistência e da Liberdade, do Forte de Peniche, oferecendo uma coroa de flores, encomendada a uma florista de Chaves. O Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, no âmbito do IN2PAST – Laboratório Associado para a Inovação e Investigação em Património, Artes, Sustentabilidade e Território, deu o apoio científico e logístico à iniciativa, garantindo o pagamento da deslocação de vários participantes na conferência que se realizou em Lisboa. O Histagra e o Proxeto Universitário Nomes e Voces, associado à Memória Histórica da guerra de Espanha na Universidade de Santiago de Compostela, uniram-se à iniciativa, bem como a UTAD – Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. A Asociación de Amigos da Republica (de Ourense), a União dos Resistentes e Antifascistas Portugueses (URAP), o Movimento Cívico "Não Apaguem a Memória”, e várias outras organizações juntaram-se-nos em diversas fases desta homenagem. Vários membros do executivo da Mancomunidade de Verín, vereadores municipais, fizeram questão de estar presentes no último sábado na homenagem realizada em Cambedo da Raia, que contou com a atuação muito comovente do Coro da Achada (da Casa da Achada – Centro Mário Dionísio), e de vários grupos de música tradicional. Todos se deslocaram inteiramente a expensas suas, a partir de Lisboa, do Porto, do estado espanhol. Cerca de 70 pessoas que vieram de pontos diversos do país e da Galiza, ficaram alojadas na cidade de Chaves, em hotéis e residenciais. Alguns contaram com a hospitalidade de vizinhos galegos de Mandín, que lhes abriram a porta de casa. Estas pessoas comeram nos restaurantes, compraram recordações e fizeram despesa nos estabelecimentos da cidade, num ano funesto para o turismo e o comércio, devido à pandemia, e num momento de época baixa. Muitos voltarão para revisitar o concelho e a fronteira, porque se cativaram pelas memórias ali guardadas.

Coube-me pôr em prática esta homenagem, contando com todas estas entidades porque realizei investigação sobre o assunto, e porque sinto como privilégio ter vivido durante muitos meses de trabalho de campo entre os vizinhos de Cambedo, em 1987-88, e em revisitações posteriores constantes. Quero transmitir a todos – e àqueles que representam – a minha enorme gratidão por terem estado disponíveis e entusiasmados, por se terem entregado às tarefas e despesas inerentes, com a finalidade generosa de recordar um exemplo que tomamos como nosso, por terem aceitado encargos, trabalho e prejuízos pessoais para o fazer.

Estranhamente, foi a Câmara Municipal de Chaves (CMC) a grande ausente. Depois de sucessivamente lhes enviar mails ao seu presidente, sempre sem resposta, em fases diversas de todas iniciativas que enquadraram as comemorações destes 75 anos do cerco e bombardeamento, só tardiamente seria contactada via telefone por uma funcionária camarária, alegadamente indigitada pelos seus superiores. Nem o presidente nem o vereador da área jamais me receberam ou contactaram, embora tivesse feito várias tentativas nesse sentido, em momentos diversos. Nunca houve qualquer entusiasmo pelas comemorações, e, em momentos sucessivos, fui confrontada com o boicote das iniciativas, fazendo cair os curtos compromissos em que aparentemente aceitavam envolver-se. Mais, tratavam de modo indigno os elementos da organização, rasteirando de maneiras vários o que se preparava, e assim provocando um imenso desgaste e perda de tempo entre quem, com generosidade, se entregava a esta homenagem. Que terá levado a Câmara Municipal de Chaves a esta atitude? Onde deixou guardada a proverbial hospitalidade transmontana, que todas as outras entidades tão bem demonstraram? Por que foram fechando sucessivamente portas, negando-se a participar em momentos honrosos, de reconhecimento a uma aldeia do seu concelho, reconhecidos como tal pela sua congénere galega do outro lado da fronteira? Por que sabotaram a passagem na cidade de Chaves do filme «O Silêncio», de António Loja Neves e José Alves Pereira, aparentemente querendo descartar-se de responsabilidades na verificação dos certificados COVID, e tentando remetê-la para outros coorganizadores, de um modo aviltante inaceitável? Por que razão não procuraram alternativas de alojamento para alguns dos membros do Coro da Achada, a que se haviam comprometido, depois de tal não ser possível no quartel? Por que razão não se reconhecem no exemplo dos vizinhos de Cambedo, e hostilizam os que o prezam, demonstrando-lhes continuamente quão indesejáveis são ao deslocarem-se ao concelho? A pandemia obriga-nos a funcionar com as devidas cautelas, e a respeitar escrupulosamente as instruções da Direção Geral da Saúde, mas por todo o país continuaram a realizar-se intervenções cívicas e espetáculos variados, porque a vida pública assim o exige, e é próprio das democracias. Quando existe interesse e empenhamento, encontra-se soluções; foi o contrário daquilo com que deparámos do lado da CMC. A homenagem fez-se, apesar da Câmara Municipal de Chaves, e continuaremos a propagar pelo mundo o exemplo dos vizinhos de Cambedo e a denúncia das ditaduras ibéricas. Fazer investigação e servir as populações não está separado de uma atitude cívica, e quem preza a democracia sabe de quem se sente herdeira. É assim com quantos quiseram juntar-se-nos, embora com custos pessoais."

JAF

domingo, 5 de dezembro de 2021

Animada sessão sobre associativismo em pandemia, na J.F.Laranjeiro



 














O auditório da Junta de Freguesia do Laranjeiro acolheu na tarde do sábado, 4 de dezembro de 2021, a sessão promovida pela Associação Aldraba sobre o associativismo em tempo de pandemia, com o apoio caloroso desta autarquia e a participação ativa do GDE "Os Combatentes".

O presidente da União de Freguesias do Laranjeiro e Feijó, o amigo Luís Palma, saudou os presentes e procedeu depois, a convite da Aldraba, a uma apresentação crítica dos 3 números da revista publicados em abril/2020, outubro/2020 e abril/2021, quando a situação de confinamento não permitiu as habituais sessões públicas de lançamento. O orador destacou as temáticas tratadas nessas edições que lhe pareceram mais relevantes, e enalteceu o trabalho de divulgação e valorização do património popular que nelas viu espelhado.

A vice-presidente da direção do GDEC, Andreia Abrantes, descreveu de seguida os bem sucedidos esforços daquela centenária coletividade lisboeta em ter-se mantido a funcionar durante estes dois anos, promovendo para os seus associados atividades compatíveis com as restrições sanitárias, e conseguindo gerar receitas capazes de sustentar os encargos correntes.

O debate foi então alargado aos cerca de 20 presentes na sessão, que incluíam, além de vários associados da Aldraba e do GDEC, também elementos da URPICA (reformados e pensionistas do concelho de Almada), das Cantadeiras de Essência Alentejana, da ACRCEM (naturais dos concelhos de Estarreja e da Murtosa), da associação "O Farol" (Cacilhas), da ACCL (coletividades do concelho de Lisboa) e da Casa do Alentejo (Lisboa).

Foi muito rica a troca de impressões havida, de que ressaltou a importância da malha associativa na preservação da identidade das populações e até, com o apoio do poder local democrático, na própria assistência material aos mais vulneráveis nos tempos de crise. Foram ainda identificadas algumas das fragilidades com que o movimento associativo popular se debate, e a necessidade de se encontrarem urgentemente novas formas de lhes fazer face.

JAF (fotos LFM) 

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Nomes de localidades em azulejos (cont.39)


 








Já há muito tempo (cerca de dois anos!) que não se encontravam novos exemplares dos icónicos azulejos identificativos das localidades que o Automóvel Clube de Portugal instalou nos inícios da década de 1920 pelo país fora.

Neste último fim de semana, graças ao XL Encontro temático que a Aldraba realizou nos concelhos de Cuba e Vidigueira, fomos localizar esta placa de azulejos na povoação de Vila de Frades, concelho da Vidigueira, distrito de Beja.

Uma manifestação de desagrado pelo poste de eletricidade que oculta a letra S na visibilidade da placa...

Com esta publicação, chegámos às 172 placas de azulejos divulgadas, dos 18 distritos de Portugal continental!

JAF 

terça-feira, 30 de novembro de 2021

Sessão sobre o associativismo em tempo de pandemia, no Laranjeiro/Feijó


 

Divulgamos e subscrevemos o convite para esta iniciativa conjunta da nossa Aldraba - Associação do Espaço e Património Popular, da União de Freguesias do Laranjeiro e Feijó e do Grupo Dramático e Escolar Os Combatentes.

Todos ao Laranjeiro, no próximo sábado, dia 4 de dezembro, pelas 16 horas!

O local da sessão, na sede da ex-Junta de Freguesia do Laranjeiro, fica muito próximo da entrada do Arsenal do Alfeite ("portão verde").

JAF


segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Como foi o XL Encontro, na Cuba e na Vidigueira








Durante o fim-de-semana de 27 e 28 de novembro de 2021, a povoação alentejana da Cuba, foi a "capital" da associação Aldraba.

Aí afluíram e permaneceram 30 associados e amigos da Aldraba, vindos dos distritos de Lisboa (Alfragide, Lisboa, Loures, Moscavide, Queluz, Sintra e Venda do Pinheiro), Setúbal (Almada), Évora (Montemor-o-Novo) e Beja (Santana de Cambas e da própria Cuba).

Acolhidos de forma exemplar pelos nossos companheiros Manuela Bolinhas e Jorge Graça, que tinham tudo previsto e organizado ao pormenor, numa preparação que já vinha desde o início de 2020, e que a pandemia obrigou a adiar.

Dois dias inesquecíveis, de fruição das riquezas patrimoniais daquela região, o "país da uva" (plagiando a expressão inspirada do notável cubense Fialho de Almeida), e de caloroso convívio entre os participantes. 

Aí se incluiu uma sessão inicial no Museu F. de Almeida, orientada pela nossa amiga Francisca Bicho, seguida de um contacto com a casa do escritor que lhe está associada. À tarde do dia de sábado, veio uma visita à riquíssima Igreja Matriz, orientada pelo amigo Nuno Sota, perito em história da arte.

Ainda no sábado, fomos até uma adega onde se abriram várias talhas, com a respetiva prova do excelente vinho novo, e assistimos à sessão pública que assinalou, com a presença de cerca de 10 grupos corais do concelho, o lançamento do CD "Cuba Catedral do Cante".

O domingo de manhã foi ocupado com uma digressão às ruínas de São Cucufate, no concelho da Vidigueira (preciosos vestígios da ocupação romana e, mais tarde, da povoação cristã medieval), e com uma visita muito interessante ao centro de interpretação do vinho da talha em Vila de Frades.

À tarde, e antes das despedidas, deu ainda para conhecermos a impressionante ponte romana perto de Vila Ruiva.

Nos dois dias, a gastronomia alentejana (carne de porco com amêijoas, migas com carne de alguidar e cozido de grão) deixou também marcas indeléveis em todos nós.

JAF (fotos Mário Sousa, MEG e Fátima Castro)


quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Ecos do lançamento da revista ALDRABA n.º 30



















No belo salão da biblioteca da Casa do Alentejo em Lisboa, com vinte participantes, teve lugar em 24.11.2021 a sessão de lançamento do n.º 30 da revista Aldraba.

Na mesa, os presidente e vice-presidente da direção, José Alberto Franco e Albano Ginja, respetivamente, e o apresentador convidado, o arqueólogo Xurxo Ayán, que prossegue atualmente um trabalho de investigação de 5 anos no âmbito da Universidade Nova de Lisboa (FCSH).

Depois de enquadrado o lançamento desta revista na retoma das atividades da associação Aldraba (recente Rota do Parque Mayer, próximo XL Encontro temático em Cuba, e futura sessão no Feijó sobre associativismo em tempo de pandemia), Xurxo Ayán fez uma brilhante exposição do que, para ele, a nossa revista representa de uma intervenção cívica empenhada, na senda da valorização do património popular português.

Baseando-se e sublinhando a oportunidade dos artigos agora publicados, Xurxo preocupou-se em demonstrar a validade da nossa abordagem, à qual manifestou o desejo de aderir como associado. As ricas reflexões desenvolvidas sobre os textos do n.º 30 da revista serão em breve traduzidas em colaboração escrita que este novo amigo prometeu proporcionar-vos.

JAF (fotos LFM)