Numa semana do ano em que muitas pessoas recorrem às "previsões astrológicas" para 2023, reproduzimos a parte principal de um interessante artigo do neurocientista Jorge Almeida, publicado na edição de 27.12.2023 do jornal "Público":
O que valem os horóscopos?
(…) Qual
golpe de magia bem orquestrado, os horóscopos (e outras coisas que tal) casam
às mil maravilhas com a nossa necessidade de, como seres humanos, procurarmos
explicações para as coisas do nosso dia-a-dia.
É aqui
que entra a psicologia e a ciência cognitiva, o estudo das heurísticas que a
nossa mente usa para facilitar o processo de compreender o nosso mundo, e os
erros cognitivos (a que chamamos vieses cognitivos) que decorrem da necessidade
de fazermos todo este processo de forma rápida e dentro das limitações da nossa
mente.
Para
começar, há que olhar para o modo como os horóscopos são escritos – são tipicamente
uma descrição suficientemente vaga que inclui eventos e traços de personalidade
aplicáveis ao comum dos mortais num ou noutro ponto da sua vida, referindo
aspetos positivamente transformativos.
De forma
interessante, o psicólogo Bertram Forer, em 1948, demonstrou precisamente, que
este tipo de descrições é interpretado como sendo verdadeiro e único de quem as
lê. A isso chamamos o “efeito de Barnum”.
Este
efeito relaciona-se com um dos vieses cognitivos do qual a nossa mente é vítima
– o viés da validação subjetiva.
Este viés
leva a que uma afirmação (falsa ou verdadeira) seja vista como tão mais
verídica quanto mais significado pessoal tiver e quanto mais positivamente for
apresentada.
Até
parece que a nossa mente criou este viés para facilitar a crença nos horóscopos
(ou, aliás, os horóscopos é que tiram partido, de forma soberba, deste viés
cognitivo).
Mas há,
claro, outros processos mentais que conferem “veracidade” à leitura de um
horóscopo, e que se aplicam na mesma medida às fake news ou ao populismo político que nos tem assolado. Um exemplo
é a tendência para explicar o nosso comportamento como dependente de fatores
externos – “Eu não fui sair porque estava a chover” – e o comportamento dos
outros como traços de personalidade – “Ele não foi sair porque é preguiçoso”.
Este viés de atribuição confere à astrologia ainda mais poder – que melhor
fator externo do que o alinhamento dos astros para explicar os nossos
comportamentos?
Outro
aspeto explorado pelos astrólogos é o que chamamos “falácia/engodo do apelo à
autoridade – a maior parte dos astrólogos são “professores” ou “mestres”. Este
apelo à autoridade valida os horóscopos não pela veracidade dos mesmos, mas
porque é uma autoridade que or propõe.
Assim se
explica cientificamente o apelo da astrologia e dos seus horóscopos.
Claro
está que me parece que a sociedade se deve defender destes esoterismos, assim
como das fake news e dos populismos.
Isto
passa por mais e melhor informação científica – por um verdadeiro investimento
na literacia científica. (…)
Jorge Almeida