quinta-feira, 30 de maio de 2019

Dia da Espiga (5ª feira da Ascensão)















No ano de 2019, é hoje, 30 de maio (40 dias depois da Páscoa), que se comemora a festa popular do "Dia da Espiga", que nos países de tradição católica coincide com o evento litúrgico da 5ª Feira da Ascensão de Cristo.

A ALDRABA assinala esta data de tão belas raízes reproduzindo o artigo que, sobre esta temática, vai sair no nº 25 da revista, atualmente no prelo:

Quinta-feira de Ascensão, um dia fasto e de festa

Esta quinta-feira de primavera, que fecha o ciclo de quarenta dias aberto pela Páscoa, é, ainda hoje, apesar da crescente descaracterização do mundo rural, um dos dias mais sagrados do calendário das gentes das aldeias e vilas do interior do país.
É, nitidamente, um dia fasto, um dia favorável, como o são também, por exemplo, a segunda-feira de Páscoa[1], a segunda-feira de Pascoela (de Sestas[2] na Chamusca) ou o 1.º de maio – todos eles dias de ir passear ao campo, festejar a primavera e louvar a natureza.
Em muitos sítios do país, especialmente no sul que é zona de mais vastos trigais e de mais vincadas tradições mediterrânicas, o povo chama-lhe quinta-feira da Espiga – e este nome assenta-lhe bem. De facto, mais do que a festa religiosa da ascensão de Cristo, o que o povo espontaneamente celebra é o amadurecimento das searas, colhendo espigas e outros elementos vegetais para compor um ramo que, guardado em casa, há de dar fartura de pão e outras importantes venturas até à Ascensão que vier.
A interligação das duas práticas, religiosa e profana, nesta quinta-feira festiva, explica-se, para além das razões já referidas, pelo facto de, nos primeiros séculos do cristianismo, ser hábito, em dia de Ascensão, proceder-se à bênção dos primeiros frutos. Daí ter ficado o costume ritual de sair ao campo, nesse dia santificado, para recolher o raminho que, pelo simples facto de ser composto nesse dia, ficava bento e portanto se lhe atribuíam virtudes benfazejas e se guardava em casa como amuleto.
A apanha da espiga raramente é um ato solitário. Em tempos ainda não muito distantes, saía-se ao campo em ranchos, sobretudo de rapazes e raparigas, mas que integravam também gente de todas as idades, incluindo crianças e velhos. Levava-se o farnel, que se partilhava à sombra das árvores mais frondosas e então colhiam-se as várias espécies para compor, com arte e afeto, o raminho benfazejo.
A ocasião era propícia, com frequência, ao despontar de sentimentos entre moços e cachopas, trocas de espigas e de olhares em tarde de maio quente que depois davam namoro e muitas vezes ligações para a vida inteira.
Fazia-se roda, contavam-se histórias, desfiavam-se cantigas e dançava-se ao toque da concertina ou de outro instrumento que alguém levasse e soubesse tocar.
O ramalhete da espiga não tem uma composição fixa, variando muito de região para região e até de uma terra para a outra. No entanto, há elementos que surgem quase sempre e que encerram uma simbologia especial. Em vários locais do Ribatejo colhem-se habitualmente três[3] espigas de trigo (e/ou de cevada e/ou de centeio), três malmequeres amarelos (ou brancos) e três papoilas, mais um raminho de oliveira em flor, um esgalho de videira com o cacho em formação[4] e um pé de alecrim ou de rosmaninho florido[5]. As espigas querem dizer fartura de pão; os malmequeres, riqueza; as papoias, amor e vida; a oliveira, azeite e paz; a videira, vinho e alegria; o rosmaninho ou alecrim, saúde e força. Guardado em casa, o raminho da espiga não deve ser perturbado na sua quietude, sendo substituído apenas no ano seguinte por outro igual mas mais viçoso.
As tradições rituais da quinta-feira de Ascensão não se esgotam no passeio ao campo e na apanha da espiga, embora elas sejam, sem dúvida, as mais emblemáticas e as mais significativas desta festa rural. Há outras, muitas outras, que se cumpriam e hoje em dia vão desaparecendo, tantas e tão diversificadas que é praticamente impossível fazer o seu inventário completo. Convém, contudo, reter três que nos parecem mais interessantes: as que têm a ver com o pão, com o leite e com a hora do meio-dia.
O pão é o elemento fulcral da economia agrária. Não apenas o pão propriamente dito, mas o alimento em geral que a palavra pão significa nos meios rurais. A apanha da espiga, já o dissemos, tem por objetivo mais fundo garantir a sua fartura nas arcas durante todo o ano. Em algumas regiões do país, também com essa intenção, parte-se uma fatia de pão, em quinta-feira da Espiga, que se conserva incorrupto e se guarda religiosamente até à Ascensão seguinte, sendo nessas alturas comido pelas pessoas da casa. Noutros casos, espeta-se mesmo o raminho da espiga na fatia de pão, preservando-se ambos juntos para augurar maior abundância.
O leite é o elemento fulcral da economia pastoril. Dele dependem, para quem vive dos rebanhos e das manadas, a sobrevivência das crias, parte importante da dieta humana diária, e o fabrico de derivados de enorme importância para o grupo, como o queijo, o requeijão e a manteiga. Em quinta-feira da Espiga, em algumas regiões do país, por onde se conservam ainda pastagens, gado e tradições, o leite é investido de poderes mágico-religiosos. Na região de Arronches chega-se ao ponto de chamar a essa quinta-feira o Dia do Leite, havendo o hábito de os criadores distribuírem o leite ordenhado nesse dia a quem quer que passasse a pedi-lo. No norte do país, era costume o leite ser oferecido ao abade. Noutros locais, distribuía-se aos pobres da aldeia, crendo-se que com essa dádiva se ganharia mais no futuro. Há lugares em que ainda se acredita que o leite da Ascensão e o queijo que com ele se fabrica têm virtudes benfazejas, livrando de muitas doenças como as sezões ou o mal da gota.
Se a quinta-feira da Espiga é um dia fasto, a hora do meio-dia (designada simplesmente a hora) é considerada o período mais propiciatório. Essa era a hora em que tradicionalmente a Igreja Católica fazia o serviço religioso próprio da data, assinalando a ascensão de Jesus ao céu, repicando os sinos no alto das torres. Esse era o momento indicado na tradição popular para se praticarem todos os ritos característicos desse dia. Assim, por exemplo, o leite contra as febres e as dores deveria ser bebido a essa hora por ter efeito mais garantido. Há quem acredite, com certo enlevo místico, que entre o meio-dia e a uma da tarde os rios param de correr e a passarada recolhe aos galhos, gorjeando cantos à Virgem Maria. Uma velha crença chega mesmo a afirmar que é nessa hora bendita que se cruzam as folhas de oliveira. Por isso, ainda hoje há pessoas que preferem apanhar a espiga logo a seguir ao meio-dia, confiantes na conjugação dos efeitos benéficos do raminho e da hora.
Mais do que santificado em memória da ascensão de Cristo, o dia da Espiga é sagrado em louvor do amadurecimento da natureza. Por isso, é um dia em que, por definição, não se trabalha e, nos meios rurais, mesmo não sendo feriado oficial, sempre as pessoas procuraram, pelo menos até há uns anos, cumprir os rituais da tradição, incluindo o de dedicar o dia por inteiro à festa e não às tarefas quotidianas.
Em vários concelhos, especialmente do centro e sul do país, a força do costume, a intensidade dos festejos e o significado do dia para as populações levaram à adoção da quinta-feira da Espiga como feriado municipal. São, ao todo, trinta municípios[6], dez dos quais legalizaram o seu feriado através do mesmo decreto, em maio de 1973[7].
Hoje em dia, com as contínuas e profundas transformações que se têm dado no mundo rural, a apanha da espiga, embora se mantenha, é mais simbólica do que nunca. Em alguns casos, assume mesmo características estritamente folclóricas ou, o que é muito mau, subordina-se ao consumismo reinante, como acontece em alguns meios urbanos nos quais de vendem raminhos de espigas pelas esquinas…
São sinais dos tempos que vivemos. Tudo tem, obviamente, um preço e o progresso também. Mas será bom não nos esquecermos que, se é certo que o Homem ocidental depende há mais de cem anos da máquina e da técnica, não é menos verdade que a Humanidade em geral depende, há mais de dez mil, da agricultura e da natureza. E há laços que só o tempo é capaz de fazer e de desfazer.
António Matias Coelho

[1] Segunda-feira de Páscoa é dia particularmente festivo, por exemplo, nos concelhos da Golegã e de Constância: no primeiro realiza-se a Festa das Bateiras, na Azinhaga; no segundo a Festa de Nossa Senhora da Boa Viagem – uma e outra de grandes e significativas tradições.
[2] A segunda-feira de Sestas era, no meio rural, o dia em que, devido ao crescimento do dia solar e ao aumento do calor à tarde, se passava do regime de trabalho de inverno para o de verão, introduzindo-se um período mais dilatado de paragem para a refeição do meio-dia que permitia dormir uma sesta à sombra pela hora de maior calor, despegando-se depois mais tarde ao fim do dia. Na segunda-feira de Pascoela, por ser o primeiro dia desta prática, era costume os patrões darem a tarde inteira aos trabalhadores que a aproveitavam para festejar, no campo, até ao anoitecer. Na vila da Chamusca, para dar um exemplo, o monte do Bonfim era o local mais frequentado pelos que assinalavam as sestas de forma festiva. Trata-se de uma (mais uma…) tradição que, infelizmente, está em vias de passar ao completo esquecimento.
[3] No ramo, as espigas e os outros elementos podem ser um, três ou cinco de cada, mas sempre em número ímpar.
[4] Este costume de colher ramos de oliveira em flor e vides com cachos de uva em formação deu azo, em tempos idos, a muitos protestos de agricultores que, em quinta-feira da Espiga, viam os seus olivais e vinhedos invadidos por ranchos de gente que lhes mutilava os frutos antes de tempo…
[5] O raminho da espiga, consoante os locais, pode compreender vários outros elementos, de significado menos preciso, integrados muitas vezes apenas para compor o ramalhete. São os casos, por exemplo, das margaridas, das campainhas, das rosas e até das favas.
[6] São os seguintes os trinta concelhos portugueses que têm a quinta-feira de Ascensão como feriado municipal: Melgaço, Oliveira do Bairro, Anadia, Mealhada, Mortágua, Marinha Grande, Ansião, Alvaiázere, Alcanena, Torres Novas, Golegã, Chamusca, Almeirim, Salvaterra de Magos, Benavente, Cartaxo, Azambuja, Alenquer, Arruda dos Vinhos, Sobral de Monte Agraço, Mafra, Vila Franca de Xira, Alter do Chão, Estremoz, Arraiolos, Alvito, Vidigueira, Castro Verde, Monchique e Loulé.
[7] Decreto n.º 262/73, de 26 de maio, que consagrou o dia de quinta-feira de Ascensão como feriado municipal dos concelhos de Alter do Chão, Ansião, Arraiolos, Arruda dos Vinhos, Cartaxo, Chamusca, Mafra, Marinha Grande, Mortágua e Salvaterra de Magos.

sexta-feira, 24 de maio de 2019

A Aldraba e a Tapada das Necessidades














Editorial do nº 25 da revista ALDRABA, atualmente no prelo:

Abril, mês de esperança e liberdade 
Aniversário dos 45 anos da Revolução dos Cravos!
Aniversário, o 14º, da Aldraba – Associação do Espaço e Património Popular.
Nos catorze anos deste caminho percorrido, os objectivos iniciais aquando da fundação da nossa associação foram sendo concretizados nas actividades e visitas temáticas, na recolha de memórias e saberes (que se materializam na publicação das nossas revistas), no alerta para situações que infelizmente encontramos de abandono e incúria no património que urge preservar.
Amamos e respeitamos o que é pertença do nosso povo. É esse o legado que recebemos e é esse o sonho que queremos ver realizado nesta partilha de saberes e opiniões.
Nestas “andanças” a que dedicadamente nos propusemos e que queremos continuar, procuramos evitar o esquecimento e o abandono, trazendo para a reflexão colectiva questões tão importantes quão diferentes, como sejam os moinhos ou os lagares, os cataventos ou os bombos, os cantares ou as lengalengas ancestrais, por exemplo.
Neste espaço que pretendemos de análise de experiências e opiniões, bem como de preocupações, alertamos para a degradação da Tapada das Necessidades, em Lisboa. Importante património florestal, histórico e cultural que é urgente preservar e requalificar.
O jardim romântico e a estufa circular, a estatuária e a casa do fresco, o moinho de vento e o antigo jardim zoológico do rei D. Pedro V, o troço do Aqueduto das Águas Livres, bem como os muros que circundam os 9 hectares da Tapada, necessitam de intervenção adequada. A bonita estufa circular, há anos repleta de variadas espécies de plantas, hoje está vazia, despida do seu valioso conteúdo. Merece voltar a ter vida!
A Tapada das Necessidades era um espaço fechado, não estava aberto ao público. Foi o poder local democrático e a acção de muitos cidadãos que libertaram a Tapada dos seus muros e que hoje é visitada por todos que a queiram usufruir!
Sendo interventivos, vamos continuar a dar mais força ao projecto da Aldraba, valorizando o que de bom tem sido feito, mas não deixando de denunciar a insensibilidade ou mesmo negligência que tem havido por parte dos diversos poderes para com a preservação do património.
É dever cultural, é direito de cidadania.
É viver e comemorar Abril!
Maria Odete Roque

sexta-feira, 10 de maio de 2019

"Tradição e sabedoria": Tirar o pai da forca














Significado: Ter pressa.

Origem: Santo António estava em Pádua e teve de ir apressadamente até Lisboa para livrar o seu pai da forca. Lenda conhecida que tem tanta atualidade neste século onde quase todos andam acelerados de um lado para o outro, como quem vai tirar o pai da forca.

Cafés Chave d’Ouro