Tradição
Para além da etimologia (do latim traditio, do verbo trans-dare, dar completamente, de um lado ao outro) e embora ela seja importante para se encontrar o ponto de partida para qualquer discussão, pode definir-se tradição como doação, entrega, transmissão completa, tanto do saber do mestre aos seus discípulos como de uma pessoa ou de um sentimento, dizem os entendidos.
As tradições, autores há que lhes chamam modalidades tradicionais da experiência, conferem legitimidade aos discursos e às acções espontâneas da vida quotidiana e do senso comum. Dão sentido à experiência do homem inserido na sua comunidade de pertença.
Não sendo boas ou más, progressistas ou reaccionárias, elas existem como emanação natural de um grupo, em determinado momento e face a contextos específicos. São imprescindíveis à coesão e identidade desse mesmo grupo de referência, daí que em alturas críticas devam ser preservadas sob pena do contrário poder conduzir à sua descaracterização e/ou destruição.
Tradição e modernidade coexistem no seio de uma mesma sociedade e numa mesma época, numa relação sincrónica, embora conflitual uma vez que a modernidade se assume como ruptura face aos modelos tradicionais. Ambas contribuem para o progresso das sociedades pois podem ser encaradas como o ponto e o contraponto uma da outra.
Jorge Sampaio, que gosta de touradas e de touros de morte e em cuja Presidência se assistiu às quase intermináveis discussões sobre os touros de morte em Barrancos, afirmou no calor desses debates, cito de cor: “deve-se encontrar um justo equilíbrio entre tradição e modernidade”. Provavelmente pensaria na importância de preservar ou proteger os dois grupos em confronto: “barranquenses” e “defensores dos direitos dos animais”.
As tradições são, no meu entender, património a preservar enquanto tal e não como forma de vida ou garante de valores imutáveis. Como mulher não poderia pensar de outra forma!
Atitude profundamente reaccionária será ignorá-las. Conhecê-las, encontrar-lhes origens e sentido e reflectir sobre elas conduz-nos ao conhecimento das nossas raízes, à clarificação do que fomos e de como evoluímos até aqui e fornecem-nos o sentido de orientação da modernidade, uma vez que esta e elas se contrapõe.
Património
Ao falar em património estamos a considerar um conjunto de entidades de natureza cultural que se devem conhecer, valorizar e preservar pelo significado que encerram para um determinado grupo ou para a própria Humanidade na sua totalidade.
A patrimonialização de uma qualquer dessas entidades implica limitações de propriedade, uso e eventual destruição, uma vez que há que garantir a sua preservação, justificada pelo significado simbólico que a condição de património lhe confere, passando o seu controlo e conservação para os domínios do colectivo.
Popular? Imaterial? Invisível?
Popular em contraponto a erudito – por que não?
O Mosteiro dos Jerónimos ou as bandas dos bonecos minhotos estão no mesmo patamar?
A 9ª sinfonia de Beethoven ou a Trigueirinha Alentejana podem ser enquadradas no mesmo tipo de entidades culturais?
Julgo que não, embora reconheça que a fronteira pode ser ténue em determinadas situações ou contextos. Julgo também que, enquanto as primeiras que refiro já não precisam de defensores, as segundas pertencem a um tipo de património que, pela sua fragilidade, existência localizada ou ignorância necessitam, na actualidade, de mais e melhores vozes para que possam ser preservadas e continuadas.
Se o termo imaterial não encerra grandes dúvidas – será sempre constituído pelo conjunto das tais entidades de natureza cultural que não têm expressão física ou material, de que podem ser exemplo as lendas, as crenças ou os contos, já o mesmo não acontece com o conceito de invisível.
Invisível poderá confundir-se com imaterial? Penso que sim, apenas porque um e o outro não são visíveis. Não foi esse o entendimento que, em minha opinião, sempre foi dado a este termo no seio da Aldraba. O conceito de invisível significa que uma qualquer entidade cultural estaria a montante da patrimonialização para a generalidade da sociedade. A Aldraba propunha-se chamar a si a tarefa de contribuir para que tal viesse a acontecer.
Ao ser invisível enquanto património, logo não referenciada ou tratada como tal, necessário se torna desenvolver todas as acções que estejam ao nosso alcance para congregar vontades e forças que conduzam à sua patrimonialização.
Também em relação ao património tenho alguma dificuldade em analisar a questão na perspectiva do reaccionário versus progressista. São rótulos, esses e outros, que prefiro guardar para as atitudes e os comportamentos das pessoas que se colocam na posição quer do “no meu tempo é que era bom”, quer do “tudo o que é velho é para deitar abaixo”.
As questões ambientais, da ecologia, do desenvolvimento sustentado e da preservação de ecossistemas e espécies em vias de extinção pode – penso eu – dar novo sentido às discussões e acções que vierem a ser desenvolvidas em torno destas matérias. Poderão, pelo menos, nortear o sentido da modernidade.
1910, 1926, 1974
Penso que não se deve centrar um qualquer debate sobre património ou tradição em torno destas datas. São, com certeza, de grande importância e relevo para outro tipo de análises de âmbito sociológico noutras vertentes da vida da sociedade portuguesa. Ao assumirem contornos de épocas para-revolucionárias, o calor dos tempos que se lhe seguiram conduziu a rupturas totalizantes em que a sociedade, ou uma pequena e nem sempre significativa parte dela – daí o risco, procura rejeitar o anteriormente estabelecido de uma forma pouco racional não muito consentânea com aquilo que eu penso que deverá ser a distância e o passar do tempo requerido pelos processos de patrimonialização.
Deixo um exemplo: Pedro Homem de Mello afirmava na década de 60, nos ecrãs de televisão, que o Alentejo não tinha folclore. Veja-se a entronização a que se assistiu a seguir ao 25 de Abril a tudo o que era (ou não era) manifestação cultural de cariz alentejano. Eu que, com esta matéria sempre tive uma relação próxima, fiquei chocada não só com as afirmações do primeiro mas também com o abastardamento a que assistiu a seguir a 1974.
O outro
Por muito vasta que seja a nossa cultura e abrangente a nossa esfera de acção individual ou colectiva, não me restam dúvidas que em muitas áreas ou matérias seremos sempre exteriores e teremos uma visão de fora.
Qual é o mal que daí vem ao mundo? Basta que fixemos o nosso papel não no de actores ou líderes da acção, mas talvez caixa de ressonância de outros.
Já imaginaram o melhor dos violinistas a tocar a mais bela peça de música num violino sem caixa de ressonância? Devia ser lindo … só que ninguém ouvia!
Se a Aldraba souber fazer eco de outros, estabelecendo mais e mais activas parcerias com associações e universidades e constituir-se como plataforma de discussão e divulgação de ideias e actuações que lhe mereçam crédito, e souber ser tudo isto de forma construtiva e dinâmica estará a caminhar no sentido do cumprimento dos seus objectivos e da sua razão de ser.
M.ª Eugénia Gomes
Se o termo imaterial não encerra grandes dúvidas – será sempre constituído pelo conjunto das tais entidades de natureza cultural que não têm expressão física ou material, de que podem ser exemplo as lendas, as crenças ou os contos, já o mesmo não acontece com o conceito de invisível.
Invisível poderá confundir-se com imaterial? Penso que sim, apenas porque um e o outro não são visíveis. Não foi esse o entendimento que, em minha opinião, sempre foi dado a este termo no seio da Aldraba. O conceito de invisível significa que uma qualquer entidade cultural estaria a montante da patrimonialização para a generalidade da sociedade. A Aldraba propunha-se chamar a si a tarefa de contribuir para que tal viesse a acontecer.
Ao ser invisível enquanto património, logo não referenciada ou tratada como tal, necessário se torna desenvolver todas as acções que estejam ao nosso alcance para congregar vontades e forças que conduzam à sua patrimonialização.
Também em relação ao património tenho alguma dificuldade em analisar a questão na perspectiva do reaccionário versus progressista. São rótulos, esses e outros, que prefiro guardar para as atitudes e os comportamentos das pessoas que se colocam na posição quer do “no meu tempo é que era bom”, quer do “tudo o que é velho é para deitar abaixo”.
As questões ambientais, da ecologia, do desenvolvimento sustentado e da preservação de ecossistemas e espécies em vias de extinção pode – penso eu – dar novo sentido às discussões e acções que vierem a ser desenvolvidas em torno destas matérias. Poderão, pelo menos, nortear o sentido da modernidade.
1910, 1926, 1974
Penso que não se deve centrar um qualquer debate sobre património ou tradição em torno destas datas. São, com certeza, de grande importância e relevo para outro tipo de análises de âmbito sociológico noutras vertentes da vida da sociedade portuguesa. Ao assumirem contornos de épocas para-revolucionárias, o calor dos tempos que se lhe seguiram conduziu a rupturas totalizantes em que a sociedade, ou uma pequena e nem sempre significativa parte dela – daí o risco, procura rejeitar o anteriormente estabelecido de uma forma pouco racional não muito consentânea com aquilo que eu penso que deverá ser a distância e o passar do tempo requerido pelos processos de patrimonialização.
Deixo um exemplo: Pedro Homem de Mello afirmava na década de 60, nos ecrãs de televisão, que o Alentejo não tinha folclore. Veja-se a entronização a que se assistiu a seguir ao 25 de Abril a tudo o que era (ou não era) manifestação cultural de cariz alentejano. Eu que, com esta matéria sempre tive uma relação próxima, fiquei chocada não só com as afirmações do primeiro mas também com o abastardamento a que assistiu a seguir a 1974.
O outro
Por muito vasta que seja a nossa cultura e abrangente a nossa esfera de acção individual ou colectiva, não me restam dúvidas que em muitas áreas ou matérias seremos sempre exteriores e teremos uma visão de fora.
Qual é o mal que daí vem ao mundo? Basta que fixemos o nosso papel não no de actores ou líderes da acção, mas talvez caixa de ressonância de outros.
Já imaginaram o melhor dos violinistas a tocar a mais bela peça de música num violino sem caixa de ressonância? Devia ser lindo … só que ninguém ouvia!
Se a Aldraba souber fazer eco de outros, estabelecendo mais e mais activas parcerias com associações e universidades e constituir-se como plataforma de discussão e divulgação de ideias e actuações que lhe mereçam crédito, e souber ser tudo isto de forma construtiva e dinâmica estará a caminhar no sentido do cumprimento dos seus objectivos e da sua razão de ser.
M.ª Eugénia Gomes
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"A ALDRABA"