quarta-feira, 21 de junho de 2023

Luís Maçarico apresenta o n.º 33 da revista "Aldraba" na Casa do Alentejo


 






Na próxima 5.ª feira, dia 29.6.2023, pelas 18 horas, o poeta e antropólogo Luís Filipe Maçarico (que é também dirigente da associação Aldraba) vai apresentar na biblioteca da Casa do Alentejo, na Rua das Portas de Santo Antão, 58, em Lisboa, o n.º 33 da nossa revista, que está já impressa e disponível há várias semanas.

Desafiamos todos os associados e amigos da Aldraba a aparecerem e a participarem na discussão dos diversificados temas patrimoniais tratados neste número da revista.

E tragam outros amigos também!

JAF

domingo, 18 de junho de 2023

Nomes de localidades em azulejos (cont. 40)





Já há um ano e meio que não se encontravam novos exemplares dos icónicos azulejos identificativos das localidades que o Automóvel Clube de Portugal instalou nos inícios da década de 1920 pelo país fora.

A nossa amiga Susana Rodrigues, a quem agradecemos calorosamente, acaba de encontrar dois exemplares na localidade de Dagorda, do concelho do Bombarral, distrito de Lisboa.

Com esta publicação, chegámos às 174 placas de azulejos divulgadas, dos 18 distritos de Portugal continental!

JAF

sábado, 10 de junho de 2023

Parabéns à Casa do Alentejo no dia do seu 100.º aniversário









A Casa do Alentejo em Lisboa, verdadeira embaixada dos alentejanos na capital, e "casa da fraternidade" - como tem sido justamente apelidada, comemora hoje 100 anos da sua fundação em 10 de junho de 1923.

Recordamos o post "Início das comemorações do centenário da Casa do Alentejo" que aqui publicámos em 27 de janeiro último, e que fez um registo desenvolvido da importância desta grande coletividade regionalista.

A ALDRABA, que tanto deve à cooperação com a Casa do Alentejo, quer deixar aqui um abraço fraterno de felicitações e os nossos melhores votos de um futuro profícuo para o seu trabalho.

Viva a Casa do Alentejo!

JAF


segunda-feira, 5 de junho de 2023

44 participantes no XLI Encontro temático da ALDRABA


Um grupo muito interessado de 44 associados e amigos da Aldraba puderam disfrutar, entre as 10h e as 19h30 do sábado 3.6.2023, de um vasto conjunto de atividades no concelho do Cadaval incluídas neste 41.º Encontro temático.

Fomos recebidos de forma excelente pela Carla Galvão, do Centro Interpretativo da Fábrica do Gelo, pela Raquel Marques (e restante equipa), da Sociedade Filarmónica 1.º Dezembro, pela Filomena Barros,  do CRASM, e pelo Sr. Miguel Luís, do Moinho de Avis. A todos eles, o nosso caloroso obrigado.

Os participantes conviveram animadamente durante o dia, e interagiram de modo intenso com os nossos anfitriões.

Mais uma jornada memorável da Associação Aldraba!

JAF (texto) / Marta Barata (painel de fotos)

 

quinta-feira, 1 de junho de 2023

António dos Olhos Tristes


 










António dos Olhos Tristes foi o único homem que eu conheci que sabia falar com os bichos todos que há na vida. Mas todos. Todos mesmo.

E quando falava com eles fazia uma voz tão triste, tão triste que as pessoas que o ouviam ficavam a cismar se o António dos Olhos Tristes não teria nascido para ser monge, ou eremita, daquelas criaturas que vivem a vida toda nas montanhas, mais cerca do céu do que da terra, vestidos de silêncio, de paz e simplicidade.

Ou então António dos Olhos Tristes em vez de pessoa devia ter sido talhado para nascer árvore, daqueles sobreiros tristes, sozinhos, que a gente avista nos descampados, de braços abertos como que a dizer salve-os Deus a maiorais, a ciganos, a moinantes e uma enormidade de seres que levam a vida inteira à procura dum lugar, dum sítio.

Nos dias em que o calor escarchava as pinhas, sorvia a água dos pegos e riscava faúlhas na lonjura da charneca, António dos Olhos Tristes sentava-se ao abrigo de qualquer ramada, agarrava num tronco de marmeleiro e em meia dúzia de golpes de canivete fazia uma figura que parecia mesmo um santo, enquanto o diabo esfregava um olho. Não era bem uma cara de santo de igreja, era como que a figura duma pessoa boa, duma pessoa triste, ora um homem, ora uma mulher, ora uma criança, ora às vezes até um animal qualquer mas sempre com uma expressão na cara e nos olhos que quem visse dizia logo: – É tal e qual um santo, só lhe falta ser benzido! E era. Era mesmo assim tal e qual.

António dos Olhos Tristes não tinha pai nem tinha mãe, era tão sozinho como um rio, uma abetarda, uma lebre ou um vime. Nem os mais antigos sabiam donde é que ele viera nem sequer o dia em que ele aparecera ali na nossa aldeia. Nem os mais antigos falavam do seu passado, nem os mais antigos adiantavam fosse o que fosse à história da sua vida. Ali aparecera e ali ficara, há tanto tampo já que devia ser um velho e ainda era um jovem, tão bom e tão triste que devia ser filho de todos os pais e de todas as mães que há no mundo e não tinha nem um pai nem uma mãe só que fosse. Mas todos gostavam tanto dele, todos sentiam tão no peito aquela alegria de estar ao pé dele, que António dos Olhos Tristes era como se fosse assim um poucochinho pertença de todos nós.

A minha mãe, então, gostava tanto dele quanto gostava de mim. O meu pai deixava de comer metade da ceia só para que o António dos Olhos Tristes ceasse na nossa mesa. Até o Mestre Manuel Regedor deixava a voz grossa que ele fazia quando ralhava com os malteses e arranjava uma fala nova, muito mais sossegada e macia, para conversar com o António dos Olhos Tristes: era como que uma voz de pai, a fala que ele arranjava.

Podia contar aqui muitas histórias, muita coisa passada com António dos Olhos Tristes ou de quando ele ordenhou uma vaca taurina tão bem como um boieiro sem nunca ter aprendido, ou de quando ele deu um beijo na cara do Chico Mudo e ele abriu a boca, fez uma data de caretas e falou a única vez da vida dele a dizer – ó-bri-gá-du, ou de quando ele levou três dias e três noites a malhar cevada branca na eira da Tia Almerinda Viúva, sem dormir nem descansar, e quando acabou tudo só quis aceitar um cacho de uvas com pão. A Tia Almerinda Viúva contava que enquanto punha as uvas na boca, bago a bago, devagar, o António dos Olhos Tristes ia mudando a cara, mudando a cara tanto e de tal maneira que ao fim dela estar a olhar para ele um quarto de hora era como se estivesse a olhar a cara do seu homem, igualzinho sem tirar nem pôr. Ela ainda hoje afiança que viu a cara do seu homem na cara de António dos Olhos Tristes, e há que séculos que isto foi. Quem é que pode negar? Quem é que viu? – Se só ela é que viu, só ela é que pode afiançar ou desmentir.

Podia ainda falar de outras histórias, umas tristes, outras esquisitas e estranhas, que ouvi contar ou que aconteceram mesmo ao pé de mim. Duma mão cheia delas que me lembro escolhi estas 15 que irei discorrendo consoante a lembrança que tenho hoje.

A primeira foi quando António dos Olhos Tristes falou com uma lebre que saltou dum barranco.

Os homens tinham acabado de fazer meio dia a roçar mato, mesmo na extrema da herdade onde começa o barranco que vai dar aos foros da Chaminé. Sentados uns, estiraçados outros, enrolavam os tanganhos do tabaco nas mortalhas có-có-ró-có-có. Um ou outro bebia da água, mais morna que caldo de beldroegas, pelo cocharro.

Foi nisto que saltou a lebre. Grande como um galgo, um lebrão, lombo cinzento e acastanhado, barriga a roçar o branco e duas orelhas apontadas à copa do arvoredo. Em três saltos galgou a rampa do barranco e especou-se, queda, tensa, nervosa, nem chegava a vinte metros do chaparro onde o pessoal descansava.

António dos Olhos Tristes estava entretido a ajudar uma formiga azelhuda que se tinha alambazado com uma espigona de centeio, cem vezes maior do que ela, às pandaretas prá’qui, às pandaretas prá’li. António dos Olhos Tristes, segurando uma folhinha seca, ora levantava daqui, ora empurrava dacolá, tentando ajudar a arara a levar a tralha a bom termo.

O Zaías gritou: – Olha uma lebre, parece um cavalo! O bicho agitou as orelhas e retesou mais os músculos, pronto para a corrida. O pessoal ficou todo pregado onde estava, olhos fincados no bicho.

Foi então que António dos Olhos Tristes se levantou. Devagar, primeiro uma mão no ar, depois a outra, até que se ergueu todo e começou a andar. Um passo. Parou. Outro passo. Parou. A gente nem acreditava: um lebrão é um animal que assim que vê um homem levantar um dedo maminho prega logo três saltos e desaparece a mais de cem à hora. E aquele ali estava, quieto, fixo, a olhar para António dos Olhos Tristes, que em vinte passadas quase ficou com as botas a baterem-lhe no pêlo.

O Chico da Caniçada ia a levar um pedaço de queijo à boca, com a folha do canivete, e quedou-se assim, com o braço no ar, o canivete a meio da viagem, de boca aberta, como se fosse de pedra. Os outros na mesma: pareciam tão encantados por uma jibóia que até o suor deixou de correr nas caras e ficou parado, colado à barba.

António dos Olhos Tristes baixou-se devagarinho, passou a mão pelo lombo da lebre, da cabeça ao rabo, da cabeça ao rabo, duas vezes, três vezes, a seguir põe-se de cócoras e começa a alisar-lhe as patas, de cima para baixo, ora as da frente ora as de trás. E sempre a falar-lhe: – Pronto, pronto, não tenhas medo. Sou eu, não tenhas medo. Foi caçador, foi caçador ou raposo que te assustou, minha linda. Eles são maus, eles são maus. Não tenhas medo. Pequerrucha. Pequerrucha.

E a lebre quieta. E a lebre tão parada que até parecia entender tudo o que ele lhe dizia, cada vez mais calma, cada vez com as pernas mais quietas e o corpo menos em arco…

Então António dos Olhos Tristes dá-lhe uma palmada no rabo e manda: – Agora já podes ir à tua vida descansada. Vá. Vai. Não tenhas medo.

A lebre ensaia um salto, um salto curtinho, e fica a acompanhar com os olhos o regresso de António dos Olhos Tristes para o pé da gente.

Daí a nada arrancou numa corrida que até levantava pó entre a caruma.

(…)

Eduardo Olímpio