Pré-publicação do editorial do n.º 24 da revista ALDRABA, que se encontra no prelo:
AS OLIVEIRAS MILENÁRIAS, UM PATRIMÓNIO ÍMPAR
Temos vindo a assistir ao derrube
inconsciente de oliveiras centenárias e milenárias pelas mais diversas razões –
plantio de novo olival, construção de vias e edificações -, ignorando-se todo o
seu valor e simbolismo, nos planos ambiental, histórico e económico. E, com
isso, perdem-se memórias, fere-se a paisagem, perde-se a qualidade no azeite.
As oliveiras das modernas
explorações tornam-se menos duradouras e resistentes às condições climáticas,
ao serem submetidas a ações sucessivas de poda, de rega e a uma exploração mais
intensiva.
Em Portugal existem
ainda muitas oliveiras milenárias, das quais destacamos:
-
Em Loures. A oliveira milenária de Santa Iria de Azóia, que esteve em risco de
ser derrubada para se alargar uma rotunda, mas a comunidade movimentou-se e
hoje tem-na como um património muito seu.
- Em
Tavira. A oliveira bimilenária do aldeamento de Pedras d`El-rei;
- Em Abrantes. A
oliveira trimilenária das Mouriscas, cuja idade, de 3.350 anos, foi cientificamente
comprovada, em 2016, pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.
Esta durabilidade
advém, segundo os seus estudiosos, como Stéphane Moreaux, da enxertia de um
zambujeiro, árvore da sua espécie, conhecido também por oliveira silvestre.
A origem da oliveira,
segundo a história, remonta à Era Terciária, situando-se na Ásia Menor, onde
foram encontradas folhas fossilizadas, datadas do Neolítico. Mais tarde, veio a
difundir-se em torno do Mediterrâneo, zona em que assumiria uma invulgar proeminência
na sua paisagem e gastronomia.
Desde a antiguidade, a
oliveira tem sido associada a manifestações culturais, a usos gastronómicos e
medicinais e a práticas religiosas. Na Bíblia e no Corão, ela é a árvore mais
referida e venerada. “O ramo verdejante trazido pela pomba a Noé não poderia
ser outro que não um ramo de oliveira” (Génesis).
Da sua madeira
faziam-se cetros reais e com o azeite ungiam-se monarcas, atletas e sacerdotes.
Daí o ser considerada símbolo da sabedoria, da paz e da abundância.
Foi cantada por
Homero, Ovídio, Virgílio e Plínio. “E com um ramo de oliveira o homem se
purifica” (Virgílio, Eneida).
A oliveira constitui,
sem dúvida, o elemento mais identitário do património natural dos países do Mediterrâneo,
juntamente com a azinheira e a videira. E o seu azeite é o ingrediente fulcral
da sua denominada dieta.
A palavra azeite
deriva do vocábulo árabe al-zait que significava “sumo de azeitona”. Um sumo
mítico, bíblico e histórico, servindo até de apelativo à verdade: “o azeite vem
sempre ao de cima”.
A oliveira é um ser
vivaz e resistente, de folhagem perene e violácea, que se inclina sempre para a
luz e sendo também luz: na mesa, no candelabro, na candeia,… E que Van Gogh tão
bem pintou, mas confessando: ”Mas é bem difícil. Mas isso convém-me e atrai-me
no ouro e na prata. E talvez um dia faça delas uma interpretação pessoal, como
os girassóis estão para os amarelos”.
Por tudo isto, a
oliveira é uma árvore singular e ímpar da natureza, da vida
e cultura mediterrânica. Mas não só. Pela realidade que as oliveiras milenárias
encerram e representam, impõe-se que o Governo - com meios e legislação
adequada -, as autarquias e as associações do património cultural concorram
para garantir a sua defesa, conservação e preservação.
A Aldraba fará o
possível para assumir a sua responsabilidade, na sensibilização e cooperação.
João Coelho