quinta-feira, 31 de maio de 2012

Itinerantes por Santana de Cambas













Caros Amigos e Amigas,

Foi uma caminhada muito agradável!
Beijos & abraços

José Constantino* (texto e foto)

* José Constantino Costa é o presidente da Cooperativa Itinerante, que conduziu os participantes do XXI Encontro da Aldraba pelo trilho do contrabando a partir de Santana de Cambas. Dos 16 corajosos caminhantes, que percorreram os 10 km de terra batida na manhã do domingo 27 de maio de 2012, falta apenas o José Rodrigues Simão que, mal chegámos ao fim da caminhada, e antes de ser tirada a foto, teve de ir a correr de volta para Moreanes, para as tarefas que o esperavam no Centro de Apoio a Idosos

quarta-feira, 30 de maio de 2012

O XXI Encontro da Aldraba juntou memórias, sentimentos e inteligências no concelho de Mértola













Foram duas dezenas de associados, da área de Lisboa e dos concelhos de Mértola e de Aljustrel, e com eles diversos outros amigos, os que se reuniram no fim de semana de 26 e 27 de maio de 2012 nas povoações de Mértola, da Moreanes, de Santana de Cambas e da Mina de São Domingos.

Encontro muito caloroso de amigos e de militantes do associativismo e da valorização dos patrimónios locais, que proporcionou experiências muito fortes a todos os presentes, e o justo estímulo aos que trabalham em meios difíceis e muitas vezes hostis.

No Campo Arqueológico de Mértola, logo na manhã do sábado, o Encontro teve o acolhimento dos professores Cláudio Torres e Susana Goméz, que apresentaram o rico trabalho aí desenvolvido, e nos acompanharam em visita ao Museu Islâmico.

Juntaram-se também ao grupo, nessa altura, o presidente da Associação de Defesa do Património de Mértola, Jorge Revez, e o chefe de gabinete do presidente da Câmara Municipal, João Serrão Martins.

No resto do dia 26, os participantes almoçaram no Centro de Apoio a Idosos da Moreanes, onde conheceram a sua intensa atividade de dinamização local, e mais tarde foi visitado o Museu do Contrabando de Santana de Cambas, com um animado diálogo travado com os antigos contrabandistas Francisco Pereira e Francisco Neto, e com Maria Júlia Carrasco, filha de um comerciante que teve grande envolvimento no setor.

No fim da tarde, o Encontro incluiu ainda uma breve passagem pela Casa do Mineiro, em São Domingos, e às ruínas das instalações do que foi a Mina, com o acompanhamento muito profissional da Sara Ribeiro.

Na manhã do dia 27, guiados pelo José Constantino Costa, da Cooperativa Itinerante, os participantes deste XXI Encontro da Aldraba realizaram um percurso pedestre de 10 quilómetros, num dos trilhos do contrabando do concelho, numa experiência que permitiu um estimulante convívio em torno da dureza da vida ali vivida.

À tarde desse domingo, de novo com o acompanhamento de Susana Goméz, foi o contacto com a Igreja/Mesquita de Mértola, e com a estação arqueológica da base do Castelo.

Dois dias intensos de conhecimento e partilha, com a identificação de muitas pistas para iniciativas futuras.

JAF (fotos de MEGomes)

terça-feira, 15 de maio de 2012

"Da Mértola islâmica à raia do contrabando"

Centrado no conhecimento do património histórico do concelho de Mértola e das memórias das suas gentes contrabandistas e mineiras, a ALDRABA vai levar a efeito o XXI Encontro, com a colaboração do Campo Arqueológico de Mértola, da Cooperativa Itinerante, do Centro de Apoio a Idosos da Moreanes e da Câmara Municipal de Mértola.

Sábado, 26 de Maio

11h00 – Concentração na Casa Amarela (Campo Arqueológico de Mértola). Sessão de abertura do Encontro, com a presença de representante do Presidente da Câmara Municipal e do próprio Campo Arqueológico.

12h00 – Visita ao Museu Islâmico de Mértola.

13h00 – No Centro de Apoio a Idosos da Moreanes (CAIM), recepção pelo Presidente da Direcção.

13h30 – Almoço no CAIM, seguido de visita às suas instalações.

16h00 – Visita ao Museu do Contrabando de Santana de Cambas. Depoimentos de Maria Júlia Carrasco e de alguns familiares de contrabandistas.

17h30 – Visita à Casa do Mineiro e Mina de S. Domingos.

20h00 – Jantar no Restaurante Tamuje, em Mértola.

Domingo, 27 de Maio

10h00 – Percurso pedestre nos trilhos do contrabando de Santana de Cambas.

13h00 – Almoço no Restaurante Alengarve, em Mértola.

15h00 – Passeio pelo centro histórico de Mértola, à Mesquita e ao Castelo, com Santiago Macias e Susana Goméz.

18h00 – Encerramento do Encontro.

O alojamento dos participantes, na noite de sábado para domingo, poderá ocorrer em vários estabelecimentos locais, cujos contactos a organização pode facultar.

As inscrições para a participação neste Encontro podem ser feitas junto da Círia Brito (T: 969067494 / ciriabrito@sapo.pt), do Nuno Roque Silveira (T: 962916005) ou do Leonel Costa (T: 918403252 / costaleonel@hotmail.com).

terça-feira, 8 de maio de 2012

Sobre o património cultural imaterial


















Nas Edições 70, Ldª, com o apoio do INATEL e da Comissão Nacional da UNESCO, a nossa amiga Clara Bertrand Cabral publicou recentemente “Património Cultural Imaterial – Convenção da Unesco e seus contextos”, obra que reflete e dá testemunho de todo um percurso profissional, e de um pensamento que o livro ajuda a sistematizar e a desenvolver.

Ao longo das 214 páginas de texto (complementadas com uma muito rica bibliografia e com cópia dos documentos institucionais mais relevantes), a autora alinha de forma crítica conceitos relativos ao património, à cultura e à sua salvaguarda, o que é a parte mais estimulante e inovadora deste trabalho.

O livro descreve como nasceu e se desenvolveu na UNESCO a ideia da Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial, de 2003, em interação com a sua antecessora Convenção para a Proteção do Património Mundial, Cultural e Natural, de 1972. Tudo no contexto de uma agência especializada das Nações Unidas criada no imediato pós-guerra (16.11.1945) para promover a paz no mundo pela cooperação entre os povos nas áreas da educação, da ciência, da cultura e da comunicação.

Como mero aperitivo para uma leitura direta do livro – que se recomenda vivamente – ficam aqui alguns apontamentos do que foi mais impressivo para o crítico.

No que se refere à ideia de “património”, a autora dá conta de como se evoluiu de uma “visão elitista e oficial”, que só retinha como relevantes os “monumentos”, para, a partir dos anos 50 do séc. XX, se ter passado a “incluir os objetos quotidianos, as construções vernáculas e os testemunhos mais recentes da atividade humana”. A ponto de, em finais do século, a noção de património se ter alargado até aos “bens cuja essência é intangível, como as práticas, as expressões, as representações e os saberes-fazer”.

Do monumento como suporte da memória, ter-se-á passado ao património como suporte da identidade. Esta última será o grau de identificação e solidariedade de um indivíduo com o grupo a que pertence, baseado na perceção dos membros de uma comunidade da sua homogeneidade social. A referida identidade não é estável nem imutável, pelo que o património cultural imaterial “é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função do seu meio, da sua interação com a natureza e da sua história”.

A atual globalização sobre os povos e culturas é apontada como frequentemente traumática para as comunidades, daí a consciência que se vai adquirindo da “importância sem precedentes do património”. Passando pelos conceitos de comunidades, grupos e indivíduos, a autora chega depois ao tema dos direitos culturais coletivos. Daí desembocar, mais à frente, nas questões das minorias e dos grupos de migrantes. E, finalmente, concluir com reflexões sobre folclore e cultura popular, onde, judiciosamente, assinala como estes termos foram explorados no séc. XX por regimes totalitários na Europa, e na colonização de territórios noutros continentes, em que as pessoas eram apresentadas “como um espetáculo de si próprias…”

A salvaguarda do património cultural imaterial é concebida por Clara Cabral, na linha da Convenção, como o conjunto das medidas que visam assegurar a sua viabilidade, incluindo a “identificação, documentação, pesquisa, preservação, proteção, promoção, valorização, transmissão e revitalização dos diferentes aspetos desse património”. E que tem de ser, por natureza, um “processo participativo”.

No desenvolvimento desse processo de salvaguarda, a autora dá grande destaque à tarefa da inventariação dos elementos do património, tal como já o fizera em julho de 2009, em entrevista que deu à “Aldraba”, nº 7:

“Qualquer organização vive com escassez de recursos. Se o Estado se propõe apoiar a salvaguarda do património imaterial, e se para isso os meios orçamentais serão inevitavelmente limitados, é normal que se queira basear numa identificação exata de quais os bens que justificarão os investimentos, daí a necessidade do tal inventário”.

Questionada nessa altura sobre o papel que as associações de cidadãos, como a Aldraba, podem ter nesse processo participativo, reconheceu-o como muito importante, cabendo-lhes sensibilizar a sociedade civil para a importância de salvaguardar o património cultural imaterial, dar a conhecer esse património e contribuir para alimentar as várias bases de dados de bens culturais imateriais criadas por diversas entidades.

É oportuno recordar essas considerações da autora, a propósito da parte final do livro em que enumera as instituições oficiais que estima serem as principais responsáveis pela Convenção em Portugal, e onde refere o papel das ONG’s de cariz local ou regional, “mediadoras esclarecidas e privilegiadas, sem as quais será impossível aplicar a Convenção de forma eficaz”.

A Associação Aldraba quer que contem com ela para esse trabalho!

José Alberto Franco (“Crítica de Livros”, publicada no nº 11 da revista “ALDRABA”)

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Memórias de um médico no concelho de Odemira


Para certas pessoas a vocação define-se de forma tão clara e natural, que se torna quase impossível ignorá-la. Para elas, a identidade e a profissão confundem-se quase sempre de tal forma, que parecem evoluir indistintas, moldando-se mutuamente, sem nunca perder a aparente unidade com o fluir do tempo.

A vida de Carlos Correia de Almeida Bastos aponta para que tenha sido esse o seu caso. Nascido em 1888 no bairro de Alfama, iniciou os estudos superiores na antiga Escola Médico-Cirúrgica, ao Campo de Santana, tendo concluído a licenciatura em 1914, na recém criada Faculdade de Medicina de Lisboa. Entre os seus professores, destacavam-se várias figuras impares da época, a quem expressou o seu apreço na tese de final de curso. Desse escol faziam parte Egas Moniz, Francisco Gentil, Gama Pinto, Júlio de Matos e Ricardo Jorge.

O interesse pela obstetrícia levou-o a estagiar voluntariamente na enfermaria-maternidade do Hospital de São José, onde teve os primeiros contactos com uma especialidade em que mais tarde se viria a notabilizar. Assistente do conceituado professor Aníbal de Castro, augurava-se-lhe uma promissora carreira na capital, tanto a nível clínico como académico. No entanto, por motivos pessoais e familiares, abandonou Lisboa, refugiando-se numa pequena aldeia do concelho de Odemira, onde em 1917 ocupou o cargo de Médico Municipal.

Por essa altura, São Martinho das Amoreiras era uma povoação isolada, com poucos habitantes, inserida numa região essencialmente rural. Aos poucos, apesar da sua juventude e inexperiência, foi conquistando a confiança dos habitantes da aldeia e das freguesias limítrofes, muitas das quais sem médico residente. Talvez por ter encontrado na profissão um suporte essencial ao seu equilíbrio, adaptou-se com aparente facilidade à vida da província. Constituiu família e os filhos foram nascendo. Naquele tempo, ainda se faziam consultas nas farmácias locais, tendo exercido também parte da sua actividade na então Farmácia Pargana, o que garantia aos doentes a vantagem de poderem aviar rapidamente os remédios. As hóstias, os pós, os xaropes e as pomadas eram então manipulados, respeitando criteriosamente as percentagens indicadas nas receitas, onde se encontravam também descriminadas as doses diárias prescritas. Por vezes, devido a impossibilidades técnicas locais, era necessário recorrer a laboratórios de Lisboa, como o Instituto Biológico Português. No entanto, devido ao atraso dos correios, frequentemente, quando o medicamento chegava, já o paciente tinha morrido.

As visitas ao domicílio, sobretudo aos “montes”, eram também habituais. Particularmente penosas, devido não só aos maus caminhos, como também à distância que separava aqueles locais da sede de freguesia, via-se amiúde obrigado a deslocar-se a pé ou a cavalo.

Perfeitamente integrado na vida da aldeia, sempre que os compromissos profissionais lho permitiam, reunia-se à noite no estabelecimento da firma “Sebastião Figueira & Sobrinhos”, onde se vendiam fazendas, farinhas, adubos e livros, entre outros produtos. Ali se encontrava para dois dedos de conversa à luz do petromax com algumas figuras típicas da terra: o mestre Zé Jacinto, maestro da Banda Filarmónica de São Martinho das Amoreiras, a quem ofereceu uma batuta de prata que havia recebido de herança; o padre José António Santiago, antigo prior da freguesia, entretanto excomungado por ter filhos e netos, mas a quem a população continuava a tratar como tal; o dono da farmácia, Eurico Martins Pargana, entre vários conhecidos ou amigos.

A horas tardias, eram muitos os que se dirigiam à loja para o chamar, a fim de atender doentes no consultório ou no domicílio. Alguns eram casos simples, fáceis de resolver, outros, desesperados e sem qualquer tipo de solução, como acontecia com a tuberculose, que na altura constituía um verdadeiro flagelo, atingindo sobretudo os mais carenciados. No entanto, a confiança que o seu nome inspirava, servia de paliativo ao desespero tanto dos doentes como das famílias. E ele lá ia, fosse curta ou longa a distância.

Leitor assíduo do “Século” e do “Diário do Alentejo”, foi das primeiras pessoas em São Martinho das Amoreiras a ter uma radiotelefonia, alimentada por aerodínamo, onde ouvia sobretudo os noticiários e muita música sinfónica. Durante a 2ª Guerra Mundial, instalou um altifalante na janela, de modo que as pessoas da terra pudessem acompanhar o desenrolar dos acontecimentos.

Por altura de certas epidemias, iam buscá-lo de monte para monte, o que o obrigava a pernoitar na casa dos doentes, passando, por vezes, semanas fora do seu domicílio. Numa das ocasiões, tendo o paciente falecido, alguns vizinhos que iam velar o corpo, enganavam-se na cama e, levantando o lençol para ver o defunto, deparavam com o médico, que deste modo passou a noite praticamente sem dormir.

A reconhecida competência científica fazia com que fosse chamado com frequência por colegas, alguns até de freguesias distantes, para integrar as chamadas conferências médicas, no decorrer das quais eram analisados casos clínicos difíceis.

Apesar de viver na província procurou sempre actualizar os conhecimentos, tendo conta corrente na Livraria Sá da Costa, ao Chiado, de onde recebia os mais recentes livros e revistas da sua área profissional. Nunca cortou, aliás, os laços com Lisboa, onde se deslocava algumas vezes para assistir a reuniões científicas, na altura pouco frequentes, e para visitar familiares. Aproveitava também essas alturas para comprar literatura e actualizar o guarda-roupa, sempre esmerado.

Cultivando o bom relacionamento em geral com as pessoas, nunca tolerou despotismos. Alguns recordam ainda que se terá incompatibilizado com um indivíduo, autoritário e arrogante, que ofendeu o seu amigo e compadre Martins Pargana. Quando, mais tarde, aquele veio a precisar dos seus serviços, manifestou receio de ser mal atendido. Ao sabê-lo, comentou ironicamente ao chegar à casa do doente: Entra o médico. O homem fica á porta! Consta que o atendeu do mesmo modo como tratava os restantes pacientes.

Apesar de ser clínico geral, a obstetrícia constituía um campo que lhe interessava especialmente, sendo acompanhado, nesta área, por senhoras da terra, na sua maioria mães de vários filhos, cuja experiência lhe era bastante útil, e que, embora sem formação técnica, funcionavam quase como enfermeiras parteiras. Foram muitos os que ajudou a nascer, tendo feito o último parto já em precárias condições de saúde.

Não obstante o elevado volume de trabalho, a clínica privada nunca lhe deu grandes rendimentos, porque se a uns não tinha coragem de cobrar devido à miséria em que viviam, outros, aproveitando-se do seu desapego, não lhe pagavam apesar de o poderem fazer. Mesmo assim, até os mais carenciados não deixavam de lhe agradecer, oferecendo-lhe ovos, galinhas, hortaliças, fruta e outros produtos provenientes de uma economia doméstica, que muitas vezes mal lhes garantia a subsistência.

Profundamente humano, sentia e sofria os problemas alheios, defendendo com frequência, numa crítica clara ao regime de então, que a assistência médica deveria ser gratuita para todos os necessitados. E a pobreza era mesmo muita nessa altura, tanto no Alentejo como no resto do país.

Após quase trinta e cinco anos dedicados à profissão, faleceu no dia 7 de Março de 1949, tendo tido o maior funeral de que há notícia até àquela data em São Martinho das Amoreiras. Não deixou bens, muito pelo contrário, a família ficou na miséria. O montante que lhe deviam era considerável, tal como os filhos constataram através de duas agendas encontradas no seu espólio, nada tendo sido pago após a sua morte. Na sequência do 25 de Abril, atiraram-lhe os ossos para uma vala comum, embora na altura do falecimento a Junta de Freguesia de então tivesse doado verbalmente (!) a campa à viúva.

Mesmo assim, não poderia ter deixado maior legado: permanecer na memória dos que o conheceram como alguém cujo sentido do dever e a humanidade prevaleceram sempre sobre o materialismo. Foi, de facto, uma curta vida dedicada de forma intensa e abnegada a uma longa arte: a arte da cura.

Margarida Almeida Bastos (Condensado do artigo “Uma curta vida para uma longa arte”, publicado no nº11 da revista ALDRABA)