sábado, 12 de março de 2022

10.ª Rota da Aldraba: "Pelo Bairro de S. Miguel e Alvalade" - 19 março, 15 horas












Na sequência do nosso envolvimento formal no evento "Uma experiência de resistência ao fascismo e à guerra colonial", que terá lugar em Marvão no próximo dia 27 de março de 2022, a associação Aldraba pretende acompanhar e apoiar outras realizações integradas no centenário do cidadão ilustre que foi o Nuno Teotónio Pereira.

A primeira dessas realizações, organizada pelo  Fórum Cidadania Lisboa, será uma visita guiada ao Bairro de S. Miguel e Alvalade, no próximo sábado, dia 19 de março, às 15 horas, conduzida pelo arquiteto João Pedro Costa. O ponto de encontro é a escola primária do Bairro de S. Miguel, na R. António Ferreira. Não é necessária inscrição, é só aparecer!

No âmbito do "Memórias Inacabadas” (livro publicado em 2013), o Nuno Teotónio Pereira dedicou uma parte à sua experiência na construção do bairro:

"Em 1944, um amigo de meu Pai encomendou-me um projecto para um conjunto de habitação social, ainda sem local fixado, para a Caixa de Abono de Família dos Empregados de Escritório do Distrito de Lisboa. Já fascinado pelas leituras de Le Corbusier, com as suas propostas para a “unidade de habitação”, resolvi projectar um grande conjunto, não na vertical, mas na horizontal – o que me parecia mais adequado para o nosso país. Foi assim que estudei um enorme complexo, ocupando um grande quarteirão, onde se previam todas as funções e situações. Para além de grandes blocos multifamiliares de 4 pisos, todo um conjunto de equipamentos ligados ao abastecimento, ao ensino, à saúde, ao recreio, etc. – e ainda residências para trabalhadores solteiros. Uma verdadeira “unidade auto-suficiente de habitação e serviços”.

O caso não teve seguimento, mas ainda conservo esse estudo, que demonstra um grande cuidado na procura das melhores soluções funcionais para a habitação e um sentido de complementaridade entre a casa e os equipamentos que lhe são inerentes para a sua plena fruição – conceito tantas vezes ignorado nos empreendimentos da habitação social.

Em 1946, por intermédio do eng.º Jovito Tainha, irmão de Manuel Tainha e funcionário da CML, eu e o Costa Martins – ainda antes de terminado o curso! – fomos contratados para trabalhar no bairro de Alvalade como adjuntos do arquitecto Miguel Jacobetty, autor dos projectos dos primeiros conjuntos de Casas de Renda Económica aí em construção. Foi assim que tivemos oportunidade de assistir ao rasgamento da avenida de Roma e de todos os arruamentos do bairro e de acompanhar a construção dos edifícios, com a aplicação de processos inovadores trazidos da reconstrução das cidades inglesas pelo eng.º Guimarães Lobato, então director de Serviço na CML, e aplicados sob a direcção do competente empreiteiro que foi António Veiga.

Foi muito enriquecedora a experiência de Alvalade. Desde logo, por se tratar de um plano que ficou na História do Urbanismo em Portugal, da autoria de Faria da Costa, lançado sem peias sobre vastos terrenos que haviam sido expropriados ao preço da chuva por Duarte Pacheco. Dividido organicamente em células, delimitadas por vias de grande circulação, o plano criou a possibilidade de construir um dos melhores bairros de Lisboa, em que a tranquilidade no interior dessas células se conjuga com a centralidade das avenidas, dotadas de equipamentos de toda a espécie. Um dos aspectos interessantes da construção foi a adopção, para algumas células, de morfologias urbanas mais de acordo com os princípios da Carta de Atenas, que tanto nos empolgavam na época. 

Foi o caso, entre outros, do chamado Bairro das Estacas, de Rui Atouguia e Formosinho Sanches, com os seus blocos paralelos, não alinhados com os arruamentos. Apesar da sua excelência, o plano de Faria da Costa foi marcado por uma insuficiência curiosa. À época, dava-se grande importância ao chamado “zonamento”, para fixar a localização das diferentes actividades. Assim, foi definida uma grande “zona comercial”, abarcando a avenida da Igreja e ruas circundantes com centenas de lojas nos pisos térreos de todos os prédios. Mas não havia a noção da importância dos “eixos”. Daí que a avenida de Roma, que se tornou rapidamente uma das principais artérias comerciais de Lisboa, tivesse sido construída com habitações no r/chão dos edifícios – situação que se foi alterando gradualmente ao longo dos anos com o rasgamento de espaços para estabelecimentos comerciais.

Recordo que a fiscalização das obras estava instalada numa casa senhorial, a “Quinta da Brasileira”, no local onde depois foi construída a escola Eugénio dos Santos.

Foi também na construção de Alvalade, assessorando Miguel Jacobetty no acompanhamento técnico das obras, que testemunhámos a origem do nome do Bairro de S. Miguel. Acontecia que, não existindo ainda, à época, a expressão “Senhor arquitecto” (o tratamento equivalente só o mereciam os “Senhores engenheiros”), os construtores e encarregados tratavam Jacobetty por “Senhor Miguel” – expressão que, mais tarde, se transformou em “São Miguel”."

JAF

 

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