É uma lixeira a céu aberto, entrecortada por nomes de linhas ferroviárias e afluentes, sistemas orográficos, cidades tropicais que já há muito rejeitaram os nomes embaraçosos que lhes demos, peculiaridades ornitológicas, ditongos, trajos regionais e tragédias passadas com lobos.
Gosto de passear lá com outros sobreviventes, comparando ignorâncias e teimosias. Um dos setores mais acidentados é o das medidas que tentaram incutir-nos numa fútil tentativa de resistirmos ao sistema decimal.
Dessa lavagem cerebral só me restou uma surpresa: o quarteirão de sardinhas, que são vinte e cinco, já um quartilho são um quarto de 25, que dá meia dúzia mais uma sardinha a dividir por quatro.
Um almude de vinho são 30 litros (…). Meio almude, para os tête à tête mais confinados, são 15 litros. E um cântaro quantos decilitros tem? E um escrópulo? E um arrátel de milho-painço, quantas braças dá? Em querendo comprar uma canada de centeio, quantas arrobas sobram para pôr a mondar na eira brava?
Indo para a feira com duas pisgóias de tremoço seco e um xágara de água do poço, em querendo trocá-los por fangas de pevides, quantas posso pedir sem correr o risco de ser apedrejado?
Com uma toesa de salmoura e um salamim de bacalhau desfiado, quantas pulgadas galegas tenho de percorrer para assolhar os rebites de mordaça do boi?
Mentiria se dissesse que já soube as respostas a estas perguntas. Mas já soube.
Miguel Esteves
Cardoso
A memória de um tempo que nos menorizava, para lá da idade e da cultura, própria dos que habitavam cidades e campos. Como é possível que haja seres que defendem o regresso a esse passado? Tempo de trevas o nosso, de esquecimento e vã glória de uma época que nunca mais deveria ser reciclada, mesmo que disfarçada com maquilhagem pseudo qualquer coisa modernaça, o que configurará sempre mentira e abismo.
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