Pois quem inventou o livro inventou o silêncio da leitura; inventou essa forma íntima de temporalidade que torna o encontro com o livro indissociável do encontro connosco próprios; inventou a atenção e a curiosidade; inventou um regime social onde a atividade intelectual era admitida; inventou o direito universal à alfabetização; inventou o indivíduo e a vida privada; inventou a confiança na consistência da linguagem e as bibliotecas; inventou os sistemas críticos e hermenêuticos que garantem não só a legibilidade dos livros, mas a compreensão do mundo; inventou o humanismo e a liberdade de expressão, que é sempre inseparável da liberdade de ser.
O livro acompanhou o nascimento e expansão das línguas modernas do Ocidente, e assistiu ao desenvolvimento das suas possibilidades expressivas.
Quem inventou o livro inventou uma certa forma de produzir história e também a figura de leitor que ainda somos.
Temo-nos de perguntar o que podemos fazer para valorizar este extraordinário património.
José Tolentino Mendonça, in "Expresso", 24/10/2020
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