sábado, 17 de outubro de 2020

Não destruam o nosso passado mouro!


 







Conforme assinalou o historiador Rui Tavares no "Público" de 28/9/2020, entre a entrada das primeiras tropas muçulmanas na Península Ibérica (ano 711) e a reconquista cristã do Algarve (1249) mediaram praticamente cinco séculos e meio.  "Momento único da história da civilização, quando centros de conhecimento como Córdova faziam ponte entre Oriente e Ocidente e preservavam boa parte da literatura legada pelos gregos antigos" traduzida para árabe e depois retraduzida para latim, comenta o mesmo R.Tavares. E prossegue esse autor: se em Portugal a riqueza da filosofia medieval e renascentista é principalmente judaica, "a poesia que os muçulmanos nos legaram é da mais bela que foi escrita e cantada neste território".

Apesar da importância que o referido período teve em Portugal, quase não há monumentos desse nosso passado (R.Tavares cita os poucos exemplos que restam no Castelo de Silves, no Palácio de Sintra, na Matriz de Mértola, e nuns arcos do Castelo de São Jorge).

É neste contexto que tanto chocou a recente notícia de que a Direção-Geral do Património Cultural se preparava para autorizar o desmantelamento de algumas importantes estruturas da Grande Mesquita de Lisboa (séc. XII) que foram descobertas em escavações arqueológicas em curso nos claustros da Sé de Lisboa. As intenções da DGPC foram denunciadas pelo Sindicato dos Trabalhadores de Arquitetura.

Duas arqueólogas da DGPC que trabalham nas escavações da Sé há mais de 20 anos, Alexandra Gaspar e Ana Gomes, manifestaram-se corajosamente contra tais propósitos, que assentavam em considerações sobre a "segurança estrutural da Sé", sem se cuidar de procurar soluções técnicas que contrariassem o problema.

Em paralelo, correu um documento público de protesto contra os intentos da DGPC, subscrito pelos mais destacados técnicos portugueses de arqueologia, em que se incluía o conceituado Santiago Macias, associado da Aldraba.

O diretor-geral da DGPC, Bernardo Alabaça, ainda veio pressurosamente anunciar a convocação, sobre esta matéria, da secção de património arquitetónico e arqueológico do Conselho Nacional de Cultura, para emitir um "parecer vinculativo". Mas a ministra da Cultura, em comunicado publicitado em 14/10/2020, veio pôr fim à controvérsia, anunciando que "face aos mais recentes achados arqueológicos, e tendo em conta o valor patrimonial das estruturas descobertas (...) decidiu, em diálogo com o Patriarcado de Lisboa, que os mesmos devem ser conservados, musealizados e integrados no projeto de recuperação e musealização da Sé Patriarcal de Lisboa".

Esta última decisão foi já aplaudida pelas vozes mais lúcidas do setor, a que a Aldraba se vem associar modestamente. E queremos sublinhar que vale sempre a pena resistir e combater as quotidianas iniciativas de atentado ao património, venham elas de onde vierem...

JAF



 

1 comentário:

  1. De registar os contributos de Cláudio Torres, Jacinta Bugalhão e Susana Goméz Martnéz, pela pertinência das suas opiniões avalizadas, e pelos saberes que atingiram na investigação de qualidade, aprofundada acerca do Portugal Islâmico. São nomes fundamentais no coro que se ergueu contra a perda que ia acontecer, como sucede no Alentejo das culturas intensivas, em que vários monumentos megalíticos foram arrasados para os novos latifundiários colocarem mais olivais e amendoais, sem qualquer respeito por animais, flora, pessoas e memória. Ainda bem que há quem resista e diga Não.

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