domingo, 29 de agosto de 2021

A propósito de esplanadas...









Reproduzimos hoje um texto muito expressivo do nosso associado Paulo Lima:

George Steiner usa uma imagem para definir a Europa: as esplanadas.

Até 1974, no Sul, poucas esplanadas havia. Eu cresci sem esplanadas. Na minha vila existia, salvo erro, uma. Era na bomba da gasolina. Era lá que o meu tio me levava aos domingos.

Não existe, que eu conheça (e, por favor, corrijam-me) uma história geral da Região Histórica do Alentejo, logo uma história dos movimentos culturais de finais do séc. XIX aos dias de hoje. Não havendo, temos de fazer um esforço entre a leitura, a memória e a observação.

Por volta de 1900, grosso modo, surgem em Elvas e em Serpa, grupos que se preocupam com a sua identidade. Valorizam as ‘coisas’ populares e, fundando ou participando em revistas e jornais, escrevendo livros, valorizam a sua terra. Mas procuram criar pontes com outros centros: Lisboa, Paris, Madrid…

Em Évora, as preocupações em torno da História da Arte levam, por volta de 1920, à fundação do grupo Pró-Évora. E quando comparamos as actuações das elites intelectuais de Évora e de Beja, um pouco mais tarde, estas vão dar primazia a interesses muito diferentes: em Évora, a arquitetura e a arte, em Beja, as questões da cultura popular e a arqueologia. Embora, claro, uma e outra são em parte porosas. Importa não esquecer que em finais de 1920 quer-se fundar em Évora um museu etnográfico e Beja valoriza muito do seu património artístico, inclusive com interessantes exposições. Hoje, quando falamos nos últimos anos do Estado Novo, Abel Viana em Beja e Túlio Espanha em Évora são figuras marcantes. Importaria, um dia, pensar nelas como carácter marcante nas actuações do presente.

Mas outras figuras, mais ou menos esquecidas, mas não menos importantes, viveram e actuaram. Mas as generalidades e o pouco interesse destes posts fariam a coisa extensa.

Com 1974, tudo se mudou. O Alentejo tornou-se, durante duas décadas um ponto de referência na actuação cultural. Seria simplista dizer que foi o recuo do PCP que levou ao recuo de um investimento sério na Cultura. Isso seria esquecer, ou colocar na sombra, projectos muito interessantes como era o caso, de há uns anos, do Monsaraz Museu Aberto. 

De facto, a partir da entrada de Portugal na União Europeia, a grande crise no Sul causada pelo fim da Reforma Agrária na década de 1990, o aumento de jovens a frequentar a universidade, assim como o acesso às novas tecnologias, o recuo demográfico, conduziram a um desencontro entre estratégia, criação e acesso. E temos que cruzar aqui, de forma simplista, as elites políticas e as equipas municipais, onde é visível a dificuldade em criar estratégias culturais que fujam das linhas de financiamento oferecidas pela região ou pelo País. Aliás, tornou-se a forma mais simples de resolver dois problemas: colmatar a insuficiência municipal e dar trabalho aos artistas, uma vida precária…

Infelizmente, não temos estudos bem fundamentados, e suportados pelo terreno, apoiados em inquéritos (importaria ter um observatório para a região, em articulação com outros…), que nos traçassem a história, as estratégias e o que acontece, de forma monitorizada, na construção cultural do Alentejo.

Não falo daqueles relatórios que cruzam investimento com espectáculos e equipamentos e que nos dão valores.

Falo de coisas tão simples como, por exemplo: que dinheiro investe a região no Cante Alentejano e quais são os resultados… investimento directo e indirecto. Qual o impacto? E é Cultura o que estamos a fazer com o Património Cultural Imaterial (PCI)? 

Hoje temos muitas esplanadas. Mostra que estamos plenamente na Europa. Mas estas esplanadas em muito locais são caóticas. Não percebemos como se organizam. Mesas, cadeiras e toldos com a forte presença das grandes marcas de consumo. Sem elas, como ofertantes, não teríamos muitas das esplanadas.

Estas esplanadas são em muito feitas para receber o turista, hoje preocupação pensante em todas as estratégias das autarquias. Basta ver como se dividem, genericamente, os pelouros e quem fica com eles.

Os preços praticados em muitos sítios afastam os locais. Remetem-nos para as esplanadas periféricas.

E, de marginalizados, emigramos.

Importaria saber quantos órgãos do Poder Local sabem quem são os seus criadores locais e/ou os filhos e netos daqueles que saíram e que estratégias criaram para construir pontes com eles. E isto sem a obsessão de os fixar.

Há alguns dias cruzei-me com o Vítor Proença, presidente da Câmara de Alcácer do Sal. Dizia-me que uma jovem formada numa das filarmónicas do concelho acompanhava a Madona. A sua preocupação não era fixá-la. Era como a câmara a poderia ajudar a ser feliz no Mundo. E servir de exemplo a outros jovens. E o Mundo é tão vasto! Foi um feliz encontro. Quando sai dos Paços do Concelho fui ter com o meu amigo ‘Tona’, que explora o quiosque dos jornais. Falámos sobre bolos conventuais.

E bebemos umas cervejas numa das esplanadas em frente ao rio.

Paulo Lima, 29/8/2021


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