Reproduzimos hoje um texto muito expressivo do nosso associado Paulo Lima:
George Steiner usa uma imagem para
definir a Europa: as esplanadas.
Até 1974, no Sul, poucas esplanadas
havia. Eu cresci sem esplanadas. Na minha vila existia, salvo erro, uma. Era na
bomba da gasolina. Era lá que o meu tio me levava aos domingos.
Não existe, que eu conheça (e, por
favor, corrijam-me) uma história geral da Região Histórica do Alentejo, logo
uma história dos movimentos culturais de finais do séc. XIX aos dias de hoje.
Não havendo, temos de fazer um esforço entre a leitura, a memória e a
observação.
Por volta de 1900, grosso modo, surgem
em Elvas e em Serpa, grupos que se preocupam com a sua identidade. Valorizam as
‘coisas’ populares e, fundando ou participando em revistas e jornais,
escrevendo livros, valorizam a sua terra. Mas procuram criar pontes com outros
centros: Lisboa, Paris, Madrid…
Em Évora, as preocupações em torno da
História da Arte levam, por volta de 1920, à fundação do grupo Pró-Évora. E
quando comparamos as actuações das elites intelectuais de Évora e de Beja, um pouco
mais tarde, estas vão dar primazia a interesses muito diferentes: em Évora, a
arquitetura e a arte, em Beja, as questões da cultura popular e a arqueologia.
Embora, claro, uma e outra são em parte porosas. Importa não esquecer que em
finais de 1920 quer-se fundar em Évora um museu etnográfico e Beja valoriza
muito do seu património artístico, inclusive com interessantes exposições.
Hoje, quando falamos nos últimos anos do Estado Novo, Abel Viana em Beja e
Túlio Espanha em Évora são figuras marcantes. Importaria, um dia, pensar nelas
como carácter marcante nas actuações do presente.
Mas outras figuras, mais ou menos
esquecidas, mas não menos importantes, viveram e actuaram. Mas as generalidades
e o pouco interesse destes posts fariam a coisa extensa.
Com 1974, tudo se mudou. O Alentejo
tornou-se, durante duas décadas um ponto de referência na actuação cultural.
Seria simplista dizer que foi o recuo do PCP que levou ao recuo de um
investimento sério na Cultura. Isso seria esquecer, ou colocar na sombra,
projectos muito interessantes como era o caso, de há uns anos, do Monsaraz
Museu Aberto.
De facto, a partir da entrada de
Portugal na União Europeia, a grande crise no Sul causada pelo fim da Reforma
Agrária na década de 1990, o aumento de jovens a frequentar a universidade,
assim como o acesso às novas tecnologias, o recuo demográfico, conduziram a um
desencontro entre estratégia, criação e acesso. E temos que cruzar aqui, de
forma simplista, as elites políticas e as equipas municipais, onde é visível a
dificuldade em criar estratégias culturais que fujam das linhas de
financiamento oferecidas pela região ou pelo País. Aliás, tornou-se a forma
mais simples de resolver dois problemas: colmatar a insuficiência municipal e
dar trabalho aos artistas, uma vida precária…
Infelizmente, não temos estudos bem
fundamentados, e suportados pelo terreno, apoiados em inquéritos (importaria
ter um observatório para a região, em articulação com outros…), que nos
traçassem a história, as estratégias e o que acontece, de forma monitorizada,
na construção cultural do Alentejo.
Não falo daqueles relatórios que cruzam
investimento com espectáculos e equipamentos e que nos dão valores.
Falo de coisas tão simples como, por
exemplo: que dinheiro investe a região no Cante Alentejano e quais são os
resultados… investimento directo e indirecto. Qual o impacto? E é Cultura o que
estamos a fazer com o Património Cultural Imaterial (PCI)?
Hoje temos muitas esplanadas. Mostra que
estamos plenamente na Europa. Mas estas esplanadas em muito locais são
caóticas. Não percebemos como se organizam. Mesas, cadeiras e toldos com a
forte presença das grandes marcas de consumo. Sem elas, como ofertantes, não
teríamos muitas das esplanadas.
Estas esplanadas são em muito feitas
para receber o turista, hoje preocupação pensante em todas as estratégias das
autarquias. Basta ver como se dividem, genericamente, os pelouros e quem fica
com eles.
Os preços praticados em muitos sítios
afastam os locais. Remetem-nos para as esplanadas periféricas.
E, de marginalizados, emigramos.
Importaria saber quantos órgãos do Poder
Local sabem quem são os seus criadores locais e/ou os filhos e netos daqueles
que saíram e que estratégias criaram para construir pontes com eles. E isto sem
a obsessão de os fixar.
Há alguns dias cruzei-me com o Vítor
Proença, presidente da Câmara de Alcácer do Sal. Dizia-me que uma jovem formada
numa das filarmónicas do concelho acompanhava a Madona. A sua preocupação não
era fixá-la. Era como a câmara a poderia ajudar a ser feliz no Mundo. E servir
de exemplo a outros jovens. E o Mundo é tão vasto! Foi um feliz encontro.
Quando sai dos Paços do Concelho fui ter com o meu amigo ‘Tona’, que explora o
quiosque dos jornais. Falámos sobre bolos conventuais.
E bebemos umas cervejas numa das esplanadas em frente
ao rio.
Paulo Lima, 29/8/2021
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