sexta-feira, 19 de março de 2021

Raphael Bordallo Pinheiro (1846 —1905)















Fará 175 anos em 21 de Março que Raphael Augusto Prostes Bordallo Pinheiro nasceu em Lisboa.

O seu nome está intimamente ligado à caricatura portuguesa, à qual deu um grande impulso, imprimindo-lhe um estilo próprio que a levou a uma qualidade nunca antes atingida. É o autor da representação popular do Zé Povinho, que se veio a tornar num símbolo do povo português.

Irmão do pintor Columbano, Bordallo Pinheiro foi um artista português, de obra vasta dispersa por largas dezenas de livros e publicações, precursor do cartaz artístico em Portugal, desenhador, aguarelista, ilustrador, decorador, caricaturista político e social, jornalista, ceramista e professor.

Vivendo numa época caracterizada pela crise económica e política, Raphael enquanto homem de imprensa soube manter uma indiscutível independência face aos poderes instituídos, nunca calando a voz, pautando-se sempre pela isenção de pensamento e praticando o livre exercício de opinião. Esta atitude granjeou um apoio público tal que, não obstante as tentativas, a censura nunca logrou silenciá-lo.

Essa independência e o enfrentar dos poderes instituídos originaram-lhe alguns problemas como por exemplo o retirar do financiamento d'O António Maria como represália pela crítica ao partido do seu financiador. Também no Brasil, onde viveu três anos, arranjou problemas, onde chegou mesmo a receber um cheque em branco para se calar com a história de um ministro conservador metido com contrabandistas. Quando percebe que a sua vida começa a correr perigo, volta a Portugal, não sem antes deixar uma mensagem.

O DESENHADOR – Bordalo Pinheiro, que começou a fazer caricatura por brincadeira, deixou um legado iconográfico verdadeiramente notável,tendo produzido dezenas de litografias e composto inúmeros desenhos para almanaques, anúncios e revistas nacionais e estrangeiras como El Mundo Comico (1873-74), Ilustrated London News, Ilustracion Española y Americana (1873), L'Univers Illustré e El Bazar.

Dotado de um grande sentido de humor mas também de uma crítica social bastante apurada e sempre em cima do acontecimento, caricaturou todas as personalidades de relevo da política, da Igreja e da cultura da sociedade portuguesa. Apesar da crítica demolidora de muitos dos seus desenhos, as suas características pessoais e artísticas cedo conquistaram a admiração e o respeito público que tiveram expressão notória num grande jantar em sua homenagem realizado na sala do Teatro Nacional D. Maria II, em 6 de Junho de 1903 que, de forma inédita, congregou à mesma mesa praticamente todas as figuras que o artista tinha caricaturado.

São notáveis as suas caricaturas da queda da monarquia.

O CERAMISTA – Encarregado de chefiar o setor artístico da Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha (1884), aí encetou um grande processo de renovação da cerâmica caldense. Dedicou-se à produção de peças de cerâmica que, nas suas mãos, rapidamente, adquiriram um cunho original. Jarras, vasos, bilhas, jarrões, pratos e outras peças demonstram um labor tão frenético e criativo quanto barroco e decorativista, características, aliás, também presentes nos seus trabalhos gráficos.

Não se restringiu à fabricação de loiça ornamental. Além de ter desenhado uma baixela de prata da qual se destaca um originalíssimo faqueiro que executou para o 3º visconde de S. João da Pesqueira, satisfez dezenas de pequenas e grandes encomendas para a decoração de palacetes: azulejos, painéis, frisos, placas decorativas, floreiras, fontes-lavatório, centros de mesa, bustos, molduras, caixas, e também broches, alfinetes, perfumadores, etc.

A par das esculturas que modelou para as capelas do Buçaco representando cinquenta e duas figuras da Via Sacra, Bordalo apostou sobretudo nas que lhe eram mais gratas: o Zé Povinho (que será representado em inúmeras atitudes), a Maria Paciência, a mamuda ama das Caldas, o polícia, o padre tomando rapé e o sacristão de incensório nas mãos, a par de muitos outros.

Embora financeiramente, a fábrica se ter revelado um fracasso, a genialidade deste trabalho notável teve expressão nos prémios conquistados: uma medalha de ouro na Exposição Colombiana de Madrid em 1892, em Antuérpia (1894), novamente em Madrid (1895), em Paris (1900), e nos Estados Unidos, em St. Louis (1904).

O JORNALISTA - Destacou-se também como um homem de imprensa, tendo sido durante cerca de 35 anos (de 1870 a 1905) a alma de todos os periódicos que dirigiu quer em Portugal, quer nos três anos que trabalhou em terras brasileiras.

Em 1870 lançou três publicações: "O Calcanhar de Aquiles", "A Berlinda" e “O Binóculo”, este último, um semanário de caricaturas sobre espectáculos e literatura, talvez o primeiro jornal, em Portugal, a ser vendido dentro dos teatros; seguiu-se o "M J ou a História Tétrica de uma Empresa Lírica" em 1873 e, logo a seguir em 1875, a "A Lanterna Mágica".

Seduzido pelo Brasil, também aí (de 1875 a 1879) animou "O Mosquito", o "Psit!!!" (1877) e "O Besouro".

O “António Maria” nas suas duas séries (1879-1885 e 1891-1898), abarcando quinze anos de actividade jornalística, constitui a sua publicação de referência. Ainda fruto do seu intenso labor, “Pontos nos ii” são editados entre 1885-1891 e A Paródia, o seu último jornal, surge em 1900. Também dirigiu o “Jornal da Infância” (1883) e teve colaboração no semanário “Jornal do domingo” (1881-1888).

A seu lado, nos periódicos, estiveram Guilherme de Azevedo, Guerra Junqueiro, Ramalho Ortigão, João Chagas, Marcelino Mesquita e muitos outros, com contributos de acentuada qualidade literária. Daí que estas publicações constituam um espaço harmonioso em que o material textual e o material icónico se cruzam de uma forma magistral.

O HOMEMD DE TEATRO – Com 14 anos apenas, integrado num grupo de amadores, pisou como actor o palco do teatro Garrett, inscrevendo-se depois na Escola de Arte Dramática que, devido à pressão da parte do pai, acabou por abandonar como viria a abandonar a carreira de actor. No entanto, estabeleceria uma relação com o teatro que nunca mais deixou.

Tendo esporadicamente desenhado figurinos e trabalhado em cenários, Raphael Bordallo-Pinheiro foi sobretudo um amante do teatro. Era espectador habitual das peças levadas à cena na capital, frequentava assiduamente os camarins dos artistas, participava nas tertúlias constituídas por críticos, dramaturgos e actores, e transpunha, semana a semana, o que via e sentia, para os jornais que dirigia. O material iconográfico legado por Raphael Bordallo-Pinheiro adquire, neste contexto, uma importância extrema porque permite perceber muito do que foi o teatro, em Portugal, nessas décadas.

Em centenas de caricaturas, Raphael Bordallo-Pinheiro faz aparecer o espectáculo, do ponto de vista da produção: desenha cenários, revela figurinos, exibe as personagens em acção, comenta prestações e critica 'gaffes'. A par disso, pelo seu lápis passam também as mais variadas reacções do público: as palmas aos sucessos, muitos deles obra de artistas estrangeiros, já que Lisboa fazia parte do circuito internacional das companhias; as pateadas estrondosas quando o público se sentia defraudado; os ecos dos bastidores; as anedotas que circulavam; as bisbilhotices dos camarotes enfim, todo um conjunto de aspectos que têm a ver com a recepção do espectáculo e que ajudam a compreender o que era o teatro e qual o seu papel na Lisboa oitocentista.

O Museu Raphael Bordallo Pinheiro, em Lisboa, e o Museu de Cerâmica das Caldas da Rainha reúnem parte significativa da sua obra e esperam por vós para uma visita que não vos decepcionará.

 

MEG (Adaptação de textos da internet)

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