sábado, 11 de agosto de 2018

"Guardar de Conrado o prudente silêncio"



















Entre muitas outras iniciativas ligadas à realidade do nosso  património, a Aldraba tem~se dedicado a descodificar expressões, frases e ditos que entraram nos usos populares, e cuja origem interessa conhecer. 

O povo apropria-se das manifestações culturais dos estratos sociais mais favorecidos, adapta-os e faz deles ferramentas de comunicação populares, com toda a legitimidade.

A nós, que há 13 anos nos decidimos entrar neste combate, cabe-nos colaborar, discreta mas persistentemente, num processo estimulante e interminável.

A frase que dá título ao post de hoje tem um grande sabor erudito, mas temos que esclarecer de onde provém.

Segundo Maria Regina Rocha (Ciberdúvidas,  expressão deve ser uma variante da célebre frase «J´imite de Conrart le silence prudent», escrita por Boileau, referindo-se a Valentin Conrart.
Valentin Conrart foi um escritor francês de pouca nomeada, que nasceu e morreu em Paris (1603-1675). 
O pai quis destiná-lo ao comércio, mas, tendo aquele falecido cedo, o jovem Conrart, rico e ambicioso, dedicou-se exclusivamente às letras, reunindo em sua casa excelentes escritores, que vieram a constituir a Academia Francesa (1634), da qual Conrart foi secretário. 
Foi também conselheiro e secretário particular do rei. Era um homem muito culto que escreveu muito, mas poucas obras publicou, dedicando-se, sim, à publicação de obras de outros escritores.
Foi vítima do sarcasmo de alguns escritores, entre os quais Boileau. Tornou-se célebre a sátira de Boileau dirigida a Conrart, que começa: «J´imite de Conrart le silence prudent.» Referia-se Boileau à decisão de Conrart de não falar de determinado assunto, ou por o desconhecer ou por não lhe convir referir-se a ele.

Em 20.5.2006, Miguel Sousa Tavares fez, no "Público", o elogio do silêncio de Sócrates. Era decerto um elogio justo quando se refere à capacidade demonstrada pelo novo primeiro-ministro para gerir o silêncio e demarcar-se da loquacidade errática do seu antecessor Santana Lopes. 
Pode guardar-se "de Conrado o prudente silêncio", mas também constatar, como no Hamlet, que "o resto é silêncio". Em política só se deve falar quando se tem uma coisa importante para dizer. Mas quando não se dizem as coisas importantes a tempo e horas, ou apenas depois de toda a gente ter percebido o que já devia ter sido dito e não o foi, o silêncio revela-se um mero estratagema para adiar a verdade. 
A comparação do silêncio de uns com o papaguear caótico de outros não chega, por si mesma, para tornar esse silêncio virtuoso. Os pecados de uns não são penhor da santidade dos outros. E a cacofonia comprova que silêncios há muitos e nem todos são propriamente de ouro.
Mais tarde, em 1.9.2008, o "Comendador Marques de Correia" (heterónimo de Henrique Monteiro), dirige-se ao diretor do "Expresso" nos seguintes termos:

"Escrevo-te esta carta para veres se acertas um editorial. O que os comentadores dizem sobre política é totalmente absurdo, porque ninguém - nem o José Pacheco Pereira, esse preclaro tradutor das pitonisas modernas - percebeu o que se passa. Ao contrário de todos eles, eu entendi perfeitamente e não só tenho uma leitura sobre o assunto, como vários conselhos a distribuir pelos intervenientes do processo político.
A conclusão é simples. Basta pensar no que diz o povo sobre os políticos - que falam muito e não fazem nada!
Foi quando José Sócrates descobriu que Manuela Ferreira Leite não descia nas sondagens que decidiu adoptar o mesmo método que a líder do PSD: não falar. Por isso esteve caladinho durante toda a história da insegurança.
Pois Manuela Ferreira Leite foi a primeira, a precursora de um estilo que responde por inteiro às preocupações populares e sem perder a face. Como os outros políticos, também ela não faz nada, mas ao contrário dos outros, também não diz nada.
Deste modo simples, se soluciona a contradição. De facto, não faz sentido alguém apontar para Manuela Ferreira Leite e dizer: "Olha, lá vai aquela! É mesmo política - não fala nada e depois não faz nada!"
Claro que Sócrates, intuitivo como é - não nos esqueçamos que foi ele a postular "Só sei que nada sei" -, apanhou muito bem a ideia. E assim decidiu dizer o menos possível.
O povo clama por insegurança, o ministro Rui Pereira sua as estopinhas face a uma Judite de Sousa inquiridora, e ele - ao contrário precisamente do que acusam os políticos - guarda de Conrado o prudente silêncio (não sei por que raio Conrado passa a vida a entregar o seu prudente silêncio à guarda dos outros, mas também não vou investigar esse pormenor neste momento).
Assim, guardando Manuela e guardando José Sócrates, o prudente silêncio vai-se paulatinamente instalando na política portuguesa. O meu objectivo para o ano 2009 seria alargá-lo até ao futebol. Aí, sim, seria um grande alívio.
Mas, para já, tratemos da política. O que devem agora fazer os dois mais importantes líderes? Estar calados. O epítome desta política inteiramente nova é um debate em que ambos se olhem fixamente - tipo jogo do "sério" - e que perca, não o primeiro a esboçar um sorriso, mas o primeiro a dizer uma palavra, a emitir um som. Nem que seja o som de um bocejo.
Nesse dia, chegaremos à elevação máxima do debate. Àquele que, no dizer dos filósofos, é indizível, razão pela qual nada mais há senão o silêncio. O absoluto silêncio.
Não sei se, depois disto, ainda haverá pessoas como o prof. Marcelo - que nada mais vêem do que o imediato - a preocupar-se com o silêncio dos líderes.
Na verdade, é aí que está o futuro. Porque, de qualquer maneira, por mais que falem, já quase ninguém os ouve.
Vê lá, caro Director, se depois disso fazem por aí análises políticas mais decentes".

JAF

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