Entre muitas outras iniciativas ligadas à realidade do nosso património, a Aldraba tem~se dedicado a descodificar expressões, frases e ditos que entraram nos usos populares, e cuja origem interessa conhecer.
O povo apropria-se das manifestações culturais dos estratos sociais mais favorecidos, adapta-os e faz deles ferramentas de comunicação populares, com toda a legitimidade.
A nós, que há 13 anos nos decidimos entrar neste combate, cabe-nos colaborar, discreta mas persistentemente, num processo estimulante e interminável.
A frase que dá título ao post de hoje tem um grande sabor erudito, mas temos que esclarecer de onde provém.
Segundo Maria Regina Rocha (Ciberdúvidas, 3.4.2002), a expressão deve ser uma variante da célebre frase «J´imite de Conrart le
silence prudent», escrita por Boileau, referindo-se a Valentin Conrart.
Valentin Conrart foi
um escritor francês de pouca nomeada, que nasceu e morreu em Paris (1603-1675).
O pai quis destiná-lo ao comércio, mas, tendo aquele falecido cedo, o jovem
Conrart, rico e ambicioso, dedicou-se exclusivamente às letras, reunindo em sua
casa excelentes escritores, que vieram a constituir a Academia Francesa (1634),
da qual Conrart foi secretário.
Foi também conselheiro e secretário particular
do rei. Era um homem muito culto que escreveu muito, mas poucas obras publicou, dedicando-se, sim, à publicação de obras
de outros escritores.
Foi vítima do sarcasmo
de alguns escritores, entre os quais Boileau. Tornou-se célebre a sátira de
Boileau dirigida a Conrart, que começa: «J´imite de Conrart le silence
prudent.» Referia-se Boileau à decisão de Conrart de não falar de determinado
assunto, ou por o desconhecer ou por não lhe convir referir-se a ele.
Em 20.5.2006, Miguel Sousa Tavares
fez, no "Público", o elogio do silêncio de Sócrates. Era decerto um
elogio justo quando se refere à capacidade demonstrada pelo novo
primeiro-ministro para gerir o silêncio e demarcar-se da loquacidade errática
do seu antecessor Santana Lopes.
Pode guardar-se "de Conrado o prudente
silêncio", mas também constatar, como no Hamlet, que "o resto é
silêncio". Em política só se deve falar quando se tem uma coisa importante
para dizer. Mas quando não se dizem as coisas importantes a tempo e horas, ou apenas
depois de toda a gente ter percebido o que já devia ter sido dito e não o foi,
o silêncio revela-se um mero estratagema para adiar a verdade.
A comparação do silêncio de uns com o papaguear
caótico de outros não chega, por si mesma, para tornar esse silêncio
virtuoso. Os pecados de uns não são penhor da santidade dos outros. E a
cacofonia comprova que silêncios há muitos e nem todos são propriamente de
ouro.
Mais tarde, em 1.9.2008, o "Comendador Marques de Correia" (heterónimo de Henrique Monteiro), dirige-se ao diretor do "Expresso" nos seguintes termos:
"Escrevo-te esta carta
para veres se acertas um editorial. O que os comentadores dizem sobre política
é totalmente absurdo, porque ninguém - nem o José Pacheco Pereira, esse
preclaro tradutor das pitonisas modernas - percebeu o que se passa. Ao
contrário de todos eles, eu entendi perfeitamente e não só tenho uma leitura
sobre o assunto, como vários conselhos a distribuir pelos intervenientes do
processo político.
A conclusão é simples. Basta pensar no que diz o povo sobre os
políticos - que falam muito e não fazem nada!
Foi quando José Sócrates descobriu que Manuela Ferreira Leite não
descia nas sondagens que decidiu adoptar o mesmo método que a líder do PSD: não
falar. Por isso esteve caladinho durante toda a história da insegurança.
Pois Manuela Ferreira Leite foi a primeira, a precursora de um
estilo que responde por inteiro às preocupações populares e sem perder a face.
Como os outros políticos, também ela não faz nada, mas ao contrário dos outros,
também não diz nada.
Deste modo simples, se soluciona a contradição. De facto, não faz
sentido alguém apontar para Manuela Ferreira Leite e dizer: "Olha, lá vai
aquela! É mesmo política - não fala nada e depois não faz nada!"
Claro que Sócrates, intuitivo como é - não nos esqueçamos que foi
ele a postular "Só sei que nada sei" -, apanhou muito bem a ideia. E
assim decidiu dizer o menos possível.
O povo clama por insegurança, o ministro Rui Pereira sua as
estopinhas face a uma Judite de Sousa inquiridora, e ele - ao contrário
precisamente do que acusam os políticos - guarda de Conrado o prudente silêncio
(não sei por que raio Conrado passa a vida a entregar o seu prudente silêncio à
guarda dos outros, mas também não vou investigar esse pormenor neste momento).
Assim, guardando Manuela e guardando José Sócrates, o prudente
silêncio vai-se paulatinamente instalando na política portuguesa. O meu
objectivo para o ano 2009 seria alargá-lo até ao futebol. Aí, sim, seria um
grande alívio.
Mas, para já, tratemos da política. O que devem agora fazer os
dois mais importantes líderes? Estar calados. O epítome desta política
inteiramente nova é um debate em que ambos se olhem fixamente - tipo jogo do
"sério" - e que perca, não o primeiro a esboçar um sorriso, mas o
primeiro a dizer uma palavra, a emitir um som. Nem que seja o som de um bocejo.
Nesse dia, chegaremos à elevação máxima do debate. Àquele que, no
dizer dos filósofos, é indizível, razão pela qual nada mais há senão o
silêncio. O absoluto silêncio.
Não sei se, depois disto, ainda haverá pessoas como o prof.
Marcelo - que nada mais vêem do que o imediato - a preocupar-se com o silêncio
dos líderes.
Na verdade, é aí que está o futuro. Porque, de qualquer maneira,
por mais que falem, já quase ninguém os ouve.
Vê lá, caro Director, se depois disso fazem por aí análises
políticas mais decentes".
JAF
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