domingo, 8 de agosto de 2010

Honremos António Dias Lourenço – património e memória viva do que foi a resistência do povo português à ditadura fascista





António Dias Lourenço deixou-nos hoje, com 95 anos de idade, numa velhice tranquila e lúcida que se seguiu a uma vida longa e corajosa de combate, não só pelos ideais políticos que professava mas também, interessa aqui sublinhar, pelo derrube do regime ditatorial que oprimiu o país durante 48 anos.

A associação ALDRABA, sem perder de vista a sua postura de colectividade cultural que cultiva as memórias populares portuguesas, não pode deixar de assinalar com respeito e emoção a figura e o exemplo deste homem.

E não esquecemos aquele sábado de Janeiro de 2006, em que vários membros e dirigentes da nossa associação participaram numa visita ao Forte de Peniche, promovida pelo grupo cultural Atrium, e que foi orientada de forma magistral pelo ex-preso Dias Lourenço. Neste mesmo blogue, dois posts registam esses momentos inolvidáveis (No Forte de Peniche, com António Dias Lourenço - Primeira Parte e No Forte de Peniche, com António Dias Lourenço - Segunda Parte )

Todos os que puderam integrar essa actividade retêm para sempre a forma modesta e simples com que Dias Lourenço descrevia, nos próprios locais onde centenas de portugueses sofreram torturas, privações e sevícias de toda a espécie, a coragem e a determinação que foram necessárias para sobreviver física e psiquicamente, para continuar a alimentar a esperança da liberdade e do derrube da ditadura.

António Dias Lourenço foi preso por duas vezes, em 1949 e 1962, tendo passado ao todo 17 anos nas cadeias do regime. Protagonizou uma das mais audaciosas fugas ao evadir-se da “solitária” do Forte de Peniche em 1954, numa bem sucedida aventura individual, arquitectada ao longo de semanas, que foi já brilhantemente tratada no cinema. Também esses factos o próprio nos descreveu com a maior singeleza, sublinhando sempre que tudo aquilo só valia para contribuir para o fim do sofrimento do nosso povo.

Operário mecânico, nasceu em Vila Franca de Xira, onde conviveu no início dos anos 1940’s com Soeiro Pereira Gomes e Alves Redol, tendo colaborado numa série de iniciativas que contribuíram para o desenvolvimento do movimento cultural neo-realista.

Foi funcionário clandestino do seu partido (o PCP) desde 1942, onde assumiu responsabilidades organizativas em todos os escalões, tendo sido depois do 25 de Abril director do jornal oficial e deputado à Assembleia da República. Escreveu textos como “Vila Franca de Xira: um concelho no país – contribuição para a história do desenvolvimento socio-económico e do movimento político-cultural”, “Alentejo: legenda e esperança”, e “Saudades... não têm conto! - Cartas da prisão para o meu filho Tónio”.

Voltando às nossas recordações do convívio com Dias Lourenço em 21/1/2006, seja permitido ao autor deste post uma memória pessoal curiosa, que resultou do privilégio de ter ficado ao lado dele no almoço que se seguiu à visita ao Forte:

Numa conversa informal, suscitada por perguntas diversas que os circundantes lhe dirigiam sobre a sua longa experiência, Dias Lourenço contou que fez parte de uma delegação de partidos comunistas da Europa Ocidental que visitou a República Popular da China (quando ainda não se tinha verificado a divergência entre a China e a União Soviética). Numa reunião de trabalho com Mao Tsé tung, quando os comunistas europeus lhe perguntaram o que fazer se o imperialismo americano, perante revoltas populares no ocidente, bombardeasse a Europa com armas nucleares, o grande líder não hesitou e respondeu-lhes (com gestos enérgicos de mãos, que Dias Lourenço imitava) – Não há problema, os povos europeus podem ser dizimados, mas o povo chinês é muito numeroso, virá até à Europa e volta a povoar o continente e dar continuidade à revolução…

Calafrio para os europeus presentes naquela reunião, de que Dias Lourenço nos deu conta com a maior candura. E que nos dá também a nós que pensar, numa reflexão mais alargada sobre utopias e tragédias que têm atravessado os nossos tempos.

JAF (fotos de LFM)

1 comentário:

  1. Comovido pela bela e sentida homenagem. Não podia deixar de transmitir o meu sentimento.
    Obrigado à Aldraba e particularmente a ti, pela evocação, pois como digo no meu blogue, a ele - e a muitos outros - devemos o sabor da Liberdade, que temos o privilégio de usufruir. Para nos reunirmos, para formarmos e desenvolvermos associações - sem clandestinidades nem sobressaltos, decorrentes de um policiamento das ideias,-para dizermos o que pensamos. Para agirmos em conformidade com os nossos ideais.
    Grande Abraço
    Luís

    ResponderEliminar