quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Está no prelo o n.º 32 da revista ALDRABA


 













O n.º 32, de outubro de 2022, da revista da nossa Associação, encontra-se na gráfica para edição, e espera-se que fique concluído muito em breve.

Aqui se divulga, em pré-publicação, o seu editorial:

TRADIÇÕES RE/INVENTADAS

No meio de uma nação decadente, mas rica de tradições, o mister de recordar o passado é uma espécie de magistratura moral, é uma espécie de sacerdócio. Exercitem-no os que podem e sabem; porque não o fazer é um crime.

Alexandre Herculano, in “O Bobo” (editado pela primeira vez em 1843).

Não há muito tempo, li um artigo on-line em que se afirmava que a missão dos criadores actuais “não é estragar a integridade da história, mas remetê-la para uma modernidade criativa”. Significa isto que os conceitos estéticos, as peças ou produtos dos novos criativos podem não primar pela completa originalidade, procurando antes a raiz do que é português, inspirando-se no que já existe, no que faz parte de um património colectivo – as nossas tradições.

Com efeito, os símbolos e tradições portuguesas que, há alguns anos, eram considerados ultrapassados têm vindo a adquirir uma nova aura – uma espécie de estilo retro-chique que passou a ser valorizado e apreciado por muitos. Recorde-se as lojas de produtos classificados como “vintage” – peças que se tornaram importantes e substancialmente encarecidas e que, não há muito tempo, eram perfeitamente dispensáveis. Atente-se no “novo” design do mobiliário de interiores que transporta os modelos das salas de estar dos anos 60 e 70, do século XX, para a actualidade. Veja-se o caso da loja “Vida Portuguesa” que alcançou grande sucesso. Os símbolos portugueses foram recriados - evidenciam-se as marcas do século passado. Não obstante as vibrantes embalagens parecerem acabadas de sair da gráfica - os produtos, as cores, o design são um apelo constante às nossas emoções e aos nossos lugares de memória.

Os processos de redescoberta e de reinvenção das tradições nada terão de negativo se não constituírem uma apropriação abusiva e pouco preocupada com a identificação da sua origem, da sua genuinidade e da sua matriz cultural.

Há tradições que se mantêm, que persistem no tempo sem alterações, outras que se renovam mantendo a matriz. As ligadas ao Carnaval, como os Caretos de Podence, que não revelam alterações de assinalar, a Procissão da Senhora da Saúde, que se realiza desde o século XVI, e que comporta pequenas e pouco relevantes alterações como a integração da Guarda Nacional Republicana, ou a incorporação de outras figuras como Santa Bárbara e Santo António, ou ainda os arraiais dos Santos Populares de Lisboa que têm vindo, ao longo do tempo, a integrar elementos diversos, como os tipos de bebidas consumidas - o vinho foi substituído por cerveja, caipirinhas ou mojitos, bem como o estilo de música - as tradicionais marchas foram substituídas pela designada música “pimba”.

Outras há que nem que nem sequer são tradições – são deturpações, jogadas de marketing, meras invenções com intuitos economicistas que são apresentadas e impingidas ao turismo como tradições verdadeiras e genuínas. O aberrante caso da loja da Rua Augusta, decorada com brasões de poliuretano a imitar bronze antigo e cartazes de mau gosto que anunciam a um preço indecente, como especialidade da nossa tradição gastronómica, o pastel de bacalhau com queijo da serra, é um exemplo. Maria de Lourdes Modesto, nome relevante da história da gastronomia portuguesa, classificou este produto como uma “obscenidade”.

Outro caso de abusivo aproveitamento da tradição conserveira é “O Mundo Fantástico da Sardinha Portuguesa” em pleno Rossio, cuja loja se assemelha a uma feira integrando um carrocel de imitação francesa e onde as varinas de Lisboa foram substituídas por majoretes.

As tradições fazem parte do nosso património colectivo – são forma de estar e sentir – são a nossa marca distintiva enquanto portugueses. Pena é que muitas vezes sejam, de forma arbitrária, transformadas, desrespeitadas e adulteradas.

Sejam genuínas ou inventadas, de acordo com os conceitos de Hobsbawm, Portugal é um país de grande riqueza no que respeita a tradições. Cabe a todos nós, enquanto povo, reconhecê-las, respeitá-las e defendê-las. No fundo, se estivermos atentos, todos podemos e sabemos fazer o exercício de recordar e valorizar o passado, como nos aconselha o grande historiador.

Webgrafia

https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/82675/2/117565.pdf

https://www.comumonline.com/2015/04/tradicoes-reinventadas/

https://visitar.lisboa.pt/tradicao/procissoes/nossa-senhora-da-saude

https://www.pasteldebacalhau.pt/

https://www.casalmisterio.com/ja-provamos-o-novo-pastel-de-bacalhau-280407

https://observador.pt/2015/06/15/obscenidade-maria-lourdes-modesto-nao-quer-pastel-bacalhau-metido-queijo-da-serra/


Ana Isabel Veiga

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