1. O objeto social da ALDRABA – Associação do Espaço e Património Popular
centra-se, estatutariamente, na “preservação
e na divulgação do património popular”,
entendendo-se como tal a “abordagem
integrada de objetos, práticas, factos e vivências, privilegiando a valorização
dos testemunhos humanos e recorrendo às adequadas disciplinas da especialidade”
(n.º 2 do art.º 2.º dos nossos Estatutos).
O conceito de quais são os “objetos” que interessam para o património popular não é pacífico,
pelo que viémos a defini-lo como “os instrumentos, objetos, artefactos e espaços
associados que, em Portugal, as comunidades, os grupos e os indivíduos
reconhecem como fazendo parte integrante do seu património”. Quanto ao
conceito das “práticas” relevantes
para o património popular, explicitámo-lo como sendo “as práticas, representações,
expressões, conhecimentos e aptidões que, em Portugal, as comunidades,
os grupos e os indivíduos reconhecem como fazendo parte integrante do seu
património”.
Temos, pois, um sentido muito amplo para o património
popular de que a ALDRABA se ocupa…
A natureza, o meio físico, os elementos biológicos e
minerais, fazem ou não parte do “nosso” património popular?
Claro que sim, e daí as múltiplas
abordagens que temos vindo a fazer acerca da realidade natural do nosso país, de
que destacamos, designadamente, o que escrevemos no n.º 22 da revista, em outubro
de 2017, sobre a tragédia do património florestal português. E, antes disso, o
que escrevemos em junho de 2007, no n.º 3, sobre o bacalhau, em dezembro de
2007, no n.º 4, sobre o mar como património, em abril de 2012, no n.º 11, sobre
a cal artesanal, em outubro de 2015, no n.º 18, sobre a região de Sistelo, e em
abril de 2017, no n.º 21, sobre a região do Douro.
2. Em dezembro de 2008, um trabalho de José Narciso, no
n.º 6 da revista “ALDRABA”, tratou pela primeira vez do tema “O Jardim da
Estrela”.
Aí se evidenciou que
este espaço ajardinado de Lisboa, inaugurado em 3 de abril de 1852, inicialmente
designado por Passeio da Estrela e mais tarde por Jardim Guerra Junqueiro, foi
desde sempre um local privilegiado de lazer da população lisboeta, cujas
riquezas se descreveram amplamente na nossa revista.
No passado dia 17 de fevereiro de
2018, por ocasião da 7ª Rota da ALDRABA - “Pela Estrela com o poeta João de Deus”, a
nossa Associação voltou agora a evocar o Jardim da Estrela, que foi visitado durante
a “Rota” pelos participantes naquela
atividade.
Recordámos que o jardim
foi criado no século XIX, em frente à Basílica da Estrela, em Lisboa, nuns
terrenos de António José Rodrigues, sendo a iniciativa da sua construção devida
a António Bernardo da Costa Cabral, com o apoio de D. Maria II, Manuel José de
Oliveira e de um donativo de quatro mil réis de um português do Brasil, Joaquim
Manuel Monteiro.
Segundo a saborosa
descrição da escritora Alice Vieira (in “Esta Lisboa”, 1993), em abril de 1852
as enchentes foram tantas que, às cinco horas já custa a andar, às cinco e meia
já ninguém anda, e às seis andam uns pelos pés dos outros… E sublinha Alice
Vieira que “jardins públicos era um
tesouro que a cidade só muito tardiamente recebeu (…) Jardins de palácio,
cercas de conventos, tapadas, matas, eram muitos. Mas, jardins que a todos
pertencessem, e onde todos tivessem o direito de respirar, muito poucos havia”.
Na segunda metade do
século XIX, o Passeio da Estrela esteve na moda e na altura possuía elementos
que já não existem, como estufas, quiosques e um pavilhão chinês. Nos anos 70
do século XIX, existiu mesmo um leão na sua jaula, que havia sido doado por
Paiva Raposo, vulgarmente conhecido por Leão da Estrela, que estava instalada
num pavilhão próximo da entrada da Avenida Pedro Álvares Cabral.
Ao longo do
século XX, o Jardim da Estrela continuou a ser um dos jardins públicos
lisboetas mais concorridos, sendo de destacar a apropriação que a população fez
desse seu espaço. A título de exemplo, quando em 1939 – em pleno regime
autoritário fascista – as autoridades desenvolveram um projeto de “modernização”
que levaria ao prolongamento da Av. Álvares Cabral até ao Largo da Estrela,
rasgando o jardim, a contestação foi tão generalizada que o projeto foi
abandonado…
Na nossa 7ª Rota,
detivémo-nos junto à estátua de João de Deus, agora existente dentro do Jardim.
E evocámos aí os poetas que têm celebrado o Jardim da Estrela, entre os quais
António Gedeão (o Rómulo de Carvalho, professor de Química do Liceu Pedro
Nunes, ali bem em frente), que escreveu: “(…)
E também gostei muito do Jardim da Estrela / com os velhos sentados nos bancos
ao sol / e a mãe da pequenita a aconchegá-la no carrinho / e a adormecê-la / e
as meninas a correrem atrás das pombas / e os meninos a jogarem ao futebol. / À
porta do Jardim, no inverno, ao entardecer / à hora em que as árvores começam a
tomar / formas estranhas, / gostei muito de ver / erguer-se a névoa azul do
fumo das castanhas”.
O Jardim da
Estrela em Lisboa foi um excelente teste a esta nossa disposição e a este nosso
propósito.
A melhor forma de
o reafirmarmos é transcrever aqui a última estrofe do poema do António Gedeão
acima citado:
“Triste de quem não tem,
na hora que se esfuma,
saudades de ninguém
nem de coisa nenhuma.”
José Alberto Franco
José Alberto Franco, este é o material do qual eu tanto ansiava para apresentar a Aldraba. Bem hajas!
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