terça-feira, 24 de outubro de 2017

O património florestal em perigo










Pré-publicação do Editorial do nº 22 da revista ALDRABA, que sairá em breve:

O nosso país assistiu em 2017 à maior catástrofe dos últimos anos no que respeita a incêndios, com a maior área ardida de sempre, com a morte de mais pessoas, com a perda de casas, animais e bens e de um vasto e valioso património natural e ambiental.

Uma negra realidade que se vem repetindo e agravando de ano para ano. Agora, é urgente refletir e agir, nos planos político, social e ambiental. As florestas são um bem comum imprescindível.

Perante tão candente problema, não poderia a nossa Associação deixar de o abordar também aqui, na sua revista, opinando sobre eventuais soluções e manifestar a sua solidariedade às populações afetadas e a quantos intervieram nas operações de combate ao fogo, mormente aos nossos incansáveis e abnegados bombeiros e, bem assim, aos muitos anónimos da solidariedade prestada. A uns e a outros são devidos os necessários esclarecimentos sobre os fundos obtidos, do seu destino e aplicação. A generosidade e solidariedade dos portugueses não podem ser defraudadas.

Portugal tem cerca de um terço do seu território ocupado com florestas, constituindo desde sempre um dos seus maiores recursos naturais e que vem correndo sérios riscos.

Antes do 25 de abril, o interior ainda tinha uma razoável presença humana e uma vida económica própria, com a pastorícia, a silvicultura, a pequena agricultura e a produção animal. Havia a recolha das lenhas para combustível e dos matos para o gado e a adubação das terras.

De tal sorte, o fogo tinha menos condições para a sua propagação e era mais prontamente combatido pelas populações. Então, a intervenção dos bombeiros passava praticamente despercebida, sem o ruído mediático de hoje.

Hoje, estamos acorrentados a um espaço rural despovoado, de fraca natalidade e elevada taxa de envelhecimento, muito por força das migrações, quer para o litoral quer para o estrangeiro. E os terrenos, outrora dedicados à agricultura, deram lugar a matos e a uma mancha florestal onde predomina o pinheiro e o eucalipto, espécimes altamente combustíveis, enquanto os castanheiros, as cerejeiras e os quercus foram desaparecendo.

Portugal é o país europeu que apresenta, proporcionalmente, a maior desertificação humana, mais incêndios, mais área ardida e maior mancha de eucaliptos. É preciso mudar de paradigma de desenvolvimento do interior e de defesa da sua floresta. Em nossa opinião, promovendo:

- Uma política de desenvolvimento regional sustentável, cumprindo-se o objetivo constitucional da criação das Regiões Administrativas, melhor meio para se vencer as assimetrias territoriais;
- Medidas de discriminação positiva que incentivem a fixação de empresas e de pessoas;
- Uma reforma florestal, não desperdiçando as condições ora nascentes. Reforma que contemple os meios, competências e responsabilidades das autarquias na elaboração do cadastro florestal e da sua aplicação, envolvendo as populações;
- A implementação de mais e melhores meios operacionais e humanos, mais sapadores florestais e mais postos de vigilância; rever a nossa política no uso dos meios aéreos. A tragédia dos incêndios não é compaginável com a já chamada “indústria do fogo”;
- Programas informativos e formativos de valorização da floresta e da ética comportamental, a par de medidas legislativas que agilizem e agravem a penalização dos infratores do fogo.

É tempo de refletir e de agir, sem demora.

As florestas constituem um elemento fulcral do desenvolvimento e do nosso ecossistema. São elas que matizam os territórios, purificam o ar e nos dão vida.

O melhor património que é o nosso povo - com o seu saber-fazer, memórias, tradições, cuidando das suas casas, terras e animais - continuará em causa se a justiça não for reforçada com medidas mais punitivas contra os incendiários. Para que não haja mais “época de incêndios”.


Albano Furtado Ginja

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