quarta-feira, 13 de junho de 2012

Balada do país triste















A cronista insurge-se, com brilho e com veemência, contra as mesmas realidades que a ALDRABA quis enfrentar, ao constituir-se em 2005. Estamos no mesmo combate!


…Quando eu era criança, Portugal também era bonito, embora miserável.
Foi-se desfeando.
A relação entre miséria e beleza é tão complexa como a que as Humanidades mantêm com humanidade.
A Alemanha civilizada pariu o nazismo. Portugal, desgraçado e triste, exibia dos melhores cenários da Europa.
O progresso chegou com 50 anos de atraso e foi o que se viu.
Arquitetura popular arrasada, construção desenfreada, autoestradas to nowhere.
Fartos do fedor a pobreza, os portugueses demoliram o passado à picareta.
Onde havia um carro de mulas, um Mercedes.
Onde havia um lugar de hortaliça, um friporte.
Praias impolutas passaram a timeshare.
As sardinhas, a salmão bimby.
O país, poupado aos bombardeamentos da guerra, bombardeia-se alegre e cavaquisticamente a si próprio.
Ao querer cortar o mal pela raiz, corta, impunemente, 2600 sobreiros.
Alheio ao rigor da ciência, forja painéis socráticos que até carregam de noite.
Sem tradição democrática, defeca montes de prescrições e presunções de inocência…
Por todo o lado, um escuro dos raios. A lanterna não pisca e foi comprada no chinês. Tudo isto dá vontade de chorar e nem a poesia nos salva…

Ana Cristina Leonardo, in Atual, nº 2067 (Expresso, 9.6.2012)

(fotografia reproduzida de arquiteturafashion.blogspot.pt)

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