domingo, 23 de outubro de 2011

A lenda de Santa Bárbara



Outra das peças - além da cabeça de São Fabião - que também muito agrada aos visitantes do Tesouro da Basílica de Castro Verde, é Santa Bárbara, imagem de madeira policromada e datada de cerca de 1510, tendo sido executada na oficina de Malines, uma das mais conhecidas oficinas de arte flamenga.

De pé sobre uma plataforma simples, típico das esculturas de Malines, Santa Bárbara tem à esquerda um dos seus símbolos mais conhecidos, a torre acastelada, quase com a mesma altura da figura. Como de costume, tem manto e túnica, que permanecem com as cores originais.

Uma expressão que muito utilizamos hoje em dia é “Só se lembram de Santa Bárbara quando faz trovões”… Realmente Santa Bárbara é referida como a protectora contra os trovões. A protecção dos santos está em tudo relacionada com o martírio sofrido pelos mesmos.

De acordo com as variantes da lenda de Santa Bárbara, situam a sua vida nos séculos III ou IV, ora em Nicomédia, na Bitínia (Ásia Menor), ora em Antioquia ora em Heliópolis (da Síria ou do Egipto). Muitas são as versões existentes deste martírio de Santa Bárbara, de uma ou de outra forma todas elas no final relatam a sua extraordinária beleza e a morte pela espada do seu próprio pai.

O pai de Santa Barbara era pagão. Com ciúmes de todos os pretendentes que apareciam para sua filha, e notando algumas tendências nela para o cristianismo, decide fechá-la numa torre, tendo saído em viagem. Santa Bárbara, ao longo do tempo, foi tendo contacto com alguns documentos cristãos e com a oração acaba por aprofundar mais a sua fé. Tendo a torre duas janelas, ela manda abrir a terceira referente á santíssima trindade e acaba mesmo por ser baptizada. Claro que seu pai, quando regressa e descobre o que se tinha passado, fica furioso e obriga-a a casar com um pagão. Ela não aceita a decisão do pai e diz que a sua vida fora entregue a Jesus Cristo.

Nessa altura, o pai ordena que retirem a sua filha da torre, sendo torturada e queimada, contando a lenda que o fogo nada fez ao corpo de Santa Bárbara. Em seguida, ela foge e refugia-se numas minas onde os trabalhadores a tentaram esconder, mas acaba denunciada por um pastor e o pai vai buscá-la e encerra-a na torre, onde a obriga a renunciar ao cristianismo, e ela volta a dizer que não. Então Dióscoro, seu pai, puxou da espada e decapitou a própria filha na torre. Quando vai a sair da torre, o céu escureceu em seu redor e um raio caiu-lhe no peito, fulminando-o.

Através desta lenda, torna-se a protectora dos mineiros, que foi quem lhe deu a protecção quando ela fugiu, e de qualquer profissão relacionada com o fogo ou com o risco de morte violenta e súbita, incluindo artilheiros, pirotécnicos, bombeiros, armeiros, engenheiros militares e electricistas. Santa Bárbara é também padroeira das prisões, desde os prisioneiros aos guardas prisionais. Como a torre é um dos seus símbolos, acaba por ser padroeira também dos arquitectos, engenheiros, pedreiros, construtores e carpinteiros.


Ricardo Colaço
(Segundo extracto de um artigo publicado no nº 10 do boletim “Aldraba”).

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

A Cabeça de São Fabião (Castro Verde)




A intenção de dar a conhecer a história e a arte da Basílica de Castro Verde levou à abertura, em 2003, do “Tesouro da Basílica Real de Nossa Senhora da Conceição”, instalado na antiga sacristia.

No interior da exposição, destaca-se uma cabeça em prata de tamanho natural, dos meados do século XIII, que guarda no seu interior, como relíquia, uma calote craniana. A primeira referência que há desta peça é no ano de 1565 em Casével, depois dessa data pouco se sabe do percurso desta cabeça, até ser encontrada em 1986 numa visita da equipa do Campo Arqueológico de Mértola à pequena aldeia de Casével, com o objectivo de reunir e inventariar a documentação histórica depositada na junta de freguesia.

Apesar de há muito ter perdido a sua função, a cabeça relicário permanecia viva na memória colectiva local, sendo identificada como de São Fabião, papa mártir. Na opinião de alguns moradores mais idosos, este relicário tinha o poder de curar as doenças dos animais.

Relatam que a peça era colocada na janela da igreja, e os pastores traziam o gado que passava em frente à cabeça, esta por sua vez ouvia o gemido dos animais, cheirava as doenças e através de um bafo curava o mal do gado.

A peça encontra-se furada nos ouvidos, nas narinas e na boca, mas o seu executor deixou intactos os olhos, sabendo o perigo que podia representar se estivessem furados. Isto é baseado numa crença que conta que, quando alguém morria, o facto de olharmos para os olhos do mesmo nos cegava ou levava à loucura, pois dizia-se que a pupila era uma perigosa ligação com os mundos do Além.

Hoje em dia, a cabeça relicário de São Fabião ainda vai alimentando os medos e os sonhos de muitas gerações, e continua a manter aquele olhar condescendente e inofensivo, aquele infindável sorriso de quem sabe que o seu mistério nunca será desvendado.

Ricardo Colaço

(Extracto de um artigo publicado no nº 10 do boletim “Aldraba”. O Ricardo é amigo da nossa Associação e trabalha na Basílica de Castro Verde)

domingo, 16 de outubro de 2011

Apresentação do n.º 10 do boletim “Aldraba”



Decorreu no dia 12 de Outubro, no Grupo Desportivo e Escolar Os Combatentes, a apresentação do n.º 10 do nosso boletim e, tal como previsto. contámos com a presença entusiasta e estimulante da antropóloga Paula Godinho.
A sessão iniciou-se com palavras dos presidentes das duas associações, tendo Júlio Machado evidenciado a disponibilidade que o GDEC sempre manifestou e o gosto com que acolhe as iniciativas ali realizadas pela Aldraba. José Alberto Franco, ao mencionar alguns temas deste boletim, fez-nos um retrato comovido do percurso profissional e cívico do Manuel Sobral Bastos, que recentemente nos deixou, e enfatizou a colaboração de dois novos jovens associados com temas relacionados com aquilo que poderemos designar como “patrimónios recentes”.
Luís Filipe Maçarico apresentou a nossa convidada, tendo salientado o seu vasto currículo académico em associação com o trabalho de campo que sempre tem privilegiado, a sua disponibilidade para alunos e colegas, e a sua intervenção de natureza cívica.
Paula Godinho, ao passar em revista os temas deste n.º 10 do nosso boletim, falou-nos da importância que atribui ao trabalho que a Aldraba tem vindo a desenvolver, discreto e consistente, de estudo e valorização dos assuntos do património popular. Destacou os artigos de Marta Barata, sobre graffiti, de Marco Valente, sobre as aldrabas e batentes de Selmes, de Luís Maçarico, sobre o Santo António, e de Ricardo Colaço, sobre o tesouro da Basílica de Castro Verde.
Para além dos seus comentários de grande oportunidade, que muito apreciámos, agradecemos-lhe as palavras de incentivo para continuar que nos deixou, com a sua grande simpatia, gentileza e optimismo.


MEG (foto Luís Ferreira)

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Paula Godinho na apresentação do nº 10 do boletim “Aldraba”



A ALDRABA – Associação do Espaço e Património Popular convida todos os associados e amigos para a sessão de lançamento do nº10 do boletim “Aldraba”, no próximo dia 12 de Outubro de 2011 (4ª feira), às 18.30h.
A sessão realiza-se na sede do Grupo Dramático e Escolar “Os Combatentes” – Rua do Possolo, 7, em Lisboa, e a apresentação estará a cargo da Doutora Paula Godinho, professora de Antropologia na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da UNL.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Vai estar em distribuição o nº 10 do"Aldraba"



O número 10 do boletim da Associação Aldraba vai ser distribuído aos associados dentro de poucos dias.

Sumário do nº 10 do boletim "ALDRABA":

Editorial
Nuno Roque Silveira
10 números do boletim, 6 anos de vida da Associação
Núcleo editorial
OPINIÃO
Aldrabas e batentes de Selmes
Marco Valente
Acerca dos graffiti
Marta Barata
PATRIMÓNIO IMATERIAL
O imaginário popular em torno de Santo António
Luís Filipe Maçarico
RITUAIS, TRADIÇÃO E REALIDADE
O tesouro da Basílica Real de Castro Verde
Ricardo Colaço
OS AMIGOS E A MEMÓRIA
Em memória do Manuel Sobral Bastos
Órgãos sociais da Aldraba
CRITICA DE LIVROS
Uma caderneta de cromos (Nuno Markl)
Pedro Martins
ALDRABA EM MOVIMENTO
Novembro de 2010 a Julho de 2011
Maria Eugénia Gomes

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Nomes de localidades em azulejos (cont.7)























Desta vez, ficam registadas mais outras 7 placas toponímicas, por esse país fora.

O repórter da ALDRABA encontrou e fotografou a da Charneca da Caparica, no distrito de Setúbal, as de Borba e de Terena, no distrito de Évora, e a de S. Pedro do Sul, no distrito de Viseu.

Aqui no distrito de Lisboa, as amigas da ALDRABA Maria do Céu Ramos e Susana Rodrigues captaram e enviaram-nos, a primeira, uma nova placa de Sintra (com a grafia moderna, já publicámos uma placa com a antiga grafia de Cintra), e, a segunda, placas de Cheleiros e de Pêro Pinheiro.

Obrigado aos que connosco têm colaborado, e um desafio a que outros o façam também.

JAF (texto e fotos de Borba, Charneca, S. Pedro do Sul e Terena)

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Uma caderneta de cromos




Albert Einstein afirmava que, em teoria, as viagens no tempo apenas eram possíveis rumo ao futuro. Se reunirmos energia suficiente para viajar para além da velocidade da luz, então conseguimos “chegar” ao futuro antes de este acontecer. Já regressar ao passado, à luz das leis que regem o Universo, é teoricamente impossível. Mas Einstein não era sociólogo, antropólogo ou historiador… Preservar a memória e o património é, por si, uma viagem no tempo à(s) época(s) em que esse acervo histórico fazia parte do dia-a-dia dos nossos antepassados. É olhar para a herança deixada pelos que vieram antes de nós.
Perceber que somos o que somos porque antes de nós outros nasceram, viveram e morreram, deixando-nos um património que, só por isso, vale a pena preservar e recordar.
Nuno Markl, humorista, locutor de rádio, autor e argumentista, sabe que nunca irá influenciar a Física Quântica. Mas com a sua rubrica “Caderneta de Cromos” tem, como poucos, ajudado toda uma geração inteira a viajar no tempo, para um passado recente mas nem por isso desprovido de património cultural… Com as suas crónicas de rádio (todos os dias de semana, na Rádio Comercial), entretanto passadas para livro, Markl entra numa máquina do tempo virtual para retornar aos anos 70/80 e 90 do séc. XX. À distância de uma memória, relata-nos o impacto que algumas das manifestações culturais dessa época tiveram na sua (e de tantos outros) juventude e no que ele é hoje como pessoa.
O humorista fala-nos de filmes (ex: Regresso ao Futuro ou Star Wars), séries de televisão (de TV Rural a McGyver, passando pelo programa de animação de Vasco Granja), alimentos que à luz das regras de hoje seriam alvo fácil da ASAE (ex: granizados FA ou as fantásticas Peta-Zetas), músicas inesquecíveis como as de José Cid, Duran-Duran, brinquedos como o barco dos piratas da Playmobil, o Action Man e as inúmeras figuras de PVC dos heróis da TV.
O que está na moda hoje, está enterrado amanhã. As notícias que abrem o telejornal esta noite estarão quase esquecidas daqui a uns meses. Multiplica-se quase até ao infinito a nossa capacidade de arquivo, mas a nossa memória é cada vez mais curta em relação ao passado…
A minha geração, filha da democracia, vive tempos conturbados como muitas vezes aconteceu no nosso passado. E as pessoas, mesmo nas piores crises, continuavam a trabalhar, a criar família, a divertir-se.
Nuno Markl, como poucos, sabe que todos somos uma máquina do tempo. Nascemos numa determinada época, somos influenciados pelo meio que nos rodeia, pelo processo de socialização, por tudo o que antes de nós aconteceu. E, até deixarmos este mundo, passamos tudo isso aos que depois de nós cumprirão o seu papel. Preservar o património, seja uma carta de foral da Idade Média ou a memória de programa de televisão como o “TV Rural”, faz parte do nosso dever como habitantes deste planeta. Nem que seja em nome dos que depois de nós virão.

PEDRO MARTINS
(condensado de artigo a publicar no boletim ALDRABA nº 10, actualmente no prelo)