terça-feira, 30 de julho de 2019

Visitando o Museu Etnográfico Louzã Henriques














Nesta hora triste do falecimento do Manuel Louzã Henriques, a ALDRABA quer recordar o artigo acerca do museu com o seu nome que publicámos em outubro de 2016, no número 20 da nossa revista, da autoria da associada Zulmira Bento:


UM HOMEM SÁBIO

Entrar no MUSEU ETNOGRÁFICO LOUZÃ HENRIQUES, na Lousã, é entrar no tempo silencioso da História, é percorrer o modus vivendi das corajosas gentes que nos precederam, é beber a valiosa essência patrimonial que chegou até nós pela mão generosa deste vulto da cultura portuguesa.

O Dr. Louzã Henriques, um ilustre psiquiatra residente em Coimbra - e que tive a honra de conhecer - é dessas raras figuras que têm o dom de nos surpreender pela sabedoria que delas emana. 

Conversar com o Dr. Louzã Henriques é conversar com a própria História, é ler vários livros ao mesmo tempo, tal a diversidade de conhecimentos que, como ninguém, sabe transmitir.

Este homem ecléctico revelou-se um apaixonado investigador na área da Etnografia e da Antropologia. Todavia, não se ficou pelo estudo teórico desses assuntos. Com efeito, dedicou grande parte do seu tempo e do seu pecúlio a coleccionar objectos oriundos da nossa matriz cultural, parte dos quais constituem o acervo do Museu com o seu nome que a Câmara Municipal da Lousã erigiu e, em boa hora, abriu ao público em 2005. 

A circunstância de o Museu se situar na Lousã explica-se pela forte ligação deste estudioso à região da Lousã, que vínculos familiares reforçaram. Lousã, Coimbra e Portugal inteiro bem podem orgulhar-se da obra ímpar desta personalidade notável que, ao longo de toda a vida, reuniu um número quase infinito de peças que retratam a realidade rural portuguesa e não só.

Senhor de rara grandeza ética, cultural e humana, esta figura singular seria merecedora do reconhecimento nacional - embora saibamos quão avesso é a homenagens -, já que tão maltratado foi pelo anterior regime que o silenciou na prisão de Peniche e o impossibilitou de prosseguir a carreira académica na Universidade de Coimbra e de exercer Medicina em hospitais públicos.

NO MUSEU

No rés-do-chão, extasiamo-nos com a grandiosidade do espaço e do que se nos oferece ao olhar: muitos carros de bois (e também de mula), dos mais diversificados modelos.
As paredes encontram-se revestidas com um elevado número de cangas – mais de quarenta – de proveniências variadas. Há cangas para todos os gostos, das mais simples, usadas no dia a dia, às cangas de festa.
Num outro sector, as paredes exibem um número inimaginável de modelos de foices, de enxadas e de forquilhas, enquanto no solo se alinham diferentes tipos de trilhos, utensílios com que se debulhavam os cereais na eira.

Noutros espaços, uma infinidade de cestos de verga e uma verdadeira montra de cerâmica/olaria.

Neste mesmo piso, muitas outras unidades despertam a nossa atenção, entre elas: arados, albardas, padiolas, coalheiras e até uma colecção de instrumentos musicais também pertença do Dr. Louzã Henriques e aqui colocada para assinalar o Dia Mundial da Música.

Sendo o 1º piso ocupado por uma Sala de Exposições Temporárias, onde artistas mostram as suas obras, no 2º andar, a exposição permanente encontra-se agrupada nos seguintes núcleos: COZINHA SERRANA, PÃO, APICULTURA, LINHO/LÃ e FERREIRO.

No alto da escadaria, deparamos com a COZINHA SERRANA incluindo todos os seus apetrechos, sem esquecer as panelas de ferro e, bem acima delas, os paus nos quais se enfiavam os enchidos para curtimento pelo fumo. Vejam-se os antigos moinhos de café e a pequena mesa posta.

A ilustrar o tema PÃO, dois painéis ostentam manguais ou malhos e pás de padejar na eira enquanto expositores mostram crivos e medidas de cereal e ainda bilhas para medir o azeite. Neste departamento, sobressai a erguedeira que servia para separar o grão da palha.

No sector da APICULTURA, todos os utensílios inerentes, a saber: cortiços, máscara e fumigadores.

No espaço dedicado ao LINHO/LÃ, atrai a atenção um curioso engenho, de nome ripo, utilizado para separar a baganha (onde se encontram as sementes) dos molhos de linho. Refira-se ainda a dobadoura para fazer novelos de linho ou de lã e a caneleira com roda de fiar.

Na secção do FERREIRO, o olhar recai no grande fole que servia para atear o fogo na forja e num painel com outros objectos usados neste ofício.

Este andar oferece outros centros de interesse, designadamente: cestos, cangalhas (usadas sobre os burros), mós manuais para transformar o grão em farinha, francelas, utilizadas para amassar o queijo e deixar escorrer o soro, tripeças e objectos com os quais se separavam as fibras têxteis da palha, uma interessante peça que servia de medida para pagamento da côngrua e outros.

De referência obrigatória, a mesa de sapateiro e todos os seus pertences.

O vestuário característico das diferentes regiões é uma constante. Permito-me destacar o fato de pastor, a croça, constituída por um colete, caneleiras e uma capa.

Quem se deslocar a esta região do país, não deixe de visitar este museu, fruto do espírito empreendedor e do amor sem limites do Dr. Louzã Henriques!

A minha homenagem ao homem, ao médico, ao pedagogo, ao investigador, ao coleccionador de uma vida inteira, pelos horizontes do conhecimento que nos abriu.

Zulmira Bento


segunda-feira, 29 de julho de 2019

Memória de um sábio (Manuel Louzã Henriques)
















Que se pode dizer quando morre um sábio?

Que joeiramos no garimpo do ouro das palavras, dessas que Ernesto Sábato dizia ser preciso cavar fundo se quisermos descobri-las, para fazermos "a narrativa de um homem", como Manuel Louzã Henriques?

É essa perplexidade que me assalta quando a notícia da sua morte chega, dizendo que terminara a sua agonia hospitalar dos últimos dias.

Ninguém, como ele, sabia navegar no mar das palavras, fazendo da conversa uma arte sublime.

Ninguém, como ele, tomava o fio da fala projectando o conhecimento e o pensamento como actos superiores de dignidade e de libertação.

Ninguém, como ele, na peugada de Jorge Dias, Leite de Vasconcelos, Ernesto Veiga de Oliveira ou Michel Giacometti, sabia ouvir os outros.

Ninguém, como ele, sabia as confluências da cultura erudita e da cultura tradicional, do sangue arterial que corria entre elas, e de como uma era tributária da outra.

(Um dia, ouvi-lhe dizer que aquela mulher franzina que se chamava Catarina Chitas, bodeira e camponesa, analfabeta, exímia tocadora de adufe e poeta, era “um monumento enorme da cultura portuguesa”)

Ninguém, como ele, nunca abdicando da coerência das ideias (comunista, cidadão republicano) fazia da exigência de deixarmos um mundo melhor aos que vierem depois de nós, uma prática quotidiana, que ele pregava à boa paz da tolerância. O que se aprendia com ele!

Estou a vê-lo -- é essa imagem que quero reter – com o mar revolto dos seus cabelos, o seu olhar vivíssimo, os gestos largos nas mãos, a explicar as coisas num discurso que fluía e parecia interminável, que o Ti Manel (como lhe chamávamos afectuosamente) sabia tecer a pedagogia da realidade relacionando ideias, acontecimentos, figuras, rostos.

Todos nós que tivemos o privilégio de ouvir muitas vezes, aprendendo sempre, aprendendo, guardamos essa riqueza no bornal da memória, lembrando sempre o fascínio de termos convivido com um sábio.

Fernando Paulouro Neves

sábado, 27 de julho de 2019

A Aldraba em Vilarelhos e em Morille








Nas duas edições do Encontro/Festival PAN 2019, respetivamente em Vilarelhos e em Morille nos fins-de-semana 5/7 e 19/21 de julho, a nossa Associação esteve amplamente representada.

Seja através dos nossos associados e ativistas que aí apresentaram livros de poesia ou de património de sua autoria (Fernando Duarte, João Coelho, Laurinda Figueira, Luís Maçarico e Zulmira Bento), seja através da divulgação da nossa atividade, em duas comunicações de José Alberto Franco que obtiveram assinalável impacto.

Ficam imagens da nossa presença nas duas localidades, em complemento dos abundantes registos que os participantes têm vindo a partilhar nas redes sociais.

JAF (fotos MEG, LFM e JAC)





segunda-feira, 15 de julho de 2019

"Tradição e sabedoria": Uma odisseia













Significado: Acontecimentos imprevistos, aventurosos ou de algum modo singulares.

Origem: Tratando a “Odisseia” de Homero do regresso, pleno de percalços e dificuldades, de Ulisses à sua terra natal, Ítaca, a expressão anda à volta disso mesmo. Ou seja, é tudo o que comporte acontecimentos imprevistos, aventurosos ou de algum modo singulares.

Cafés Chave d’Ouro

NOTA: Com a publicação deste post, terminamos a reprodução desta série, em tempos editada pelos Cafés Chave d'Ouro sob a forma de ilustrações dos seus pacotes de açúcar. Os nossos agradecimentos à empresa pela iniciativa.

quinta-feira, 4 de julho de 2019

Francisco José Lopes, a Aldraba e o PAN2019



















A ALDRABA, conforme decidido na Assembleia Geral de 15.2.2019, vai participar este ano no PAN2019-Encontro e Festival Transfronteiriço de Poesia, Património e Arte de Vanguarda em Meio Rural, que se realiza de 5 a 7 de julho em Vilarelhos (Alfândega da Fé, Bragança) e de 19 a 21 de julho em Morille (Salamanca, Castela-León).


Reproduz-se aqui este belo texto do nosso amigo Francisco José Lopes, um dos principais impulsionadores de um evento marcante na cultura popular dos dois países:



Eu sou transmontano. Desculpem, mas faço questão de não abdicar das minhas origens, de não trocar absolutamente nada por esta forma de estar e de sentir a vida: de continuar a resistir. A minha história de vida começou, como a de toda a gente, por um simples papel onde alguém registou, por acaso de forma errada, o meu nascimento.

Depois disso, a pedra da vida estava lançada. Pedra bruta, mas apetecível, que me competia trabalhar. Corri muitos mundos, por dentro e por fora, desaguei em muitos sonhos, por fora e por dentro, calcorreei muitos caminhos, visíveis e invisíveis, perdi muito e ganhei outro tanto, aprendi mais do que ensinei: vivi. Sou o que me fiz, com aquela eterna, mas genuína humildade de perceber que não sou coisa nenhuma, se caminhar sozinho, mesmo que a companhia discorde de mim, porque simplesmente, persistindo obrigatoriamente na busca, não acredito que alguma vez encontre a perfeição.

Vem este texto a propósito de um outro que, em jeito de arranjo poético das palavras, escrevi em 2018, tentando expressar o que me ia na alma e continua a crescer dentro de mim. Um texto sobre a razão de andarmos todos por aqui, a tentar construir uma forma diferente de pensar a cultura sem fronteiras, numa península ibérica com história comum, mas caminhos diferentes, com realidades parecidas, mas por vezes tão distantes, como se um imenso mar imaginário nos separasse indefinidamente.

Eu não me construí integralista e muito menos integracionista. Defensor que aprendi a ser do direito de soberania e da unidade cultural, respeito as opções, mesmo que por vezes não partilhe dos caminhos.

Quero dizer-vos, desta forma, que a “invenção” da filosofia geocultural que está na origem do PAN, vinda de um cidadão, de nome Manuel Ambrosio Sánchez Sánchez, cujo distinto currículo não cabe sequer nesta minha reflexão, me entusiasmou e arrebatou de corpo e alma desde o primeiro momento que dela tomei conhecimento, em Carviçais (Torre de Moncorvo), primeiro e no ano seguinte na própria origem, na pequena localidade de Morille, que como viajante não podia deixar de conhecer.

Já lá vão quatro anos de PAN, mas sou uma criança, não apenas pelas XVII edições da iniciativa, mas sobretudo por ainda estar a absorver muito da sua magia. E já agora, a contrariar tudo e todos os que ainda não perceberam, que isto não é uma feira de vaidades, de virtuosismos, de negócios, de perfeccionismos, mas tão só um espaço de partilha e de liberdade!

Nem toda a gente tem espírito de PAN. Não vejo, nem há qualquer problema nisso. Na vida todos temos as nossas opções, e ter liberdade para isso já custou imensamente a muitos, muito embora alguns dos que hoje desfrutam dela pouco ou nada tenham contribuído para isso, mesmo quando foram chamados a fazê-lo. Outros não têm tempo de estrada para se recordar, mas deveriam ter mais memória para perceber, que os PANs todos que nos aparecem no caminho da vida são apenas o fruto de uma vontade coletiva de não abandonar o direito de sonhar. De estar em Poesia.

Para o bem e para o mal, deixo-vos com a simplicidade das palavras que construí e, acima de tudo, com um fraterno abraço de agradecimento por continuardes a acreditar no PAN e na terra transmontana (Vilarelhos) que nos próximos dias nos acolherá de braços abertos e sem reservas. Que saibamos e possamos, juntos, estar em pan-poético!

Francisco José Lopes