quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

O que valem os horóscopos?


Numa semana do ano em que muitas pessoas recorrem às "previsões astrológicas" para 2023, reproduzimos a parte principal de um interessante artigo do neurocientista Jorge Almeida, publicado na edição de 27.12.2023 do jornal "Público":

O que valem os horóscopos?

(…) Qual golpe de magia bem orquestrado, os horóscopos (e outras coisas que tal) casam às mil maravilhas com a nossa necessidade de, como seres humanos, procurarmos explicações para as coisas do nosso dia-a-dia.

É aqui que entra a psicologia e a ciência cognitiva, o estudo das heurísticas que a nossa mente usa para facilitar o processo de compreender o nosso mundo, e os erros cognitivos (a que chamamos vieses cognitivos) que decorrem da necessidade de fazermos todo este processo de forma rápida e dentro das limitações da nossa mente.

Para começar, há que olhar para o modo como os horóscopos são escritos – são tipicamente uma descrição suficientemente vaga que inclui eventos e traços de personalidade aplicáveis ao comum dos mortais num ou noutro ponto da sua vida, referindo aspetos positivamente transformativos.

De forma interessante, o psicólogo Bertram Forer, em 1948, demonstrou precisamente, que este tipo de descrições é interpretado como sendo verdadeiro e único de quem as lê. A isso chamamos o “efeito de Barnum”.

Este efeito relaciona-se com um dos vieses cognitivos do qual a nossa mente é vítima – o viés da validação subjetiva.

Este viés leva a que uma afirmação (falsa ou verdadeira) seja vista como tão mais verídica quanto mais significado pessoal tiver e quanto mais positivamente for apresentada.

Até parece que a nossa mente criou este viés para facilitar a crença nos horóscopos (ou, aliás, os horóscopos é que tiram partido, de forma soberba, deste viés cognitivo).

Mas há, claro, outros processos mentais que conferem “veracidade” à leitura de um horóscopo, e que se aplicam na mesma medida às fake news ou ao populismo político que nos tem assolado. Um exemplo é a tendência para explicar o nosso comportamento como dependente de fatores externos – “Eu não fui sair porque estava a chover” – e o comportamento dos outros como traços de personalidade – “Ele não foi sair porque é preguiçoso”. Este viés de atribuição confere à astrologia ainda mais poder – que melhor fator externo do que o alinhamento dos astros para explicar os nossos comportamentos?

Outro aspeto explorado pelos astrólogos é o que chamamos “falácia/engodo do apelo à autoridade – a maior parte dos astrólogos são “professores” ou “mestres”. Este apelo à autoridade valida os horóscopos não pela veracidade dos mesmos, mas porque é uma autoridade que or propõe.

Assim se explica cientificamente o apelo da astrologia e dos seus horóscopos.

Claro está que me parece que a sociedade se deve defender destes esoterismos, assim como das fake news e dos populismos.

Isto passa por mais e melhor informação científica – por um verdadeiro investimento na literacia científica. ()

Jorge Almeida

segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

20 associados e amigos da Aldraba confraternizaram no jantar de Natal









Um simpático grupo de associados e amigos da Aldraba - uma parte dos quais tinham estado antes na Casa-Museu Medeiros e Almeida a disfrutar do seu riquíssimo património artístico - juntaram-se este sábado 17/12 na Rua do Salitre, em Lisboa, para aquele que já é o nosso habitual jantar-tertúlia da quadra natalícia.

Este encontro era para se ter realizado na Floresta do Salitre, mas foi reagendado para o Forno Velho (porta ao lado), por problemas logísticos supervenientes. Sem dificuldades, e tirando benefícios da mudança, pois fomos excelentemente recebidos pelo Sr. Manuel, pela sua irmã Elsa e pela equipa de jovens colaboradores que nos atendeu. Os nossos sinceros agradecimentos.

A confraternização foi muito calorosa, onde se salientou o regresso às atividades da Aldraba de diversos amigos que nos últimos anos estiveram menos presentes, e onde se exprimiu o desejo de alguns presentes se associarem.

Foi igualmente expressa a intenção de serem apresentadas propostas de novas iniciativas para o Plano de Atividades de 2023, que são firmemente incentivadas pela Direção para serem submetidas à Assembleia Geral do início do novo ano.

Boas festas para todos!

JAF (fotos Jorge Graça) 

sábado, 10 de dezembro de 2022

34.º Jantar-tertúlia da Aldraba - Restaurante "Floresta do Salitre", 17dez2022, sábado, a partir das 19horas


 

Vamos levar a efeito no sábado 17 de dezembro de 2022, a partir das 19 horas, o jantar-tertúlia da associação Aldraba em que procuraremos reunir os nossos associados e amigos, como habitualmente, na quadra do ano em que as famílias e amigos costumam confraternizar.

Juntamo-nos desta vez num estabelecimento popular onde almoçámos já noutra ocasião, na Rua do Salitre, 42D, em Lisboa, um pouco abaixo do local da atividade cultural que realizamos nessa tarde na Casa Museu Medeiros e Almeida.

O jantar terá entradas, sopa, prato típico português, pão, bebidas, sobremesa e café, ao preço único de 20 € por pessoa.

Os interessados em participar deverão manifestar-se, até 5ªfeira, 15.12, por escrito ou telefone, para aldraba@gmail.com, para José Alberto Franco (jaffranco@gmail.com ou 963708481) ou para Luís Maçarico (lmacarico@gmail.com ou 967187654).

JAF

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

12ª visita a espaços de interesse para o património - Casa-Museu Medeiros e Almeida (Lisboa), sábado, 17.12.2022, 15h30

 

Depois de uma interrupção de mais de dois anos, imposta pela pandemia, a Associação ALDRABA volta a propor aos seus associados, familiares e amigos oportunidades de contacto com espaços privilegiados onde se registam a história, a vida e a criatividade do nosso povo.

 

O nosso conceito de património popular não se confina às manifestações de artesanato ou de outras expressões artísticas das populações rurais, por maior interesse e dignidade de que elas se revistam. Não. Estão igualmente incluídas as criações artísticas mais sofisticadas destinadas, enquanto consumo, à aristocracia ou à alta burguesia, mas cujos produtores efetivos são os artistas e os trabalhadores dos estratos mais pobres…

 

É nesse contexto que vos propomos uma visita à CASA-MUSEU MEDEIROS E ALMEIDA, situada no centro de Lisboa, na Rua Mouzinho da Silveira, nº6, fazendo gaveto para a Rua Rosa Araújo, nº41, não muito longe do Marquês do Pombal.

 

O edifício que alberga a instituição foi mandado construir em 1896, tendo sido adquirido em 1943 por António Medeiros e Almeida (1895-1986), que, após obras de remodelação, a transformou na sua habitação. No início da década de 1970, o empresário, colecionador e benemérito, ampliou a casa construindo uma ala nova sobre o jardim, de modo a poder albergar toda a sua coleção de artes decorativas. O edifício passou por diversas campanhas de obras (construção, remodelação e ampliação) até 2001, altura em que a Casa-Museu foi aberta ao público.

 

Tendo começado a colecionar nos anos 1930, no auge da sua carreira profissional no pós-guerra, permitiu-lhe adquirir nas mais afamadas casas leiloeiras e antiquários europeus e reunir uma importante coleção de artes decorativas.

 

Em 1972, foi criada a Fundação Medeiros e Almeida, tendo como objetivo permitir a fruição pública da coleção. O acervo reflete um gosto eclético e cosmopolita que se ajusta ao ambiente da casa. A escolha das obras de arte, direcionada para uma vivência pessoal e social, foi sempre dirigida por um critério de excelência que se revela nomeadamente em duas coleções para as quais o colecionador projetou salas dedicadas: a de relógios e a de porcelana da China.

 

Na coleção de cerâmica chinesa incluem-se as mais díspares peças, desde a raridade das terracotas chinesas da dinastia Han (206 a.C.-220), aos primeiros vidrados da dinastia Tang (618-907) e às depuradas peças Song (960-1279) sendo o núcleo mais significativo o das chamadas “primeiras encomendas”, as primeiras peças de porcelana encomendadas na China para o Ocidente, com cerca de 500 anos, que ostentam as armas reais de Portugal e de D. Manuel I.

 

A sofisticação e apuro técnico estão presentes nas peças de relojoaria francesa, inglesa e suíça, salientando-se o relógio inglês, de noite do século XVII, com iluminação interior por candeia de azeite, do relojoeiro da corte de Carlos II de Inglaterra, Edward East (1602-1697), ainda em funcionamento, uma ampulheta em âmbar e marfim, com assinatura “Michael Schödelock fecit Gedani”, feita em Gdansk (na altura na Prússia), datada de cerca de 1660 e ainda cerca de 25 relógios Breguet, uma das mais famosas casas relojoeiras do mundo.

 

Nesta sequência, destacam-se ainda o mobiliário português e francês, a coleção de pinturas holandesas e flamengas dos séculos XVI e XVII, os retratos ingleses do século XIX, os adereços de joalharia, as baixelas de prata inglesa, a ourivesaria sacra e as tapeçarias flamengas e francesas dos séculos XVI, XVII e XVIII.

 

OS INTERESSADOS EM PARTICIPAR NESTA VISITA DEVEM COMPARECER NA RECEÇÃO DA CASA-MUSEU UNS 15 MINUTOS ANTES DAS 15H30 DO SÁBADO 17 DE DEZEMBRO. Tarifa de ingresso de 4 euros para maiores de 65 anos, 6 euros para mais novos.

 

JAF

quarta-feira, 30 de novembro de 2022

60 participantes na sessão de 29.11.2022, na Casa do Alentejo


 






O belo salão Vítor Santos da Casa do Alentejo em Lisboa esteve repleto neste fim de tarde de novembro com inúmeros associados e amigos da Aldraba, que quiseram homenagear, de forma muito expressiva e emocional, a pessoa e o percurso da Maria Eugénia Gomes, e também assistir à apresentação no novo n.º da nossa revista.

Na evocação da companheira que partiu no passado mês de outubro, tivemos uma intervenção inicial do Luís Maçarico, a que se seguiram muitos testemunhos dos presentes, designadamente, do Fernando Duarte, da Rosa Calado, do Nuno Silveira, do João Coelho, do Rodrigo Dias e do Pedro Martins, todos sublinhando o exemplo de dedicação e de afetividade que a Maria Eugénia deixou em todo o lado onde esteve.

A amiga Rita Rato fez-nos depois uma introdução à nova edição da revista "Aldraba", enaltecendo a importância de um trabalho continuado de divulgação e valorização do património popular, indispensável para contrariar os que pretendem apagar as memórias da criatividade e da resistência das populações e confinar as questões do património a um exercício das elites.

Uma sessão magnífica de partilha e de reforço do nosso espírito coletivo, que também permitiu identificar algumas pistas para trabalho futuro da associação Aldraba.

JAF (fotos de Eugénio Ruivo)





terça-feira, 22 de novembro de 2022

Rita Rato apresenta o n.º 32 da revista ALDRABA no seu lançamento em 29nov2022


 







A revista n.º 32 da nossa associação, que está agora impressa e começou já a ser distribuída aos associados, vai ser objeto de uma sessão pública de lançamento na 3.ªfeira da próxima semana, dia 29 de novembro de 2022, pelas 18 horas, na Casa do Alentejo (R. Portas de Sto. Antão, Lisboa).

Rita Rato, diretora do Museu do Aljube - Resistência e Liberdade, dá-nos a grande honra de fazer a apresentação da revista.

A Rita Rato é licenciada em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Nova de Lisboa, e foi, de 2009 a 2019, deputada à Assembleia da República pelo Partido Comunista Português.

Nesta sessão de 29 de novembro, teremos também um momento de homenagem à dirigente e ativista da Aldraba Maria Eugénia Gomes, prematuramente falecida no passado dia 14 de outubro. Apela-se à presença e à divulgação por parte de todos os companheiros e amigos.

JAF

domingo, 13 de novembro de 2022

O Carvalhal é nosso!










Como já anunciámos, o n.º 32 da nossa revista está composto, e sairá dentro de dias da tipografia. Divulgamos hoje, depois da pré-publicação do editorial, um trabalho da nossa associada Isaura Reis, do concelho do Fundão, que vai sair neste número da revista: 


CARVALHAL – BALDIO DO POVO DO SOUTO DA CASA

Mesmo antes de Portugal ser nação, existem referências acerca da existência de áreas de terreno incultas que as populações de uma determinada comunidade usavam – por direito formado pelos usos e costumes, defendido pela luta popular – para pastar os gados, recolher lenha, colocar colmeias, produzir ou apenas recolher cogumelos, numa infindável gama de tarefas que complementavam ou garantiam o rendimento dos vários elementos de uma comunidade.

Eram os baldios de que os povos usufruíam para minorar a sua quase-escravidão. Presentes em muitas freguesias serranas, os baldios constituíram a base da vida dos rurais e das suas famílias.

Mas poderá perguntar-se por que razão os grandes senhores da terra permitiam a existência destes baldios? A resposta é simples: “para poderem continuar a pagar magríssimas jornas e para manterem condições de quase escravatura nos foros e outras formas de «arrendamento rural»”. De facto, os grandes proprietários toleraram que os povos complementassem os seus parcos rendimentos com o usufruto dos baldios, ainda que esse seu interesse fosse contraditório com o desejo de alargar as suas propriedades. E, por isso, em várias situações se apropriaram de largas parcelas desses baldios, processo em que sempre contaram com o apoio do poder e a resistência das populações.

A história da evolução dos baldios é, assim, feita da “luta entre as populações que reclamavam o direito ao seu uso e o defendiam com as forças que tinham, e o poder que, cedendo amiúde aos interesses da nobreza ou da burguesia rural, ia alienando milhares de hectares baldios, em prejuízo das primeiras”. As populações perderam pastos para milhares de cabeças de gado, estrumes para as suas terras, lenhas para se aquecerem, meios de sustento. Mas não foi sem resistência que este processo se desenrolou.

O caso que aqui se traz é o do Baldio do Souto da Casa, o Carvalhal, em plena Serra da Gardunha. Retomando o ano de 1615, encontramos registo de que no lugar do Souto da Casa «há um Carvalhal que serve de moita, souto, mato e lenha, para abegoaria e também serve de malhada da boiada e das coimas que se fazem nele tem el rei uma parte e o concelho outra e os coimeiros outra, o qual terá em cumprido e largo meia légua, e parte de uma banda com São Vicente da Beira e com o termo de Castelo Novo». Ora, este chão de cerca de 600 hectares, fruído pelo povo do Souto da Casa, sempre foi alvo de muita cobiça por parte dos senhores absolutos.

Em 1793, o povo viu-se obrigado a defender a sua antiga posse, foro e uso. Na petição à rainha D Maria I, é dito pelo procurador do povo que «tendo comprado há mais de 400 anos uma grande mata com perfeita comunhão e liberdade geral para todos ali cortarem lenhas, madeiras e pascentarem seus gados, sem que ao concelho municipal pertença algum acto ou consequência de domínio ou posse», se possa intrometer ou perturbar o seu uso comunitário. Face aos fundamentos da argumentação e depois de muita inquirição, a petição do povo foi deferida.

Porém, vencida esta contenda, outra se seguiu no ano de 1890.

Diz a história que, no baldio do Carvalhal, a família Garrett explorava as pastagens, a Irmandade do Santíssimo as castanhas, e o povo detinha o cultivo da terra. Mas, certo dia, o rico proprietário incumbiu o seu feitor, António Antunes Àquem, de ocupar todos os terrenos e não deixar que o povo os cultivasse. Então, os sinos tocaram a rebate, o povo juntou se, subiu à serra, lutou e venceu.

No dia 12 de Fevereiro de 1890, com muitos tiros à mistura, tumultos e sinos a rebate, o povo juntou-se dirigindo-se ao Carvalhal, e aí fizeram ver ao feitor que a terra pertencia a quem a amanhava e nunca à Casa Garrett. Enraivecido com a ousadia do povo e dado por não satisfeito, o feitor voltou ao Carvalhal no dia 26, acompanhado de testemunhas legais com o objetivo de intimidar o povo com a justiça e a força. Acontece que, enquanto isto, um popular, em correria acelerada, veio à aldeia avisar do sucedido e os ânimos exaltaram-se quando, pela segunda vez, o sino tocou a rebate.

Com palavras de ordem e determinados, obrigaram o feitor a cortar um reboleiro e carregar com ele às costas até ao povoado. Foram 4 quilómetros em que o povo inquiria: de quem é o Carvalhal? O feitor respondia: é do senhor Garrett. O povo não queria tal resposta e em nada aliviava o carrego que o feitor transportava. Novamente inquirido, acabou por responder: O Carvalhal é vosso! Mas o povo retorquia: Nada disso! É então, já dentro da povoação, que o povo volta a inquirir: De quem é o Carvalhal? E o feitor, vencido, respondeu: É nosso!

Passaram 132 anos, já não se repartem as glebas, mas em todas as manhãs de Quarta-Feira de Cinzas é lançado um foguete e o povo do Souto da Casa sobe à serra para renovar a memória, fazer a festa e gritar: De quem é o Carvalhal? É nosso!

Isaura Reis

domingo, 30 de outubro de 2022

Até sempre, Maria Eugénia









A doença, cruel e implacável, levou-nos a Maria Eugénia Gomes neste dia 14 de outubro de 2022.

Foi fundadora e dirigente ativa da associação ALDRABA, desde 2005. Preferindo o recato, os bastidores, integrava diversas outras associações em que primava pelo bem fazer, pelo melhor património (as pessoas) e pela memória dos objetos biográficos.

Foi muito amada por todos aqueles que com ela se cruzaram, além da extremosa dedicação aos familiares.

Nestes dias tristes, em que nos despedimos da sua fugaz viagem pelo planeta onde nos encontrámos, as inúmeras coroas de flores falaram pelos que se sentiram mais pobres com a sua ausência. Vimos muitos jovens que com ela colaboraram no associativismo popular a chorar pela perda insubstituível.

Maria Eugénia. Um rosal de palavras é pouco para coroar a tua grandeza.

Que fica nos nossos corações enquanto vivermos com o teu sorriso dentro de nós.

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Está no prelo o n.º 32 da revista ALDRABA


 













O n.º 32, de outubro de 2022, da revista da nossa Associação, encontra-se na gráfica para edição, e espera-se que fique concluído muito em breve.

Aqui se divulga, em pré-publicação, o seu editorial:

TRADIÇÕES RE/INVENTADAS

No meio de uma nação decadente, mas rica de tradições, o mister de recordar o passado é uma espécie de magistratura moral, é uma espécie de sacerdócio. Exercitem-no os que podem e sabem; porque não o fazer é um crime.

Alexandre Herculano, in “O Bobo” (editado pela primeira vez em 1843).

Não há muito tempo, li um artigo on-line em que se afirmava que a missão dos criadores actuais “não é estragar a integridade da história, mas remetê-la para uma modernidade criativa”. Significa isto que os conceitos estéticos, as peças ou produtos dos novos criativos podem não primar pela completa originalidade, procurando antes a raiz do que é português, inspirando-se no que já existe, no que faz parte de um património colectivo – as nossas tradições.

Com efeito, os símbolos e tradições portuguesas que, há alguns anos, eram considerados ultrapassados têm vindo a adquirir uma nova aura – uma espécie de estilo retro-chique que passou a ser valorizado e apreciado por muitos. Recorde-se as lojas de produtos classificados como “vintage” – peças que se tornaram importantes e substancialmente encarecidas e que, não há muito tempo, eram perfeitamente dispensáveis. Atente-se no “novo” design do mobiliário de interiores que transporta os modelos das salas de estar dos anos 60 e 70, do século XX, para a actualidade. Veja-se o caso da loja “Vida Portuguesa” que alcançou grande sucesso. Os símbolos portugueses foram recriados - evidenciam-se as marcas do século passado. Não obstante as vibrantes embalagens parecerem acabadas de sair da gráfica - os produtos, as cores, o design são um apelo constante às nossas emoções e aos nossos lugares de memória.

Os processos de redescoberta e de reinvenção das tradições nada terão de negativo se não constituírem uma apropriação abusiva e pouco preocupada com a identificação da sua origem, da sua genuinidade e da sua matriz cultural.

Há tradições que se mantêm, que persistem no tempo sem alterações, outras que se renovam mantendo a matriz. As ligadas ao Carnaval, como os Caretos de Podence, que não revelam alterações de assinalar, a Procissão da Senhora da Saúde, que se realiza desde o século XVI, e que comporta pequenas e pouco relevantes alterações como a integração da Guarda Nacional Republicana, ou a incorporação de outras figuras como Santa Bárbara e Santo António, ou ainda os arraiais dos Santos Populares de Lisboa que têm vindo, ao longo do tempo, a integrar elementos diversos, como os tipos de bebidas consumidas - o vinho foi substituído por cerveja, caipirinhas ou mojitos, bem como o estilo de música - as tradicionais marchas foram substituídas pela designada música “pimba”.

Outras há que nem que nem sequer são tradições – são deturpações, jogadas de marketing, meras invenções com intuitos economicistas que são apresentadas e impingidas ao turismo como tradições verdadeiras e genuínas. O aberrante caso da loja da Rua Augusta, decorada com brasões de poliuretano a imitar bronze antigo e cartazes de mau gosto que anunciam a um preço indecente, como especialidade da nossa tradição gastronómica, o pastel de bacalhau com queijo da serra, é um exemplo. Maria de Lourdes Modesto, nome relevante da história da gastronomia portuguesa, classificou este produto como uma “obscenidade”.

Outro caso de abusivo aproveitamento da tradição conserveira é “O Mundo Fantástico da Sardinha Portuguesa” em pleno Rossio, cuja loja se assemelha a uma feira integrando um carrocel de imitação francesa e onde as varinas de Lisboa foram substituídas por majoretes.

As tradições fazem parte do nosso património colectivo – são forma de estar e sentir – são a nossa marca distintiva enquanto portugueses. Pena é que muitas vezes sejam, de forma arbitrária, transformadas, desrespeitadas e adulteradas.

Sejam genuínas ou inventadas, de acordo com os conceitos de Hobsbawm, Portugal é um país de grande riqueza no que respeita a tradições. Cabe a todos nós, enquanto povo, reconhecê-las, respeitá-las e defendê-las. No fundo, se estivermos atentos, todos podemos e sabemos fazer o exercício de recordar e valorizar o passado, como nos aconselha o grande historiador.

Webgrafia

https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/82675/2/117565.pdf

https://www.comumonline.com/2015/04/tradicoes-reinventadas/

https://visitar.lisboa.pt/tradicao/procissoes/nossa-senhora-da-saude

https://www.pasteldebacalhau.pt/

https://www.casalmisterio.com/ja-provamos-o-novo-pastel-de-bacalhau-280407

https://observador.pt/2015/06/15/obscenidade-maria-lourdes-modesto-nao-quer-pastel-bacalhau-metido-queijo-da-serra/


Ana Isabel Veiga

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Ribeiro Santos assassinado há 50 anos


 












José António Ribeiro Santos, na altura estudante de Direito, foi morto a tiro por um agente da PIDE/DGS no dia 12 de outubro de 1972, durante um "meeting" contra a repressão que decorria nas instalações do Instituto Superior de Economia e Gestão, em Lisboa.

Ribeiro Santos era conhecido na academia de Lisboa como ativista corajoso na resistência às prepotências do Governo sobre os estudantes, designadamente contra a violência física exercida em várias escolas pelos chamados gorilas - elementos de segurança recrutados entre coman- dos destacados na guerra colonial, destinados a espancar e entregar à polícia quaisquer alunos que tentassem as menores movimentações no interior da Universidade.

A morte cruel do Ribeiro Santos foi um detonador de reações maciças de protesto em toda a cidade de Lisboa, e inseriu-se no crescendo da crise aguda do regime fascista que viria a culminar 18 meses depois no 25 de abril de 1974.

A ALDRABA, amante da liberdade e que deve também a sua existência à longa luta de tantos portugueses contra a opressão e o obscurantismo, verga-se respeitosamente à memória e ao exemplo deste jovem mártir, no 50º aniversário da sua morte.

JAF 

sexta-feira, 30 de setembro de 2022

"Os Combatentes" fazem hoje 116 anos


 






O Grupo Dramático e Escolar "Os Combatentes", coletividade de cultura, recreio e desporto da freguesia da Estrela em Lisboa, foi fundado em 30 de setembro de 1906, pelo que completa hoje a bonita soma de 116 anos de vida.

A Associação Aldraba, que celebrou em 28.4.2007 um protocolo de cooperação com o GDEC, tem realizado diversas das suas atividades nas instalações dessa coletividade e tem vários associados em comum com ela.

Felicitamos pois os "Combatentes" pelo seu aniversário, desejamos-lhe fraternalmente uma longa e frutuosa vida futura, e associamo-nos à gratidão dos moradores da zona pelo rico trabalho cultural e de animação até agora desenvolvido.

Por último, divulgamos e apelamos à participação nos eventos comemorativos que se vão realizar ao longo deste mês de outubro (inscrições telefónicas pelo TM 96 517 17 64):

- 1 outº: almoço de aniversário;

- 8 outº: torneio de futsal;

- 15 outº: representação da comédia "O milagre acontece";

- 23 outº: excursão ao mosteiro de Alcobaça;

- 29 outº: noite de fados.


Vivam os "Combatentes"!

Viva o associativismo popular!

JAF

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Os Chocalhos voltam a Alpedrinha










Vencendo a interrupção da pandemia, os Chocalhos - Festival da Transumância voltaram a Alpedrinha em 16/18set.2022, com muito do vigor antigo, que importa agora recuperar e recriar.

Os bombos, as gaitas de foles, as tasquinhas, os espetáculos musicais e a afluência de muitos visitantes animaram de novo as ruas, as praças e os terreiros da vila, bem como as exposições de gado e outros animais.

Na bela Capela do Leão, foi apresentada com muito brilho a última produção literária do nosso Luís Filipe Maçarico, concretamente o seu livro de poesia "Versos do Caminhante", enquadrado por representantes da Câmara Municipal do Fundão e da Junta de Freguesia de Alpedrinha.

A apresentação do conteúdo do livro foi assegurada pela amiga alpetriniense, e associada da Aldraba, Paula Lucas da Silva.

JAF 
 


terça-feira, 13 de setembro de 2022

O acervo documental da Aldraba (25): Arqueologia

 









No dizer da Wikipédia, a arqueologia é a ciência que estuda as culturas e os modos de vida das diferentes sociedades humanas a partir da análise de objetos materiais.  É uma ciência social que estuda as sociedades através das materialidades produzidas pelos seres humanos sem limites de caráter cronológico, sejam estes móveis ou imóveis.

Ao longo da existência da sua revista semestral, a ALDRABA tem vindo a publicar trabalhos dos associados na área da arqueologia, como sejam quatro cartoons muito tóxicos do nosso conceituado associado e desenhador Luís Afonso, um texto do associado e antropólogo Luís Maçarico, e três artigos do arqueólogo nosso associado Marco Valente.

Aqui ficam as referências desses trabalhos, para os nossos amigos interessados em aceder a alguns destes trabalhos e que se manifestem nesse sentido através do endereço aldraba@gmail.com, aos quais garantimos o envio eletrónico de cópia dos textos em causa. É igualmente possível, para quem o solicitar pela mesma via, combinar-se o envio postal do ou dos números da revista em que foram publicados os referidos documentos:

 

ARQUEOLOGIA

Luís Afonso, “Dom Afonso Henriques”, nº 2 (Nov.2006), verso da capa

Luís Afonso, “Gravuras rupestres”, nº 10 (Jul.2011), verso da capa

Luís Afonso, “Gravuras rupestres do Alqueva”, nº 19 (Abr.2016), verso da capa

Luís Afonso, “Talibans”, nº 3 (Jun.2007), verso da capa

Luís Filipe Maçarico, “Rocha Peixoto e Leite de Vasconcelos”, nº 8 (Dez.2009), p.2

Marco Valente, “Caminhos da arte rupestre – entre Beja e Olivença”, nº 19 (Abr.2016), p.7

Marco Valente, “Ética e deontologia em arqueologia como retorno para a comunidade”, nº 16 (Out.2014), p.2

Marco Valente, “Velhas lendas do Castro dos Ratinhos (Moura)”, nº 23 (Abr.2018), p.12

 

JAF

quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Alentejo


 







O associado da ALDRABA Carlos Teófilo Rodrigues publicou recentemente um pequeno e sugestivo livro de poesia. O livro é intitulado "Maçã Camoesa", e é dedicado à mãe do Carlos que, quando a família viveu em Angola, foi ali designada carinhosamente por outros portugueses com esse nome silvestre.

Reproduz-se de seguida um poema do "Maçã Camoesa":


Alentejo


o azul do mar na lista horizontal pintada nos muros do casario

o branco da cal na paisagem deserta


o mar na aldeia

mar deserto

de ondas batendo no silêncio

numa rebentação de insetos zumbindo


o chilreio dos pássaros

o estridular de grilos e cigarras na noite quente


ao longe o sino na torre da igreja

marcador de horas lembrando a solidão

suicídios passados, enforcamentos e afogamentos

de velhos e de novos


em noites de céu limpo

num universo estrelado

guiando as memórias dos homens

habitam rostos marcados pelo sofrimento

do trabalho sob sol implacável


rugas de barro seco, fragmentado

como solo desertificado


o azul não se encontra nos seus olhos

onde residem juntas a azeitona e a cortiça


o azul do mar na lista horizontal pintada nos muros do casario

o branco da cal na paisagem deserta


Carlos Teófilo (2022), "Maçã Camoesa"



quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Festas populares no país ao longo do mês de agosto



Socorrendo-nos, com a devida vénia, do levantamento de Pedro Manuel Magalhães publicado no diário Público no passado dia 8 de agosto de 2022, junta-se o inventário de algumas das principais festas populares que animam o território português durante o corrente mês de agosto:

- Em Bragança, a Festa da História, de 12 a 15 de agosto, evocando a retoma da cidade aos espanhóis em 1371, com música, teatro, esgrima medieval e cortejos;

- Também em Bragança, de 18 a 22, as Festas de Bragança, culminando com a procissão em honra de Nª Srª das Graças;

- Em Viana do Castelo, de 17 a 21, a Romaria da Srª da Agonia, com o desfile da mordomia, a revista de gigantones e cabeçudos, um cortejo histórico-etnográfico e uma feira de artesanato;

- Em Lamego, de 25 de agosto até 9 de setembro, as Festas de Nª Srª dos Remédios, com concertos, arruadas, eventos desportivos e a Procissão do Triunfo;

- Em Viseu, de 4 de agosto até 21 de setembro, a Feira de S. Mateus, com concertos, desfiles, uma feira de artesanato e mostra de produtos regionais;

- Em Alcochete, de 12 a 16, as Festas do Barrete Verde e das Salinas, com largadas e corridas de touros, bailes e concertos;

- No Funchal, de 14 a 15, as Festas da Nª Srª do Monte, com corredores de flores, animação de rua, especialidades gastronómicas e procissão no último dia.

JAF



domingo, 7 de agosto de 2022

O acervo documental da Aldraba (24): Os ex-votos


 

A expressão “ex-voto advém do latim “por força de uma promessa, de um voto” e constitui a abreviação de “ex-voto suscepto”, isto é, o voto realizado. 

O “ex-voto”é o presente dado pelo fiel ao seu santo de devoção em consagração, renovação ou agradecimento de uma promessa. As expressões votivas são tradicionalmente reconhecidas sob as formas de pinturas ou desenhos, figuras esculpidas em madeira, modeladas em argila ou moldadas em cera, muitas vezes representando partes do corpo que estavam adoecidas e foram curadas.

Comummente são representados como placas com inscrições, manuscritos em papel ou como objetos de uso quotidiano, ressignificados no contexto religioso. Podem, ainda, substituir a representação física por atos, interdições, obrigações, sacrifícios pessoais, falas, gestos ou ritos, vindo sempre a apresentar formas e valores litúrgicos dos mais variados. São colocados em igrejas, capelas, estátuas, cemitérios e cruzeiros, para pagar promessas, agradecer uma graça alcançada, consagrar ou renovar um pacto de fé. O advento da oferta votiva abre ou fecha um ciclo transacional que se imagina tão antigo quanto a própria existência humana. Trata-se de uma expressão moderna da relação entre o frágil mundo dos homens e o inexorável mundo dos deuses. É uma relação cujo modelo estrutural se mantém semelhante em diferentes matrizes religiosas, desde a Antiguidade.

O ex-voto tem de ser produzido ou executado. O ex-voto expressa, artística e ritualmente, uma prática observada em todas as épocas e culturas. Podemos estar a falar das produções agrárias, onde se entregam as primícias, os animais e as colheitas, ou da execução de um objeto propositado em materiais diversos, cera, madeira, açúcar, tecidos, etc.

A promessa é uma relação entre o crente e Deus. Expressões como “fiz uma promessa”, “vou pagar uma promessa” ou “já paguei a minha promessa” são comuns. Para os investigadores, é designada de voto. Os ex-votos, segundo João Soalheiro, na tradição portuguesa do catolicismo, podem agrupar-se em três tipologias: simbólicos, narrativos e de paramento. No primeiro grupo, incluem-se objetos anatómicos e zoomórficos; no segundo, os objetos que narram uma situação concreta, seja pela imagem ou pelo texto; e no terceiro núcleo engloba-se um conjunto vasto de objetos e utensílios que se destinam ao uso cultual.

A revista ALDRABA publicou, em dois nºs distintos, os seguintes artigos sobre esta temática:

Hélio Nuno Soares, “As capas do Senhor Santo Cristo de Ponta Delgada como ex-votos”, n.º 31 (Abr.2022), p.17

J. Fernando Reis de Oliveira, “Rocha Peixoto: o etnógrafo estudioso dos ‘ex-votos’”, n.º 24 (Out.2018), p.15


A todos os interessados em aceder a alguns destes artigos e que se manifestem nesse sentido através do endereço aldraba@gmail.com, garantimos o envio eletrónico de cópia dos textos em causa. É igualmente possível, para quem o solicitar pela mesma via, combinar-se o envio postal do ou dos números da revista em que foram publicados os referidos artigos.

JAF

domingo, 31 de julho de 2022

"Aldrabas e Batentes" em Vilarelhos-Bragança no fim de semana 29/31.7.2022








PAN 2022 - Festival e Encontro Transfronteiriço de Poesia, Património e Arte de Vanguarda em Meio Rural

A edição de Vilarelhos a decorrer em 29, 30 e 31 de Julho de 2022

Ali apresentámos a nossa nova exposição “Aldrabas e Batentes”, que tinha sido estreada duas semanas antes em Morille, na edição espanhola do PAN 2022.

Os nossos associados João Coelho e Luís Maçarico apresentaram no festival os seus mais recentes trabalhos etnográficos e poéticos.

A também nossa associada Laurinda Figueiras trouxe de Viana do Castelo as suas preciosidades de "Vestuário Tradicional".

MEG