Que se pode dizer quando morre um sábio?
Que joeiramos no garimpo do ouro das palavras, dessas
que Ernesto Sábato dizia ser preciso cavar fundo se quisermos descobri-las,
para fazermos "a narrativa de um homem", como Manuel Louzã Henriques?
É essa perplexidade que me assalta quando a notícia da
sua morte chega, dizendo que terminara a sua agonia hospitalar dos últimos
dias.
Ninguém, como ele, sabia navegar no mar das palavras,
fazendo da conversa uma arte sublime.
Ninguém, como ele, tomava o fio da fala projectando o
conhecimento e o pensamento como actos superiores de dignidade e de libertação.
Ninguém, como ele, na peugada de Jorge Dias, Leite de
Vasconcelos, Ernesto Veiga de Oliveira ou Michel Giacometti, sabia ouvir os
outros.
Ninguém, como ele, sabia as confluências da cultura
erudita e da cultura tradicional, do sangue arterial que corria entre elas, e
de como uma era tributária da outra.
(Um dia,
ouvi-lhe dizer que aquela mulher franzina que se chamava Catarina Chitas, bodeira
e camponesa, analfabeta, exímia tocadora de adufe e poeta, era “um monumento enorme
da cultura portuguesa”)
Ninguém, como ele, nunca abdicando da coerência das ideias (comunista,
cidadão republicano) fazia da exigência de deixarmos um mundo melhor aos que
vierem depois de nós, uma prática quotidiana, que ele pregava à boa paz da
tolerância. O que se aprendia com ele!
Estou a vê-lo -- é essa imagem que quero reter – com o mar revolto dos seus
cabelos, o seu olhar vivíssimo, os gestos largos nas mãos, a explicar as coisas
num discurso que fluía e parecia interminável, que o Ti Manel (como lhe
chamávamos afectuosamente) sabia tecer a pedagogia da realidade relacionando
ideias, acontecimentos, figuras, rostos.
Todos nós que tivemos o privilégio de ouvir muitas vezes, aprendendo
sempre, aprendendo, guardamos essa riqueza no bornal da memória, lembrando
sempre o fascínio de termos convivido com um sábio.
Fernando Paulouro Neves
Sábias palavras para falar de um homem sábio!
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