terça-feira, 23 de abril de 2024

MULHERES BEM-COMPORTADAS RARAMENTE FAZEM HISTÓRIA












Pré-publicação do editorial do n.º 35 da revista ALDRABA, que se encontra no prelo:

A Aldraba nasceu há 19 anos, no dia 25 de Abril, no regaço da Revolução de 1974 que agora comemora os seus 50 anos!

Quero hoje lembrar as sábias palavras da nossa querida e saudosa dirigente Maria do Céu Ramos que, em abril de 2014, neste mesmo espaço, escreveu sobre o papel da Aldraba: “Só preservamos o que conhecemos e amamos. O nosso contributo para o desenvolvimento é este”. Sendo a nossa matriz a preservação da memória, registe-se então um breve apontamento sobre Mulheres.

Como alguém disse: “Mulheres bem-comportadas raramente fazem história”.

Em 1975, decorria o Ano Internacional da Mulher, um pequeno grupo de mulheres organizou uma intervenção pública feminista. Pretendiam as autoras, simbolicamente, demonstrar o que sentiam ser o lugar atribuído às mulheres na sociedade portuguesa ainda nessa data. Uma sociedade vista como profundamente redutora, de um conservadorismo há muito ultrapassado em quase todo o ocidente e até mesmo nas capitais das ex-colónias.

Viviam-se tempos de grande fervor revolucionário. Tudo era questionado: a paz, a educação, a saúde, a habitação, a economia. Tudo. Tudo, menos a condição da mulher portuguesa e qual o seu lugar na nova sociedade saída da Revolução.

Como se veio a provar, a sociedade portuguesa não parecia estar ainda preparada para este embate e, por muito tempo, permaneceu machista, ultraconservadora e profundamente opressora no que às mulheres diz respeito.

Esta intervenção pública, que decorreu a 13 de janeiro (quase um ano após o 25 de Abril e do extraordinário julgamento das 3 Marias), marcará tristemente o percurso da Revolução dos Cravos. Um desfecho humilhante e traumático para tão corajosa ação.

Resumidamente, um restrito grupo de mulheres, algumas com os filhos pequenos pela mão, dirigiu-se ao Parque Eduardo VII no intuito de realizar uma simbólica ação performativa.

Algumas, munidas de cartazes, outras caracterizadas com visuais estereotipados: vamp, enfermeira, professora, doméstica, noiva... queriam, no espaço público, denunciar o papel que lhes cabia na sociedade: ser filhas obedientes, castas noivas, esposas dedicadas, trabalhadoras abnegadas ou mulheres fatais, em suma, cuidadoras atentas, pacientes, dóceis e, sempre, submissas ao homem. 

O final da performance, que não chegou a acontecer, culminaria na destruição da coisificação que as agrilhoava, símbolos simples, mas comuns e entendíveis por todos, como por exemplo, aventais, revistas pornográficas e até o próprio Código Civil. Mas acabou por ser “um desastre”. No local encontravam-se mais de dois mil homens à espera.
 Todas foram aviltadas, ofendidas verbal e fisicamente. Todas não... a noiva ficou incólume!

Lembro bem este acontecimento, apesar dos meus cinco anos. Um pai de três meninas pequenas chegou a casa no final desse dia, cheio de soberba (teria participado também?), a relatar o sucedido. Não precisamos exatamente quais as palavras, mas ficou a pairar a ameaça: “tiveram o que pediram”. Era este homem de esquerda e profundamente empenhado na ação revolucionária. “Tinha acontecido o 25 de Abril, mas a mentalidade não tinha mudado”.

Muito foi conquistado desde então. As mulheres têm sabido exigir o seu lugar na sociedade e na vida, a distância na paridade de géneros é vertiginosamente menor e, contudo, ainda significativamente acentuada.

Os atuais números sobre a violência exercida sobre as meninas e mulheres são reveladores de que ainda há muito caminho a percorrer. Prova disso é o mito que teima em prevalecer sobre este triste episódio e que ainda hoje é lembrado como o dia em que as mulheres foram para o Parque Eduardo VII “queimar sutiãs”!

Escrevo este texto e não me sai da cabeça que uma “Mulher na Democracia não é biombo de sala”, o refrão do cantautor que, entre tantos que me acompanham, soube tão bem expressar o amor à liberdade.

Saímos há poucos dias de umas eleições legislativas em que o escrutínio do povo foi expressivo de mudança para um retrocesso que já parece evidente. Após a revisão em 2019 da Lei da Paridade, que fixou em 40% a percentagem mínima na Assembleia da República para cada um dos sexos nas listas eleitorais, em 2024 apenas 76 mulheres, 33,0%, ocupam os 230 mandatos atribuídos (em 2022 tinham sido eleitas 85 deputadas, representando 36,9% do Parlamento).

Hoje, tal como antes, existem avanços e recuos aos direitos conquistados. Nunca como agora a nossa Constituição de 1976 deve ser protegida, defendida e cumprida.

Viva o 25 de Abril... Sempre!

Marta Barata



terça-feira, 26 de março de 2024

Comemorámos o Dia Mundial da Poesia na Casa de Tondela

No passado dia 22 de março de 2024, a associação ALDRABA comemorou o Dia da Poesia na Casa do Concelho de Tondela.

Um fim de tarde e noite muito animados e calorosos, em que se reuniram cerca de 20 participantes, primeiro numa sessão de declamação de poesia e depois num ótimo jantar-tertúlia (o 37.º).

Leram poemas de sua autoria os nossos associados Miguel Coelho, Luís Fernandes, Jorge Almeida, João Coelho e Luís Maçarico, e o amigo Fernando Duarte, a que se juntaram, lendo poemas de autores da sua escolha, os associados Nuno Silveira, Margarida Vicente e José Alberto Franco. Uma partilha muito afetiva e muito bela!

O jantar delicioso, composto por entradas típicas, sopa de peixe, lombo de porco assado com arroz e salada, e pudim, foi servido à mesa pelo incansável presidente da Casa de Tondela (e nosso associado também) Elísio Chaves, e por outros voluntários.

Um convívio inesquecível e um elevado exercício cultural, que deixou a todos grande vontade de reedições idênticas.

JAF (fotos de Marta Barata)

segunda-feira, 18 de março de 2024

37.º Jantar-tertúlia na Casa do Concelho de Tondela, próx. 6ªfeira, 22.3.2024, 20 h


A Aldraba vai voltar a ter um jantar-tertúlia na Casa do Concelho de Tondela, na próxima 6ª feira, dia 22.mar.2024, a partir das 20 horas (na sequência da sessão de poesia que se realiza no mesmo dia e local às 18h30).

Recorda-se que a Casa de Tondela fica em Campolide, na Rua Miguel Torga 21 Loja A, 1070-183 Lisboa.

Tal como em 2016, seremos recebidos pelo presidente Elísio Chaves, nosso amigo e agora também associado da Aldraba.

A refeição será composta por sopa de peixe, lombo de porco assado com arroz, vinho, sobremesa e café, ao preço único de 12,5€ (digestivos ou outras bebidas pagos à parte).

Os interessados em participar devem manifestá-lo para o e-mail aldraba@gmail.com até 5ª feira, 21 de março.

JAF

sábado, 16 de março de 2024

ALDRABA assinala o Dia Mundial da Poesia com uma sessão em 22.3.2024 na Casa de Tondela

Em 21 de março, comemora-se o Dia Mundial da Poesia, criado em 1999 pela UNESCO para “promover a leitura, escrita, publicação e ensino da poesia através do mundo”.

A associação ALDRABA sempre, desde 2005, dedicou grande atenção a todas as formas de expressão poética.

Este ano, vamos realizar no dia subsequente (6.ª feira, dia 22 de março de 2024) uma sessão de poesia com os nossos associados e amigos, sejam aqueles que produzem poesia, sejam os que a apreciam e cultivam.

Convidamos todos a comparecerem e a participarem – pela leitura de poemas próprios ou de outros autores – nesta sessão, que vai ter lugar a partir das 18h30 , na Casa do Concelho de Tondela em Lisboa, sita na Rua Miguel Torga 21 Loja A, 1070-183 Lisboa, em Campolide (Telefone 21 383 05 99).

Nas próprias instalações da Casa de Tondela, depois da sessão de poesia, teremos um jantar de confraternização (ver post autónomo).

JAF

domingo, 3 de março de 2024

Excelente visita à exposição sobre Gil Vicente em 2.3.2024






Numa tarde de inverno impiedoso, 15 participantes da associação Aldraba puderam apreciar e disfrutar da exposição sobre a obra de Gil Vicente que está a ser exibida no Museu Nacional do Teatro e da Dança.

Tivemos o privilégio de ser guiados pela técnica Dr.ª Olga Monteiro, com um conhecimento profundo da obra deste gigante da cultura portuguesa, e com uma enorme facilidade de comunicação, permitindo-nos entender de forma muito viva o significado e o alcance do rico acervo da exposição.

O nosso vivo agradecimento pelo trabalho que foi partilhado connosco.

JAF 

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

15ª visita a espaços de interesse para o património - Exposição "Gil Vicente - Portugal e Espanha nos primórdios do teatro europeu", sábado, 2.3.2024, às 16h30, no Museu Nacional do Teatro e da Dança (Lumiar, Lisboa)


 








Desafiamos desta vez os nossos amigos e associados a uma visita à imperdível exposição que está a ser exibida no Museu Nacional do Teatro e da Dança, sito na Estrada do Lumiar, 10, em Lisboa (perto da igreja e do cemitério do Lumiar, com o telef. 21 756 7410).

A visita inicia-se às 16h30 do sábado 2 de março próximo, e seremos recebidos e guiados pela Dr.ª Olga Monteiro, do Serviço Educativo do Museu. Não é necessária inscrição prévia, havendo lugar ao pagamento de uma entrada de 5€, com redução para 2,5€ para pessoas com mais de 65 anos.

Iremos conhecer “a maior exposição até hoje realizada em torno de Gil Vicente”, que apresenta mais de 450 peças - livros, figurinos, trajes de cena, adereços, desenhos e maquetes 3D de cenários, marionetas, pinturas, cartazes, mapas, fotografias, vídeos, instrumentos musicais e outros objetos - provenientes de diversas instituições culturais e companhias de teatro, portuguesas e espanholas, que nos levam numa viagem do séc. XVI até hoje, revisitando a história do espetáculo em Portugal nos últimos 150 anos.

Segundo o diretor do museu, Nuno Costa Moura, a exposição nasceu de uma ideia da Associação Portuguesa de Cenografia e que foi pensada em partilha de acervos entre o museu português e o seu congénere espanhol, o Museo Nacional del Teatro.

Vamos poder ver nesta exposição, por exemplo, peças que pertencem ao espólio da extinta companhia Cornucópia, de Luís Miguel Cintra, que representou por diversas vezes autos de Gil Vicente. Além de trajes de cena, adereços, figurinos, maquetes de cenários ou fotografias e vídeos das peças, a exposição mostra também alguns “tesouros”, como a compilação de 1562 e a de 1586, uma do Palácio Nacional de Mafra e outra da Biblioteca Nacional, e também desenhos de Almada Negreiros para “Auto da Alma”, que o artista apresentou em 1965, bem como outros objetos de cena, cartazes, instrumentos musicais e outros objetos.

“Passados 500 anos, Gil Vicente ainda desperta o interesse coletivo, refletido na diversidade de artistas que têm trabalhado a sua obra - da Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro ao Teatro Praga, do Teatro da Cornucópia às revistas à portuguesa de Eugénio Salvador - fazendo dele o dramaturgo mais representado em Portugal”, indica o museu.

A mostra, que ocupa dois pisos do Museu Nacional do Teatro e da Dança e os jardins, reúne peças de museus como o Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo, o Museu Nacional de Arqueologia, o Palácio Nacional de Mafra, o Museu Nacional do Azulejo, o Museu Nacional de Arte Contemporânea ou o Museu Nacional da Música. Há também espólio proveniente dos Teatros Nacionais de S. João e D. Maria II, bem como da Compañía Nacional de Teatro Clásico de Espanha.

Gil Vicente, que terá nascido em 1465 e falecido em 1536, foi um homem de teatro total que, desde o início, se encarregou da conceção e da montagem do espetáculo teatral, escrevendo o texto, distribuindo os papéis, concebendo cenários e máquinas de cena, e compondo música e dança.  Trata-se, indiscutivelmente, da figura mais importante da dramaturgia peninsular do seu tempo.

Não obstante, não surge isolado, resultando como o mais brilhante autor de uma tradição que, com raízes medievais, ganhou impulso decisivo no início do século XVI, quando pontificaram outros dramaturgos como os espanhóis Juan del Encina e Torres Naharro.

Esta exposição enquadra Gil Vicente numa atividade refundadora do teatro ocidental. Na sua obra encontra-se já boa parte dos temas que constituem o Humanismo, base da Europa de hoje. Por isso, passados 500 anos, Gil Vicente ainda desperta o interesse coletivo, refletido na diversidade de artistas que têm trabalhado a sua obra - da Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro ao Teatro Praga, do Teatro da Cornucópia às revistas à portuguesa de Eugénio Salvador - fazendo dele o dramaturgo mais representado em Portugal.

Com esta exposição pretende-se, então, redescobrir o contexto histórico da produção teatral vicentina, ao mesmo tempo que se evidencia a sua pertinência na atualidade e as leituras plurais que a interpretam. 

JAF (texto adaptado do site do MNTD)

sábado, 17 de fevereiro de 2024

22 associados analisaram e votaram documentos contabilísticos e programáticos












A Assembleia Geral ordinária de 2024 da associação Aldraba foi ontem realizada conforme previsto, sob a liderança do respetivo presidente João Coelho (coadjuvado pelo vice-presidente Jorge Branco e pela secretária Lúcia Gonçalves), tendo estado presentes a totalidade dos membros da Direção e do Conselho Fiscal, e ainda um número significativo de outros associados, num total de 22.

Boa participação dos presentes na discussão dos documentos apresentados, o que constituiu um estímulo para a prossecução da nossa atividade. Refira-se que os presentes eram cerca de 1/4 dos atuais associados da Aldraba e cerca de 1/3 dos residentes na área metropolitana de Lisboa; nºs animadores, atendendo ao caráter pouco mobilizador deste tipo de assembleias gerais.

JAF 






 

terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Assembleia Geral ordinária de 2024 na próxima 6ªf, 16.2.2024, 17h30, na Casa do Alentejo



Para discutir e deliberar sobre o Relatório de Atividades e as Contas de 2023, e sobre o Plano de Atividades e Orçamento para 2024, a Assembleia Geral da nossa Associação vai reunir na próxima 6.ªfeira, dia 16 de fevereiro, a partir das 17h30, na Casa do Alentejo em Lisboa.

Nesse mesmo sentido, foi oportunamente enviada convocatória a todos os associados pelo Presidente da MAG, incentivando-os a este ato regular de controle democrático da nossa coletividade.

JAF

domingo, 11 de fevereiro de 2024

Os produtos das nossas avós


Quem tenha agora entre 60 e 70 anos, e fosse no séc. XX das chamadas classes médias, lembrar-se-á de que as suas avós (e mães) usavam certos produtos de cosmética, nacionais, de que que hoje já pouco ou nada se fala, submergidos pela lógica implacável das multinacionais do setor.

Alguns estabelecimentos comerciais dos dias de hoje, e algumas marcas sobreviventes, teimam em continuar a oferecer tais produtos ao público, o que aqui registamos com todo o apreço.

É o caso da drogaria sita na Rua Dom Antão de Almada (muito próximo da Igreja de São Domingos, em Lisboa), cuja montra aqui reproduzimos.

Nela sobressaem o creme Benamor, a pasta dentífrica Couto e o sabonete Musgo, verdadeiras instituições da nossa memória.

Bem hajam!

JAF 







sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

A cozedura do pão e os rituais populares


Com a devida vénia, transcreve-se o magnífico texto que a nossa amiga Natércia Duarte publicou na sua página de facebook há uma semana atrás, e que uma dezena de outros amigos já partilhou, com muito impacto. Um grande abraço da ALDRABA à Natércia.

Quando o pão começava a escassear na arca de madeira, era chegada a hora de ir com a avó a casa da senhora da aldeia que era a encarregada de “dar as vezes”. “A Gisela, a Rosinha e a Maria José são uma vez, a Tonica e a Silvina são outra vez… A comadre Felizarda, só tem vez com a Bia”. Apesar de toda aquela conversa me parecer falada em código, a avó vinha de lá com a marcação do dia e da hora da próxima cozedura no forno comunitário da aldeia.

Na noite anterior ao dia combinado ia buscar a lêveda, o pedacinho de massa da última amassadura, religiosamente guardado no armário, dentro de uma tigela branca enfeitada de raminhos azuis. Misturava-a com um pouco de água e estava preparado o fermento para o futuro pão.

Quando eu abria os olhos para saudar o novo dia, já a minha avó estava sentada na cozinha, de avental branco, a peneirar. A água aquecia na panela de ferro poisada ao lado das brasas que nunca morriam na lareira… A farinha esvoaçava e caía no alguidar em gestos redondos e leves… A água passava da panela ao pucarinho de esmalte azul e derramava-se suavemente na farinha… As mãos da avó dançavam ao som de uma música que só ela ouvia… A massa branca fazia bolhinhas que eu sonhava poder rebentar com os dedos…

No final tirava um bocadinho da massa e colava-o na parede do alguidar. “Tem que crescer até aqui” – explicava-me a avó. Tapava o alguidar com um pano, fazia com a mão o sinal da cruz e murmurava: “Cresça o pão na massa como Nossa Senhora na graça”. Eu verificava que realmente a massa crescia sempre até ao sinal marcado no alguidar e, por isso, concluía que a Nossa Senhora da minha avó devia ser grande conhecedora dos mistérios da massa do pão!

Tendidos os pães, eram aconchegados em camas de lençol branco, nos tabuleiros grandes de madeira e aí ficavam para fintar. As labaredas da lenha de esteva e aloendro já lambiam a boca negra do forno. Depois perdiam o vermelho, desistiam de ser chama para dar o lugar ao pão. Varria-se o chão de ladrilho e a avó fazia um sinal nos seus pães para os reconhecer depois de cozidos. Era eu que escolhia o sinal que podia ser um furinho feito com um pauzinho de esteva descascado, uma cruz ou uma beliscadela.

Com a pá de carregar o pão, e depois de fechada a porta do forno, a avó voltava a fazer o sinal da cruz: “Nosso Senhor te acrescente para dar para muita gente”. Depois esperávamos. As mulheres conversavam. Conversas com cheiro doce de pão, com aroma bravio de esteva ou com sabor amargo de aloendro.

E quando a porta do forno se abria, no meio dos pães grandes havia sempre um pequenino – um merendeiro, como lhe chamava a avó. Ela tirava-o do forno, dava-lhe uma palmadinha como se ele fosse um recém-nascido e dava-mo. Era o meu pão. Eu abria-o, pingava-o de azeite, polvilhava-o de açúcar e ficava ali sentada, mastigando devagar para que aquele sabor, mesmo sem prece divina, ficasse para sempre agarrado à minha boca.

Natércia Duarte

quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Participantes na visita à exposição do Luís Afonso


 

Os que estiveram presentes, mais a Marta Barata, autora da fotografia e do presente post.

terça-feira, 16 de janeiro de 2024

A "Árvore Portuguesa de 2024" é uma camélia-japoneira de Guimarães

 














Tal como o fez em janeiro de 2023 com a Árvore Portuguesa de 2023 (o eucalipto de Contige, Sátão), a Aldraba vem destacar a árvore portuguesa de 2024.

A camélia-japoneira dos jardins centenários da Villa Margaridi, em Guimarães, é a árvore portuguesa deste ano, depois de ter vencido a votação online da 7.ª edição do concurso Árvore Portuguesa do Ano

O exemplar é representante da história portuguesa e das relações comerciais entre Portugal e o Japão, tendo a introdução desta espécie exótica em território nacional ocorrido através dos marinheiros das naus dos Descobrimentos que traziam e levavam sementes de diferentes espécies entre os vários pontos do mundo.

A União da Floresta Mediterrânica – UNAC sublinha ainda que foi agora a vez de uma árvore estritamente ornamental vencer este concurso.

O exemplar foi considerado de interesse público devido ao seu desenho em forma de campânula, com 6,30 metros de diâmetro e 6,15 metros de altura, sendo esta a confirmação de que se trata de um exemplar centenário baseada na construção e manutenção dos jardins desde o final do século XVII e pelo significado paisagístico, enquanto elemento de referência no enquadramento do tanque lavrado situado no terreiro frontal à Casa de Margaride, também ela classificada como monumento de interesse público.

Rita Salgado, arquiteta paisagista da Câmara Municipal de Guimarães, foi a responsável por submeter a candidatura da camélia-japoneira (da espécie Camellia japonica) dos jardins centenários da Villa Margaridi (ou Casa de Margaride) ao concurso Árvore Portuguesa do Ano 2024.

“Escolhi esta camélia pela sua história, pelo seu corte invulgar, pela casa em si e pelos jardins”, conta a arquiteta paisagista. A Casa de Margaride já celebrou mais de mil anos de existência, tendo o atual proprietário continuado o legado, ao cuidar do jardim em questão e das camélias que dele fazem parte – incluindo a recente vencedora do título.

O exemplar que venceu o concurso encontra-se junto à entrada da quinta, perto de um pequeno tanque e de uma parede adornada com várias inscrições e textos sobre os antepassados da quinta. Esta árvore está, portanto, enquadrada num sítio mais cénico – e não dentro do jardim murado que faz parte da casa –, destacando-se pelas formas e pela beleza das flores que agora estão a começar a surgir, acrescenta Rita Salgado. Não fosse, aliás, a camélia uma árvore que tem uma flor de Inverno.

A arquiteta paisagista sublinha ainda que a camélia é uma planta que se adaptou muito bem ao nosso clima, é muito resistente e típica do Minho e do Norte de Portugal. Quase todas as casas e quintas antigas nos seus jardins formais têm camélias.

Neste caso, destaca-se o cuidado e dedicação que o proprietário da Casa de Margaride investiu (e continua a investir) nas suas árvores, salienta Rita Salgado, que diz ter ficado muito contente com o prémio. Acima de tudo, é uma representação de Guimarães e de Portugal na Europa.

A camélia-japoneira de que aqui falamos, destaca o proprietário, “é um exemplar absolutamente icónico da simbiose entre o Homem e a natureza” e trata-se “apenas e só” de “uma árvore simples e singela que floresce no Inverno, numa altura em que tudo parece triste, sombrio, sem folhas, sem luz e sem brilho”.

José Couceiro da Costa, proprietário da Casa de Margaride, conta que a Casa está na sua família desde o início do século XVI e que esta camélia-japoneira é um exemplar multissecular. “Temos uma fotografia desta árvore em Junho de 1912 e a árvore apresenta a mesma volumetria que apresenta hoje. Portanto, já em 1912 a árvore tinha esta copa, este detalhe e esta forma.”

Mas voltemos à questão da simbiose. As camélias, afirma José Couceiro da Costa, podem apresentar duas formas: a sua forma selvagem, de crescimento natural; ou uma silhueta talhada pelos seres humanos. A arte da topiária em Portugal, no século XVIII, diz, seguiu “toda uma dramática discursiva do ponto de vista arquitetónico, que se iniciou em França”, com as árvores a serem talhadas e a ganharem uma forma idealizada pelo ser humano, o que representa a “simbiose entre o verde e o Homem”.

Todos os anos, refere o proprietário da Casa de Margaride, a coleção de 27 camélias centenárias é podada entre a última semana de maio e a primeira semana de junho – algo que acontece há várias gerações. “Só assim conseguimos assegurar a qualidade da sua silhueta, das suas formas, como também um ótimo estado fitossanitário. Portanto, a grande história que esta árvore tem é uma ligação umbilical da árvore e do Homem e do Homem e da árvore”, conclui José Couceiro da Costa, que garante que naquele jardim não se usa um único pesticida, herbicida ou inseticida.

Para concluir, o proprietário da camélia-japoneira vencedora admite ser “daquelas pessoas” que entendem que “o património verde precisa de muito mais proteção do que o património edificado”. “Para destruir a Torre de Belém, o Castelo de Guimarães ou a Domus Municipalis de Bragança é preciso muito tempo, muito esforço e muitos homens. Para se destruir o património verde basta uma atitude irrefletida, uma motosserra e três minutos.”

O segundo lugar do concurso Árvore Portuguesa do Ano 2024 foi atribuído ao Sobreiro do Rei (em Mafra, Lisboa), e o terceiro lugar foi ocupado pela Oliveira do Peso (em Pedrógão, Vidigueira).

Dez árvores estavam a concurso, depois de terem sido selecionadas por um júri constituído pelo economista António Bagão Félix, pelo engenheiro silvicultor Rui Queirós, do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, por Francisco Teotónio Pereira, produtor do programa Faça Chuva ou Faça Sol, e por João Maria Salgado de Goes, diretor da União da Floresta Mediterrânica – UNAC. Foram sugeridas como candidatas a esta edição 44 árvores, de entre as quais foram selecionadas dez, de acordo com critérios biológicos, estéticos, de dimensão e históricos.

No total, foram contabilizados 24.758 votos, o número mais elevado desde que a competição se realiza. O concurso é organizado ao nível nacional pela União da Floresta Mediterrânica – UNAC e ao nível europeu pela Associação de Parceria Ambiental (EPA).

A camélia-japoneira vai agora representar Portugal no concurso Árvore Europeia do Ano de 2024, cujas votações decorrerão online em fevereiro.

JAF (texto condensado do Público)



sábado, 13 de janeiro de 2024

14ª visita a espaços de interesse para o património - Exposição "Ora, faço gravuras...-Cartoons de Luís Afonso", sábado, 20.1.2024, 15h, no Museu Bordalo Pinheiro (Campo Grande, Lisboa)











A Aldraba propõe-se dar continuidade à série de iniciativas designadas "visitas a espaços de interesse para o património", proporcionando aos seus associados e amigos o contacto com realidades relevantes para o nosso património popular e para o património português em geral, que estejam acessíveis em locais fixos. A última atividade, assim considerada, foi a 13ª visita, ao Museu do Dinheiro, em 29.1.2023.

Isto, evidentemente, sem prejuízo de outras iniciativas idênticas, incluídas em programas mais abrangentes, e que por tal motivo não são referenciadas autonomamente (foi o caso, por exemplo, das recentes visitas ao Museu de História Natural e ao Reservatório da Patriarcal, incluídas na nossa 14.ª Rota da Aldraba, "Da Escola Politécnica a S. Pedro de Alcântara", em 16.12.2023). 

                                                                       *   *   *

Desafiamos-vos, desta vez, a uma visita à exposição que tem estado patente no Museu Bordalo Pinheiro, sito no Campo Grande, 245, 1700-091 Lisboa (junto à Universidade Lusófona, com o telef. 21 751 32 00), desde 26 de outubro de 2023.

O cartoonista português, conhecido autor de Bartoon (Público) e de Barba e Cabelo (A Bola), trouxe até ao Museu Bordalo Pinheiro um conjunto de cartoons, publicados ao longo das últimas décadas, dedicados aos museus, ao património e à cultura.

Luís Afonso anda há muitos anos a divertir-nos com os desenhos que publica no jornal Público, e o museu escolheu os que se relacionam com a vida cultural para esta exposição.

Luís Afonso da Palma nasceu em Aljustrel em 1965 e vive em Serpa.

Com formação académica em Geografia, foi professor dessa disciplina e trabalhou em projetos de desenvolvimento até 1995.

A partir desse ano dedicou-se exclusivamente aos cartoons, atividade que havia iniciado 10 anos antes. Tem rubricas diárias no Público (Bartoon), A Bola (Barba e Cabelo), Jornal de Negócios (SA) e RTP (A Mosca).

É autor de nove livros de cartoons, oito como autor integral e outro como argumentista. Em 2012, estreou-se na ficção com O Comboio das Cinco, a que se seguiu O Quadro da Mulher Sentada a Olhar Para o Ar Com Cara de Parva e outras histórias (2016) e A Morte de A a Z (2022), editados pela Abysmo, e O Chef (2022), editado pela Relógio D’Água. É também autor de uma curta-metragem, Everestalefe (2019).

O Luís Afonso é também um homem interessado pelo associativismo e pela intervenção social, pelo que temos o orgulho de o contar como associado da Aldraba desde 5 de setembro de 2006, data em que foi admitido como nosso associado 113 (n.º 44, com a numeração atualizada em 2015). Desde o n.º 1 da revista “Aldraba”, até ao recente n.º 34, o Luís Afonso tem enriquecido o verso das capas da nossa revista com cartoons da sua escolha, alusivos ou relacionados com os temas tratados em cada número! Enorme gratidão da nossa parte, Luís.

*   *   *

Luís Afonso dedica-se a comentar em cartoons diários a atualidade nacional e internacional desde que, em 25 de abril de 1993, há 30 anos, substituiu no jornal Público outro grande cartoonista português, Sam.

Não receia trabalhar lado a lado com as notícias que comenta, por vezes na mesma página, alertando o leitor para o absurdo quotidiano. Como observa, “no que me diz respeito, o que faço é pegar em todas as situações absurdas, pondo em evidência as contradições que lhe estão associadas”, ou seja, desconstruindo para expor o ridículo e usando o humor como agitador das consciências. A receita é simples, mas atenção: requer muito talento, atingir esta “simplicidade eficaz”.

Nas tiras a que chamou Bartoon, Luís Afonso criou um cenário bem conhecido do público, composto por um balcão de bar onde se sentam os protagonistas do momento, à conversa com o barman. Estes protagonistas nunca são pessoas em concreto, mas figuras-tipo: o indigente, o jovem, o operário, o soldado americano, o tipo do FMI, o repórter, a rapariga dos peditórios ou o político nabo. Nestas conversas, o barman, com um misto de inteligência e senso comum temperado por muito humor, desvenda o que está para além da pequena notícia.

É assim que o barman, figura invisível do nosso dia a dia, se transforma na personagem principal, a que nos oferece um espelho onde se reflete a realidade sem máscaras, como se de um Zé Povinho bordaliano se tratasse. A política nacional e internacional, ou a economia, são os tópicos orientadores das conversas ao balcão.

No entanto, Luís Afonso esteve atento aos momentos em que a cultura e o património foram o “assunto do momento” e trouxe o tema para dentro do seu bar.

Nesta exposição homenageiam-se as “tiras culturais” – sucedendo à mostra que o Museu de Évora dedicou ao autor em 2009, com o título “Por mim fazia-se ali um Museu”. Acreditamos que, apesar de datadas em relação aos acontecimentos que comentam, a crítica que encerram mantém-se viva e atual, continuando a provocar um misto de riso e estupefação generalizados.

*   *   *

Compareçam, e tragam convosco familiares e amigos, não sendo necessária inscrição prévia. Bilhete de ingresso de 3€, mas com redução ou isenção para a maior parte dos nossos possíveis participantes.

JAF (texto baseado no site do Museu)