Fará 175 anos em 21 de Março que Raphael
Augusto Prostes Bordallo Pinheiro nasceu em Lisboa.
O seu nome está intimamente
ligado à caricatura portuguesa, à qual deu um grande impulso, imprimindo-lhe um
estilo próprio que a levou a uma qualidade nunca antes atingida. É o autor da
representação popular do Zé Povinho, que se veio a tornar num símbolo do povo
português.
Irmão do pintor Columbano, Bordallo
Pinheiro foi um artista português, de obra vasta dispersa por largas dezenas de
livros e publicações, precursor do cartaz artístico em Portugal, desenhador,
aguarelista, ilustrador, decorador, caricaturista político e social,
jornalista, ceramista e professor.
Vivendo numa época caracterizada
pela crise económica e política, Raphael enquanto homem de imprensa soube
manter uma indiscutível independência face aos poderes instituídos, nunca
calando a voz, pautando-se sempre pela isenção de pensamento e praticando o
livre exercício de opinião. Esta atitude granjeou um apoio público tal que, não
obstante as tentativas, a censura nunca logrou silenciá-lo.
Essa independência e o
enfrentar dos poderes instituídos originaram-lhe alguns problemas como por
exemplo o retirar do financiamento d'O António Maria como represália pela
crítica ao partido do seu financiador. Também no Brasil, onde viveu três anos,
arranjou problemas, onde chegou mesmo a receber um cheque em branco para se
calar com a história de um ministro conservador metido com contrabandistas.
Quando percebe que a sua vida começa a correr perigo, volta a Portugal, não sem
antes deixar uma mensagem.
O DESENHADOR – Bordalo
Pinheiro, que começou a fazer caricatura por brincadeira, deixou um legado
iconográfico verdadeiramente notável,tendo produzido dezenas de litografias e
composto inúmeros desenhos para almanaques, anúncios e revistas nacionais e estrangeiras
como El Mundo Comico (1873-74), Ilustrated London News, Ilustracion Española y
Americana (1873), L'Univers Illustré e El Bazar.
Dotado de um grande sentido de
humor mas também de uma crítica social bastante apurada e sempre em cima do
acontecimento, caricaturou todas as personalidades de relevo da política, da
Igreja e da cultura da sociedade portuguesa. Apesar da crítica demolidora de
muitos dos seus desenhos, as suas características pessoais e artísticas cedo
conquistaram a admiração e o respeito público que tiveram expressão notória num
grande jantar em sua homenagem realizado na sala do Teatro Nacional D. Maria
II, em 6 de Junho de 1903 que, de forma inédita, congregou à mesma mesa
praticamente todas as figuras que o artista tinha caricaturado.
São notáveis as suas
caricaturas da queda da monarquia.
O CERAMISTA – Encarregado de
chefiar o setor artístico da Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha (1884), aí
encetou um grande processo de renovação da cerâmica caldense. Dedicou-se à
produção de peças de cerâmica que, nas suas mãos, rapidamente, adquiriram um
cunho original. Jarras, vasos, bilhas, jarrões, pratos e outras peças
demonstram um labor tão frenético e criativo quanto barroco e decorativista,
características, aliás, também presentes nos seus trabalhos gráficos.
Não se restringiu à fabricação
de loiça ornamental. Além de ter desenhado uma baixela de prata da qual se
destaca um originalíssimo faqueiro que executou para o 3º visconde de S. João
da Pesqueira, satisfez dezenas de pequenas e grandes encomendas para a
decoração de palacetes: azulejos, painéis, frisos, placas decorativas,
floreiras, fontes-lavatório, centros de mesa, bustos, molduras, caixas, e
também broches, alfinetes, perfumadores, etc.
A par das esculturas que
modelou para as capelas do Buçaco representando cinquenta e duas figuras da Via
Sacra, Bordalo apostou sobretudo nas que lhe eram mais gratas: o Zé Povinho
(que será representado em inúmeras atitudes), a Maria Paciência, a mamuda ama
das Caldas, o polícia, o padre tomando rapé e o sacristão de incensório nas
mãos, a par de muitos outros.
Embora financeiramente, a
fábrica se ter revelado um fracasso, a genialidade deste trabalho notável teve
expressão nos prémios conquistados: uma medalha de ouro na Exposição Colombiana
de Madrid em 1892, em Antuérpia (1894), novamente em Madrid (1895), em Paris
(1900), e nos Estados Unidos, em St. Louis (1904).
O JORNALISTA - Destacou-se também
como um homem de imprensa, tendo sido durante cerca de 35 anos (de 1870 a 1905)
a alma de todos os periódicos que dirigiu quer em Portugal, quer nos três anos
que trabalhou em terras brasileiras.
Em 1870 lançou três
publicações: "O Calcanhar de Aquiles", "A Berlinda" e “O
Binóculo”, este último, um semanário de caricaturas sobre espectáculos e
literatura, talvez o primeiro jornal, em Portugal, a ser vendido dentro dos
teatros; seguiu-se o "M J ou a História Tétrica de uma Empresa
Lírica" em 1873 e, logo a seguir em 1875, a "A Lanterna Mágica".
Seduzido pelo Brasil, também
aí (de 1875 a 1879) animou "O Mosquito", o "Psit!!!" (1877)
e "O Besouro".
O “António Maria” nas suas
duas séries (1879-1885 e 1891-1898), abarcando quinze anos de actividade
jornalística, constitui a sua publicação de referência. Ainda fruto do seu
intenso labor, “Pontos nos ii” são editados entre 1885-1891 e A Paródia, o seu
último jornal, surge em 1900. Também dirigiu o “Jornal da Infância” (1883) e
teve colaboração no semanário “Jornal do domingo” (1881-1888).
A seu lado, nos periódicos,
estiveram Guilherme de Azevedo, Guerra Junqueiro, Ramalho Ortigão, João Chagas,
Marcelino Mesquita e muitos outros, com contributos de acentuada qualidade
literária. Daí que estas publicações constituam um espaço harmonioso em que o
material textual e o material icónico se cruzam de uma forma magistral.
O HOMEMD DE TEATRO – Com 14
anos apenas, integrado num grupo de amadores, pisou como actor o palco do
teatro Garrett, inscrevendo-se depois na Escola de Arte Dramática que, devido à
pressão da parte do pai, acabou por abandonar como viria a abandonar a carreira
de actor. No entanto, estabeleceria uma relação com o teatro que nunca mais deixou.
Tendo esporadicamente
desenhado figurinos e trabalhado em cenários, Raphael Bordallo-Pinheiro foi sobretudo
um amante do teatro. Era espectador habitual das peças levadas à cena na
capital, frequentava assiduamente os camarins dos artistas, participava nas
tertúlias constituídas por críticos, dramaturgos e actores, e transpunha,
semana a semana, o que via e sentia, para os jornais que dirigia. O material
iconográfico legado por Raphael Bordallo-Pinheiro adquire, neste contexto, uma
importância extrema porque permite perceber muito do que foi o teatro, em
Portugal, nessas décadas.
Em centenas de caricaturas,
Raphael Bordallo-Pinheiro faz aparecer o espectáculo, do ponto de vista da
produção: desenha cenários, revela figurinos, exibe as personagens em acção,
comenta prestações e critica 'gaffes'. A par disso, pelo seu lápis passam
também as mais variadas reacções do público: as palmas aos sucessos, muitos
deles obra de artistas estrangeiros, já que Lisboa fazia parte do circuito
internacional das companhias; as pateadas estrondosas quando o público se
sentia defraudado; os ecos dos bastidores; as anedotas que circulavam; as
bisbilhotices dos camarotes enfim, todo um conjunto de aspectos que têm a ver
com a recepção do espectáculo e que ajudam a compreender o que era o teatro e
qual o seu papel na Lisboa oitocentista.
O Museu Raphael Bordallo
Pinheiro, em Lisboa, e o Museu de Cerâmica das Caldas da Rainha reúnem parte
significativa da sua obra e esperam por vós para uma visita que não vos decepcionará.
MEG (Adaptação de textos da
internet)