sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Assembleia Geral anual da Aldraba, 14.2.2020, 6ª feira, 17h30


















Subscrita pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral, João Coelho, foi enviada a todos os associados a convocatória da Assembleia Geral ordinária de 2020, que vai ter lugar no dia 14 de fevereiro próximo, 6ª feira, pelas 17h30 (começa às 18h00 com qualquer nº de associados presentes), na sede do GDE "Os Combatentes", rua do Possolo, 9, em Lisboa.

Como consta da convocatória, iremos fazer o balanço da atividade desenvolvida em 2019 e planear a atividade de 2020, para o que será importante a participação de todos os associados.

Os documentos a apreciar na AG, para além de estarem disponíveis no local da sessão, foram já enviados aos associados.

JAF

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

11ª visita a espaços de interesse para o património popular - Exposição "As cheias de 1967", Celeiro da Patriarcal (VFXira), domingo, 2/2/2020, 14h30























A Aldraba leva a efeito no próximo domingo uma visita guiada à importante exposição que está patente no Celeiro da Patriarcal de Vila Franca de Xira, organizada pela Câmara Municipal, através do seu Museu Municipal.

A exposição é dedicada às Cheias de 1967, e tem curadoria de Joaquim Letria, um dos jornalistas que à época esteve presente nos locais da catástrofe. Pretende contribuir para um melhor conhecimento da realidade política e social da região de Lisboa naquela época, bem como dos acontecimentos que marcaram para sempre a História do nosso País.

É o resultado de um trabalho cuidado de investigação documental e de recolha de testemunhos de muitos residentes locais que partilham as suas histórias e dos seus familiares, no contexto daquele que foi o pior desastre natural em Portugal, depois do terramoto de 1755.
Estão associados ao projeto diversas entidades (RTP, Fundação Calouste Gulbenkian, OGMA Cruz Vermelha Portuguesa, Agência Portuguesa do Ambiente, Arquivo da Defesa Nacional), através da cedência de vídeos e outros elementos documentais que se constituem como importantes contributos para a preservação da memória relativamente a estas ocorrências históricas.
Na noite de 25 para 26 de novembro de 1967, de Cascais a Alenquer, passando por Oeiras, Lisboa, Odivelas, Loures, Alhandra, Alverca, Vila Franca de Xira e Castanheira do Ribatejo, a chuva chegou a atingir os 170 litros por metro quadrado. Em toda a região da Grande Lisboa, a média ultrapassou os 100 litros. Foram cheias rápidas: o Tejo e os afluentes subiram três a quatro metros em poucas horas.
Morreram muitas centenas de pessoas — o Governo falou em 462 mortos, os jornalistas Pedro Alvim, Joaquim Letria e Fernando Assis Pacheco contaram perto de 700. O Estado foi incapaz de dar o apoio adequado às vítimas. Ocorreu então uma mobilização da sociedade civil, nomeadamente de estudantes e de associações católicas.
"Só as Associações de Estudantes e a Juventude Universitária Católica é que estavam no terreno a ajudar as pessoas a tirar a lama, a salvar-lhes os pertences, juntamente com alguns raros corpos de bombeiros e militares. Talvez isso, tenha sido um dos primeiros momentos de mobilização política da minha geração", recordou Mariano Gago.
A visita marcada para a associação Aldraba decorrerá entre as 14h30 e as 16h00, e será guiada pelos colaboradores da CMVFX (setor educativo) Nuno Dionísio e Susana Neto. A entrada é gratuita.
O ponto de encontro é a entrada do Celeiro da Patriarcal, que fica próximo do edifício da Câmara Municipal, frente à estação dos CTT. Recomendamos a utilização do caminho de ferro até Vila Franca, estando a estação ferroviária a poucos minutos do local da exposição.
JAF

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Mouraria, hoje























A nossa amiga Ana Alexandra Henriques, que publicou no nº 26 da revista "Aldraba" o seu testemunho intitulado "Uma experiência como carteira na cidade de Lisboa", escreveu agora esta saborosa crónica sobre o bairro da Mouraria, que aqui publicamos, com a devida vénia:

Depois das ruas do Bairro Alto e do Príncipe Real, o novo trabalho trouxe-me até à Mouraria. E se, nos primeiros casos, circulava essencialmente em vias residenciais, no segundo, nem tanto.

Cores, cheiros, sabores, desde que saio do metro e atravesso parte do Centro Comercial da Mouraria e entro neste mundo a que nenhum dos sentidos fica indiferente.
Não sei ao certo as nacionalidades dos vendedores, creio que há de tudo um pouco, por entre colchas coloridas, roupa, lojas de telemóveis (porta sim, porta sim, e com anúncios à Lycamobile em todos eles), souvenirs para os muitos turistas que por lá circulam, um sapateiro, óculos de sol e relógios de marca não identificada, chapéus e capas para a chuva, porta-chaves peludos e lingerie assustadora… Hehe!
E os cheiros? Especiarias, frutas, legumes, alguns que nem sei o que são… Tudo isto até chegarmos às escadas que dão acesso ao Martim Moniz.
Cá em cima, não é assim tão distinto, passando a haver ainda mais variedade. Aos estabelecimentos anteriores juntam-se os restaurantes chineses, indianos, vietnamitas, paquistaneses, do Bangladesh… com ofertas que o meu paladar rejeita por não gostar de comida muito condimentada, caril e afins.
Há também um sem número de papelarias, esse mundo que eu adoro… cadernos, canetas, lápis, dossiers, folhas coloridas… Aquele cheirinho a papel novo… Como eu era uma criança feliz no “Regresso às aulas”, naquelas idas às compras com a lista de material para a escola…
Por entre uma loja de ferragens, com parafusos do XXS ao XXL e tudo o que se possa imaginar nesse mundo que não domino, há a Doce Mila, famosa pelos pastéis da Mouraria, lado a lado com um centro de explicações, que tem quase sempre à porta, desejosos de aprender Português, chinesinhos/as pequeninos/as, fardados da escola, elas com totós e saias plissadas, eles de calções e camisas brancas, que, com sorte, nos brindam com um "olá!".
Não posso deixar de realçar um relojoeiro, uma loja parada no tempo, a fazer lembrar as de há umas décadas. Pertence a um velhote português, abatido e com olhos tristes, a quem costumo dar um sorriso sempre que nos cruzamos, quando desço a rua, no final do dia de trabalho, e vou em direcção ao metro. Um dia destes talvez pare lá e troque dois dedos de conversa com ele. Aposto que deve ter “estórias” para contar…
Há outros ramos que proliferam por entre as ruas da Mouraria: marroquinaria, bijuteria... Indiana, chinesa… Roupas de cores fortes e colares vistosos, em tons de dourado, enchem as montras, fazendo lembrar, em versão imitação, os de ouro de Viana do Castelo. Malas, bolsinhas, chapéus, porta-chaves… tudo em cortiça, rivalizam com cachecóis coloridos dos clubes de futebol cá do burgo e até do Flamengo de Jorge Jesus.
As lojas chinesas, fazendo concorrência séria ao Ali Express (que também vende a partir do mesmo país), estão cheias de fios, brincos e afins, além de contas de todas as cores e feitios para os/as habilidosos/as que conseguem fazer “coisas giras” com essas matérias-primas.
E as mercearias? Ao lado de uma loja de macrobiótica (filha única, diga-se), proliferam como cogumelos, em frente e ao lado umas das outras. Concorrência pura e dura! Algumas fazem-me lembrar o “lugar da D. Aurora”, onde ia às compras com a minha avó, quando era miúda. Ficava mesmo por baixo do prédio em que moravam os meus avós, no Areeiro, e tinha de tudo um pouco: fruta, legumes, iogurtes e uns requeijões óptimos, numas caixinhas com buraquinhos, que depois de lavadas serviam para eu brincar.
Mas voltando à Mouraria e também um pouco à zona da Almirante Reis. Tal como o relojoeiro do velhote, há mesmo lojas que parecem paradas no tempo. As que vendem lençóis e toalhas, sobretudo. E as de bugigangas, panelas, tachos e afins. Questiono-me como sobrevivem e fazem face à concorrência de um mundo que não pára nem se compadece com “os que ficam para trás”.
Também não faltam as “tascas” portuguesas. Pode comer-se bem e barato (e sem saber a caril… hehe), se tivermos vontade de “espiolhar” ruas mais dentro do bairro em busca de um petisco bem “tuga”. Para isso, talvez seja preciso subir e descer um pouco, atravessar ruas apertadas e andar a pé, mas, no fim, vai valer a pena.
Porém, nem tudo são rosas… A droga, a pobreza e a prostituição são realidades neste bairro lisboeta. Não faltam sem-abrigo a dormir pelo chão, embrulhados na pouca roupa que têm, tapados com cobertores e ou cartões, tentando fazer frente ao frio que se faz sentir.
Paralelamente, por entre esta miscelânea sensorial e de nacionalidades, os bem lisboetas eléctricos “rasgam” a pintura, circulando a abarrotar de turistas, nas ruas apertadas da Mouraria. Não me livro de ter de lhes dar indicações na paragem, sabendo de cor e salteado que procuram o 28 para subirem ao Castelo e passearem pela nossa linda Lisboa, naquela que é uma das carreiras de eléctrico mais carismáticas da cidade. Mas, na realidade, não me importo… Até gosto, na minha habitual interactividade com o que me rodeia.
Conhecem a Mouraria? Passem por cá e digam coisas! 
“Ai, Mouraria
Dos rouxinóis nos beirais
Dos vestidos cor-de-rosa
Dos pregões tradicionais…”

Ana Alexandra Henriques, 24/1/2020

quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

As roncas de Elvas















As roncas chegaram a Lisboa para mostrar que a tradição ainda vive na casa de cada elvense. E que há gente com vontade de cantar o Natal, acompanhada pelo instrumento secular.

Eles alinham-se de capote vestido, boné na cabeça e ronca nos braços. Todos  juntos lá entoam os cânticos ao Menino para celebrar o Natal, como há décadas, talvez séculos, se fazia em Elvas e em toda aquela região raiana.
Assim eram algumas das muitas quadras que os homens de Elvas cantavam porta a porta na noite de Natal. A resposta, nas duas últimas estrofes, dava-a o dono da casa, abrindo-lhes as portas como um convite à celebração, oferecendo-lhes o que houvesse na mesa.
“Na noite da consoada cada um jantava na sua casa e depois juntavam-se dez ou 12 amigos e, até à hora da Missa do Galo, íamos a casa de todos. Numa casa era vinho tinto, noutra era vinho branco, noutra era anis, noutra vinho do Porto”, recorda José. Não arriscamos o desfecho da jornada, mas o certo é que, contam estes alentejanos, a prática foi caindo em desuso. 
A tradição estava assim quase perdida, ainda que digam que, na noite de Natal, lá se tirava a ronca dos arrumos e se cantavam umas quadras, mas apenas na casa de cada um. 
Um dia, um grupo de elvenses pensou em resgatar a ronca do esquecimento e levá-la a um qualquer palco, fosse ele uma rua, uma igreja, uma tasca ou um programa de televisão. No passado domingo, ainda no outro ano, o palco foi a Baixa de Lisboa. E ali se cantou o Natal de Elvas, os poemas do seu cancioneiro, acompanhados à ronca, este instrumento secular que eles lutam por preservar. 
Há cerca de três anos, juntou-se então esse grupo para fazer renascer as roncas. Para quem se está a perguntar o que é, afinal, este instrumento musical tão singular, podemos dizer que é uma vasilha de barro, semelhante a um alcatruz, mas sem fundo, à qual se ata no topo uma pele, tendo presa ao centro uma cana muito fina. Depois, com a mão molhada — alguns até usam uma esponja para que a cana esteja sempre escorregadia —, pressionam-na e o som sai grave como um ronco arrastado. A ronca, ou um objecto muito semelhante a ela terá sido trazida para a Península Ibérica no século VIII, com a chegada de tribos berberes do Norte de África, acreditam os seus entusiastas.
O oleiro
Como as pessoas tinham poucas posses, a ronca foi um instrumento quase improvisado para que emitisse um som e acompanhasse os cantares de Natal alentejanos. “A ronca estava na casa de cada elvense”, conta Roberto Dores, 50 anos, jornalista elvense regressado à terra há dois anos, que logo integrou o grupo, seguindo os passos do pai, que fora também ele um grande entusiasta dos cânticos do Natal de Elvas. “Isto é o recuperar de uma tradição que se estava a perder. Há uns 15, 20 anos cantava-se o Natal, mais no dia 24, já só na casa de cada um, eventualmente nalguma taberna”, recorda.
Este instrumento é também comum em toda a zona da raia — Alentejo, Extremadura. Na Andaluzia há mesmo um grupo de andaluzes que tem grandes roncas, às quais chamam “zambomba”.
O renascer da ronca deve-se também ao engenho e arte do oleiro Luís Pedras, que, diz o jornalista, “manteve a tradição viva”. Tem actualmente uma exposição na Casa da Cultura de Elvas com dezenas de roncas, que podem ser vistas até ao próximo dia 6 de Janeiro.
Depois da ronca, tudo se deve aos elementos deste grupo, que teimaram em não calar as suas vozes. Hoje o grupo, que pertence à associação Arkus, tem 19 membros. Têm perdido elementos, mas também têm entrado jovens e pessoas com experiência musical para garantir que as memórias das consoadas dos avós não se perdem na espuma dos dias.
Até há uns anos, tocar a ronca era exclusivo dos homens. “Antes os homens não deixavam entrar as mulheres nos grupos. Quando o grupo começou e entraram as primeiras três mulheres, houve pessoas que torceram o nariz à ideia de ‘ter mulheres num grupo de homens’.” Mas eles refutaram essa ideia. “Mulheres? Todas”, atira José Martins, de 68 anos.
Apesar de estar associado ao culto católico, ali os seus membros garantem que não fazem distinção entre religiões. Nem géneros. Todos os que quiserem cantar o Natal serão bem-vindos. Afinal, eles dizem que tocam e cantam até ficar sem voz porque devem isso à sua cidade. “Nós fazemos isto pelo gosto e pela nossa cidade.”
Os ensaios começam em Outubro e, uma vez por semana, reúnem-se para ter tudo afinado para as actuações que começam depois a partir de 8 de Dezembro. Este ano já contam 40 actuações. A Câmara de Elvas ajuda-os com a logística de arranjar capotes, bonés e roncas para todos, assim como o transporte. 
Este ano, estiveram também em escolas espanholas cantar. Como estão numa zona raiana, acabam por fazer parte do seu repertório alguns villancicos (canções de Natal), típicos do país vizinho. 
Carta de amor
Nas ruas de Lisboa, que por estes dias se enchem de espanhóis de visita à capital, é ver Carlos Mendes, o decano dos cantadores, a dar-lhes música ao som de Peces en el rio. Os cantares e a ronca hão-de continuar, pelo menos, até ao dia de Reis. 
José Martins arranca a explicação entusiasmado com a “carta de amor” escrita por Manuel de Portugal (n. 1525), filho do primeiro conde do Vimioso e de dona Joana de Vilhena, “a uma jovem linda que estava no séquito da rainha Dona Catarina, que era dona Francisca de Aragão”. “Os trovadores da época todos lhes escreveram cartas: Camões, Pêro de Andrade Caminha, Garçisanchez e este Manuel de Portugal. Ela era camareira-mor da rainha Dona Catarina”, conta José, que é também guia turístico em Elvas.
A carta, datada de meados do século XVI, havia de fazer parte do Cancioneiro de Elvas, manuscrito português dessa altura com música e poemas do Renascimento. E um dos quatro, juntamente com o Cancioneiro de Lisboa, o Cancioneiro de Belém e o Cancioneiro de Paris, do século XVI, que são hoje conhecidos. Houve ainda outros autores espanhóis que escreveram villancicos, cuja obra foi depois traduzida pelo “grande erudito, António Tomás Pires”, conta José, que não esconde o orgulho de ver o instrumento que tem debaixo do braço associado à memória do país. “Até as roncas de Elvas têm que ver com a história de Portugal.”
Cristina Faria Martins , in “Público”, 2/1/2020