terça-feira, 16 de março de 2010

A moeda como instrumento de propaganda


(…) Também em Portugal se recorreu a uma metodologia semelhante, de utilização da numismática como instrumento de ataque à figura do monarca. Uma forma astuta de atingir as massas através do recurso à imagem e a algo do dia a dia, um objecto que por força da sua essência passava pelas mãos de todos. Esse objecto é o numisma, e assim se pode observar como a numismática é também um bom instrumento de propaganda do poder instituído, e como todo e qualquer contra poder a pode utilizar também, recorrendo, tão simplesmente por vezes, a uma pequena adulteração.
Não querendo com isto afirmar-se que quem produz a adulteração represente, necessariamente, uma força política ou social rival do poder instituído. Muitas vezes, as adulterações provêm de atitudes isoladas e impotentes de quem não tem poder nenhum, isto é, das camadas comummente designadas por populares.
O exemplar de 20 Réis de D. Carlos I apresenta a particularidade de ser de cunhagem oficial e a figura executada posteriormente ter sido elaborada de forma manual. Como o numisma foi cunhado em 1891, a gravura só poderá – como é lógico – ter sido executada após essa data.
O ano de 1891 foi marcante em termos nacionais, pois foi o ano em que se deu a célebre revolta do 31 de Janeiro, ocorrida no Porto. Uma tentativa de implantação do poder republicano, ocorrida como consequência do Ultimatum de 1890 da nossa pretensa velha aliada, a Inglaterra. A reacção do poder instituído foi rápida e implacável, recordando-se o facto dos revoltosos terem sido julgados em tribunais de guerra, em navios ancorados ao largo de Leixões. Mais de 200 pessoas foram condenadas a penas que oscilavam entre os 18 meses e os 15 anos de prisão.
Teria este numisma sido adulterado por um desses revoltosos? Por um republicano foi-o certamente. No reverso da moeda observa-se que foi cunhada em Paris. Os ventos de Liberté Egalité Fraternité voltavam a demonstrar-se timidamente, em 1891, e, com toda a sua força, a 1 de Fevereiro de 1908, quando o monarca D. Carlos I e seu filho e príncipe herdeiro D. Luís Filipe foram brutalmente assassinados, num regresso apressado de Vila Viçosa.
A 28 de Janeiro de 1908 foi gorada uma tentativa de golpe de estado e muitos dos seus responsáveis recolhidos aos calabouços. A 30 de Janeiro, o monarca assina um documento que previa o exílio ou a expulsão para o estrangeiro dos envolvidos nessa tentativa. O monarca teria então proferido uma frase que ficará sempre registada nos anais da lenda: “Assino a minha sentença de morte, mas os senhores assim o quiseram.”.
Texto de Marco Valente
(excerto do artigo "A moeda enquanto instrumento de propaganda", incluído no nº 8 do boletim "ALDRABA", actualmente em distribuição)

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