terça-feira, 23 de março de 2010

Avieiros, património nacional


No dia 10-9-2009, a candidatura da cultura avieira a património nacional foi apresentada no Palácio da Ajuda, onde funciona o Ministério da Cultura. Ficou marcado o 1º Congresso Nacional da Cultura Avieira para 7/8/9 de Maio de 2010 em Santarém. Além da homenagem nacional a Maria Micaela Soares, outro ponto da agenda será a edição popular do livro «Avieiros» de Alves Redol, há muito esgotado no mercado livreiro português.
Não sendo antropólogo ou historiador, tive alguma convivência com a realidade dos avieiros em Vila Franca de Xira, entre os anos de 1961 e 1966. Vivia no Bairro do Bom Retiro, estudava na Escola Técnica e tinha aulas nos «Combatentes» e no «Matadouro» além de «Trabalhos Manuais» num armazém perto da estação da CP.
Guardo desses tempos a imagem do garrido dos seus trajes, o seu falar típico e a percepção de que eles viviam num espaço diferente. Não só pelas «casas-barco» mas também pelo precário que tudo aquilo prenunciava perante as longas chuvas do Inverno daquele tempo.
Outro dia tive um choque quando fui com um grupo de amigos ao Patacão (Alpiarça) e estive dentro de uma casa abandonada, vendo as árvores a entrarem pelo telhado, a destruir tudo, barrotes, telhas, traves.
Entretanto, o antropólogo Aurélio Lopes, em parceria com João Monteiro Serrano, publicou na Âncora Editora o livro «A reconstrução do sagrado» sobre a religião popular dos avieiros. O livro tem o prefácio do Bispo de Santarém, D. Manuel Pelino Domingues. José Loureiro Botas tinha publicado em 1940 o seu conhecido «Litoral a Oeste», com capa de Manuel Ribeiro de Pavia. Nesse livro (Prémio Fialho de Almeida em 1940), um dos contos («A Leandra») foi escrito em 1938 e ganhou o prémio literário desse ano do Ateneu Comercial de Lisboa. José Loureiro Botas nasceu na Vieira de Leiria, viveu em Lisboa e conheceu bem as histórias dos avieiros como a Leandra. Vamos ao conto.
A Leandra quase naufragou uma noite no Tejo e por isso «sabia rir de tudo, sem ligar importância aos pequeninos nadas». Um dia foi pelo Tejo acima com o seu marido (o Joaquim) e os dois filhos mais pequenos (os outros três ficaram com a mais velha em casa), mas de repente apareceu um temporal e ficou escuro como «a ferrugem da chaminé» mas o pior foi que começou a chover muito e veio uma trovoada.
No meio do medo e da confusão aperceberam-se da chegada de uma barca grande com o António Milhafre, pescador conhecido a quem pediram ajuda. A resposta do outro foi «arranjem-se como puderem, levo o barco a abarrotar de peixe e não o vou perder por causa de vocês».
Horas depois rompeu o dia, e apareceu um barco grande que os ajudou num reboque gratuito. Do António Milhafre nunca mais ninguém soube. Do seu barco, só bocados «tábua aqui, tábua acolá». A Leandra nunca mais quis nada com tristezas.
Texto de José do Carmo Francisco
(excerto do artigo "A cultura dos avieiros candidata a património nacional", incluído no nº 8 do boletim "ALDRABA", actualmente em distribuição)

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