A cama quente
Na mina trabalha-se por turnos.
Quando se volta, nem se tiram os coturnos.
Bebido o café negro e trincado o casqueiro,
joga-se o corpo ao sono, mas, primeiro,
enxota-se o camarada da cama ainda quente,
que não há camas, no Chile, pra toda a gente.
Do calor que sobrou o nosso se acrescenta
pra dar calor ao próximo que entra.
Vós, que dormis em camas, como reis,
tantas horas por dia, não sabeis
como é bom dormir ao calor de um irmão
que saiu ao nitrato ou ao carvão
e despertar ao abanão (é o contrato!)
de um que chega do carvão ou do nitrato!
É a este sistema, minha gente,
que se chama no Chile «a cama quente»…
(poema de Alexandre O’Neill, 1975)
Porquê juntar estas duas tradições – uma que associamos às festividades do Natal e com que mimamos os meninos da família e a outra que dá conta da situação desumana e precária em que vivem trabalhadores de certas actividades, como tão bem retrata o poema de Alexandre O’Neill?
Em viagem longa para o Sul, na passada 4ª feira, ouvi na Antena 1 uma notícia que dá que pensar. Não que me surpreendesse completamente mas, assim dita “preto no branco”, ainda parece mais cruel.
Cerca de 75% dos brinquedos que se comercializam no mundo inteiro são fabricados na China. Os chineses saem das suas aldeias e vão trabalhar para grandes fábricas onde as condições de vida e de trabalho são impensáveis para qualquer ser humano. Alojamentos minúsculos, quando os há, sistema de “cama quente”, já que os turnos se sucedem ininterruptamente, e dois dólares por dia!
Mas que tradições estas…
MEG
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