terça-feira, 8 de maio de 2012

Sobre o património cultural imaterial


















Nas Edições 70, Ldª, com o apoio do INATEL e da Comissão Nacional da UNESCO, a nossa amiga Clara Bertrand Cabral publicou recentemente “Património Cultural Imaterial – Convenção da Unesco e seus contextos”, obra que reflete e dá testemunho de todo um percurso profissional, e de um pensamento que o livro ajuda a sistematizar e a desenvolver.

Ao longo das 214 páginas de texto (complementadas com uma muito rica bibliografia e com cópia dos documentos institucionais mais relevantes), a autora alinha de forma crítica conceitos relativos ao património, à cultura e à sua salvaguarda, o que é a parte mais estimulante e inovadora deste trabalho.

O livro descreve como nasceu e se desenvolveu na UNESCO a ideia da Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial, de 2003, em interação com a sua antecessora Convenção para a Proteção do Património Mundial, Cultural e Natural, de 1972. Tudo no contexto de uma agência especializada das Nações Unidas criada no imediato pós-guerra (16.11.1945) para promover a paz no mundo pela cooperação entre os povos nas áreas da educação, da ciência, da cultura e da comunicação.

Como mero aperitivo para uma leitura direta do livro – que se recomenda vivamente – ficam aqui alguns apontamentos do que foi mais impressivo para o crítico.

No que se refere à ideia de “património”, a autora dá conta de como se evoluiu de uma “visão elitista e oficial”, que só retinha como relevantes os “monumentos”, para, a partir dos anos 50 do séc. XX, se ter passado a “incluir os objetos quotidianos, as construções vernáculas e os testemunhos mais recentes da atividade humana”. A ponto de, em finais do século, a noção de património se ter alargado até aos “bens cuja essência é intangível, como as práticas, as expressões, as representações e os saberes-fazer”.

Do monumento como suporte da memória, ter-se-á passado ao património como suporte da identidade. Esta última será o grau de identificação e solidariedade de um indivíduo com o grupo a que pertence, baseado na perceção dos membros de uma comunidade da sua homogeneidade social. A referida identidade não é estável nem imutável, pelo que o património cultural imaterial “é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função do seu meio, da sua interação com a natureza e da sua história”.

A atual globalização sobre os povos e culturas é apontada como frequentemente traumática para as comunidades, daí a consciência que se vai adquirindo da “importância sem precedentes do património”. Passando pelos conceitos de comunidades, grupos e indivíduos, a autora chega depois ao tema dos direitos culturais coletivos. Daí desembocar, mais à frente, nas questões das minorias e dos grupos de migrantes. E, finalmente, concluir com reflexões sobre folclore e cultura popular, onde, judiciosamente, assinala como estes termos foram explorados no séc. XX por regimes totalitários na Europa, e na colonização de territórios noutros continentes, em que as pessoas eram apresentadas “como um espetáculo de si próprias…”

A salvaguarda do património cultural imaterial é concebida por Clara Cabral, na linha da Convenção, como o conjunto das medidas que visam assegurar a sua viabilidade, incluindo a “identificação, documentação, pesquisa, preservação, proteção, promoção, valorização, transmissão e revitalização dos diferentes aspetos desse património”. E que tem de ser, por natureza, um “processo participativo”.

No desenvolvimento desse processo de salvaguarda, a autora dá grande destaque à tarefa da inventariação dos elementos do património, tal como já o fizera em julho de 2009, em entrevista que deu à “Aldraba”, nº 7:

“Qualquer organização vive com escassez de recursos. Se o Estado se propõe apoiar a salvaguarda do património imaterial, e se para isso os meios orçamentais serão inevitavelmente limitados, é normal que se queira basear numa identificação exata de quais os bens que justificarão os investimentos, daí a necessidade do tal inventário”.

Questionada nessa altura sobre o papel que as associações de cidadãos, como a Aldraba, podem ter nesse processo participativo, reconheceu-o como muito importante, cabendo-lhes sensibilizar a sociedade civil para a importância de salvaguardar o património cultural imaterial, dar a conhecer esse património e contribuir para alimentar as várias bases de dados de bens culturais imateriais criadas por diversas entidades.

É oportuno recordar essas considerações da autora, a propósito da parte final do livro em que enumera as instituições oficiais que estima serem as principais responsáveis pela Convenção em Portugal, e onde refere o papel das ONG’s de cariz local ou regional, “mediadoras esclarecidas e privilegiadas, sem as quais será impossível aplicar a Convenção de forma eficaz”.

A Associação Aldraba quer que contem com ela para esse trabalho!

José Alberto Franco (“Crítica de Livros”, publicada no nº 11 da revista “ALDRABA”)

1 comentário:

  1. Muito obrigada pelo interesse demonstrado pelo meu livro, pela abordagem muito pertinente dos temas tratados e pela divulgação na revista "Aldraba". Continuação do excelente trabalho que a Associação tem vindo a realizar em prol da salvaguarda e divulgação do nosso património material e imaterial.

    Clara Bertrand Cabral

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