Nas Edições 70, Ldª, com o apoio do INATEL e da Comissão Nacional da UNESCO, a nossa amiga Clara Bertrand Cabral publicou recentemente “Património Cultural Imaterial – Convenção da Unesco e seus contextos”, obra que reflete e dá testemunho de todo um percurso profissional, e de um pensamento que o livro ajuda a sistematizar e a desenvolver.
Ao longo das 214 páginas de texto (complementadas com uma muito rica bibliografia e com cópia dos documentos institucionais mais relevantes), a autora alinha de forma crítica conceitos relativos ao património, à cultura e à sua salvaguarda, o que é a parte mais estimulante e inovadora deste trabalho.
O livro descreve como nasceu e se desenvolveu na UNESCO a ideia da Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial, de 2003, em interação com a sua antecessora Convenção para a Proteção do Património Mundial, Cultural e Natural, de 1972. Tudo no contexto de uma agência especializada das Nações Unidas criada no imediato pós-guerra (16.11.1945) para promover a paz no mundo pela cooperação entre os povos nas áreas da educação, da ciência, da cultura e da comunicação.
Como mero aperitivo para uma leitura direta do livro – que se recomenda vivamente – ficam aqui alguns apontamentos do que foi mais impressivo para o crítico.
No que se refere à ideia de “património”, a autora dá conta de como se evoluiu de uma “visão elitista e oficial”, que só retinha como relevantes os “monumentos”, para, a partir dos anos 50 do séc. XX, se ter passado a “incluir os objetos quotidianos, as construções vernáculas e os testemunhos mais recentes da atividade humana”. A ponto de, em finais do século, a noção de património se ter alargado até aos “bens cuja essência é intangível, como as práticas, as expressões, as representações e os saberes-fazer”.
Do monumento como suporte da memória, ter-se-á passado ao património como suporte da identidade. Esta última será o grau de identificação e solidariedade de um indivíduo com o grupo a que pertence, baseado na perceção dos membros de uma comunidade da sua homogeneidade social. A referida identidade não é estável nem imutável, pelo que o património cultural imaterial “é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função do seu meio, da sua interação com a natureza e da sua história”.
A atual globalização sobre os povos e culturas é apontada como frequentemente traumática para as comunidades, daí a consciência que se vai adquirindo da “importância sem precedentes do património”. Passando pelos conceitos de comunidades, grupos e indivíduos, a autora chega depois ao tema dos direitos culturais coletivos. Daí desembocar, mais à frente, nas questões das minorias e dos grupos de migrantes. E, finalmente, concluir com reflexões sobre folclore e cultura popular, onde, judiciosamente, assinala como estes termos foram explorados no séc. XX por regimes totalitários na Europa, e na colonização de territórios noutros continentes, em que as pessoas eram apresentadas “como um espetáculo de si próprias…”
A salvaguarda do património cultural imaterial é concebida por Clara Cabral, na linha da Convenção, como o conjunto das medidas que visam assegurar a sua viabilidade, incluindo a “identificação, documentação, pesquisa, preservação, proteção, promoção, valorização, transmissão e revitalização dos diferentes aspetos desse património”. E que tem de ser, por natureza, um “processo participativo”.
No desenvolvimento desse processo de salvaguarda, a autora dá grande destaque à tarefa da inventariação dos elementos do património, tal como já o fizera em julho de 2009, em entrevista que deu à “Aldraba”, nº 7:
“Qualquer organização vive com escassez de recursos. Se o Estado se propõe apoiar a salvaguarda do património imaterial, e se para isso os meios orçamentais serão inevitavelmente limitados, é normal que se queira basear numa identificação exata de quais os bens que justificarão os investimentos, daí a necessidade do tal inventário”.
Questionada nessa altura sobre o papel que as associações de cidadãos, como a Aldraba, podem ter nesse processo participativo, reconheceu-o como muito importante, cabendo-lhes sensibilizar a sociedade civil para a importância de salvaguardar o património cultural imaterial, dar a conhecer esse património e contribuir para alimentar as várias bases de dados de bens culturais imateriais criadas por diversas entidades.
É oportuno recordar essas considerações da autora, a propósito da parte final do livro em que enumera as instituições oficiais que estima serem as principais responsáveis pela Convenção em Portugal, e onde refere o papel das ONG’s de cariz local ou regional, “mediadoras esclarecidas e privilegiadas, sem as quais será impossível aplicar a Convenção de forma eficaz”.
A Associação Aldraba quer que contem com ela para esse trabalho!
José Alberto Franco (“Crítica de Livros”, publicada no nº 11 da revista “ALDRABA”)
Muito obrigada pelo interesse demonstrado pelo meu livro, pela abordagem muito pertinente dos temas tratados e pela divulgação na revista "Aldraba". Continuação do excelente trabalho que a Associação tem vindo a realizar em prol da salvaguarda e divulgação do nosso património material e imaterial.
ResponderEliminarClara Bertrand Cabral