segunda-feira, 24 de novembro de 2025

XLV Encontro temático da Aldraba - "O património histórico e Irene Lisboa", Sobral de Monte Agraço, 13.dez.2025







A associação Aldraba vai realizar em breve o seu 45.º Encontro temático no Sobral de Monte Agraço, pequeno concelho de cerca de 10 500 habitantes, que faz parte da comunidade intermunicipal do Oeste, e que está situado entre os concelhos de Torres Vedras, Alenquer, Arruda dos Vinhos e Mafra.

O Encontro terá a duração de um dia, mais precisamente a manhã e a tarde do segundo sábado do próximo mês de dezembro, dia 13.12.2025, a partir das 10h30 e até cerca das 18h30.

*   *   *

O Sobral de Monte Agraço é uma vila com um rico património histórico, sendo que o documento oficial mais antigo que se conhece a fazer-lhe referência é uma carta, de 1 de outubro de 1186, do rei D. Sancho I ao bispo de Évora, D. Paio, atribuindo a doação do “reguengo do Soveral”.

D. João I, em 1386, atribuiu “carta de privilégio” ao Sobral, em recompensa do seu papel ativo durante o cerco de Torres Vedras. Em 1518, D. Manuel I atribuiu foral a Monte Agraço, pelo qual são consignados as liberdades e garantias de pessoas e bens.

Durante as invasões francesas do séc. XIX, o Sobral de Monte Agraço estava integrado nas Linhas de Torres. Em outubro de 1810, o exército francês chefiado por Massena aproximou-se das Linhas, verificando que os portugueses tinham submetido a área defronte das mesmas a uma política de terra queimada. Depois de uma escaramuça no Sobral de Monte Agraço, os franceses aperceberam-se que não conseguiriam avançar mais. O historiador militar britânico Charles Oman escreveu que "ao alvorecer nessa manhã de 14 de outubro, em Sobral, a maré napoleónica atingiu o seu ponto mais elevado". Nesse episódio da terceira invasão francesa, o Sobral de Monte Agraço teve um papel decisivo ao travar a progressão das tropas francesas a caminho de Lisboa, nomeadamente através dos combates de Sobral e Seramena e do Forte Grande do Alqueidão.

A vila de Sobral de Monte Agraço foi elevada a sede de concelho em 1821.

*   *   *

O programa do nosso XLV Encontro terá os seguintes momentos:

- 10h30: concentração no largo do Município, frente ao posto de turismo;

- 10h45: visita guiada ao Centro de Interpretação das Linhas de Torres;

- 11h30: visita guiada ao Forte do Alqueidão;

- 13h00: almoço no restaurante Avenida (preço único de 12 €, que inclui sopa, prato principal, uma bebida, sobremesa e café; digestivos e outros extras pagos à parte);

- 15h30: visita guiada à igreja de Santo Quintino (monumento nacional);

- 17h00: sessão no auditório da Câmara Municipal, com uma conversa sobre a escritora Irene Lisboa, animada pelo amigo Jorge da Cunha e que terá também a presença de Catarina Gaspar.

Durante o dia, teremos ainda oportunidade para um contacto com a Associação Cultural e Recreativa 13 de Setembro de 1913.

A organização do Encontro vai contar com o apoio direto da Câmara Municipal, na pessoa do seu Vereador Diogo Gregório, responsável pelo pelouro do associativismo e do desporto.

*   *   *

Os associados e amigos da Aldraba que queiram participar no Encontro do Sobral de Monte Agraço devem manifestar-se, telefonicamente ou por escrito, até à 5.ª feira, 11 de dezembro de 2025, para o e-mail aldrabaassociacao@gmail.com, ou junto do José Alberto Franco (TM 96 370 84 81) ou do Luís Maçarico (TM 96 718 76 54).

JAF (informações Wikipédia)


domingo, 23 de novembro de 2025

Saiu da gráfica o n.º 38 da revista ALDRABA
















Ficou concluída a edição do n.º 38 da nossa revista ALDRABA, que vai começar a ser distribuída, e cuja sessão pública de lançamento será anunciada muito em breve.


Sumário deste número da revista:

EDITORIAL

Ainda acerca dos nossos 20 anos

Luís Filipe Maçarico

OPINIÃO

O poeta-pastor - João da Cruz Ramos, o “Palhinhas”

Joaquim Moedas Duarte

O património de Ponte de Lima. Contributos de Álvaro Campelo e do Conde d’Aurora

Luís Filipe Maçarico

LUGARES DO PATRIMÓNIO

Os pelourinhos de Campo Maior e de Elvas

J. Fernando Reis Oliveira

ARTES E OFÍCIOS

A arte do ferro em Portugal

João Coelho

SABORES COM HISTÓRIA

Tigeladas e outros doces

Nuno Roque da Silveira

SONS COM HISTÓRIA

Fausto canta a resistência, o desejo e o sonho, sempre no presente

Marta Barata

À CONVERSA COM...

José Valentim: poeta, pintor e cantador

Ana Isabel Veiga e Luís Filipe Maçarico

A professora Justina

Luís Filipe Maçarico

VULTOS A ADMIRAR

Uma mulher de pena aguda - Irene Lisboa

Jorge da Cunha

António Jacinto ou o empenhamento poético pela liberdade

Zetho Cunha Gonçalves

CRÓNICAS DO QUOTIDIANO

A bela luz de Lisboa

Myriam Jubilot de Carvalho

CRÍTICA DE LIVROS

A propósito de “Memórias da Guerra Colonial” (1)

António Carlos Cortez

A propósito de “Memórias da Guerra Colonial” (2)

Jorge Branco

ALDRABA EM MOVIMENTO

Maio a outubro de 2025

José Alberto Franco

 

Monangamba

António Jacinto


JAF

terça-feira, 18 de novembro de 2025

Nova visita à exposição "Desconstruir o colonialismo / Descolonizar o imaginário"










Aquando da visita que a Aldraba promoveu em 26.10.2025 à exposição que está patente no Museu Nacional de Etnologia, diversos interessados em participar manifestaram essa intenção num momento em que existia já um número de inscritos elevado, desfavorável a uma condução razoável da iniciativa.

Procurámos então assegurar uma nova edição da visita, que foi possível concretizar na manhã do último domingo, 16 do corrente mês de novembro.

22 associados e amigos da Aldraba tiveram assim a oportunidade de visitar agora esta excelente exposição, guiados, como da vez anterior, pela dedicada comissária Isabel Castro Henriques.

JAF (fotos Margarida Vicente)  


 

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Intervenção da Aldraba nas Jornadas de Medicina da Beira Interior


























Na sessão do dia 8 de novembro destas 37.ªs Jornadas de Medicina na Beira Interior, que decorreram no auditório da Biblioteca Municipal António Salvado em Castelo Branco, a nossa associação teve oportunidade de apresentar uma comunicação (profusamente ilustrada) sobre o Museu da Farmácia de Lisboa.

Aqui se regista uma imagem da mencionada intervenção, que foi assegurada pela Ana Isabel Veiga, pelo Luís Maçarico, pela Marta Barata e pelo José Alberto Franco.

Igualmente se regista uma imagem da mesa de encerramento das Jornadas, presididas por Pedro Salvado, de que também fizeram parte Luís Maçarico e Rodrigo Dias (Círculo Artur Bual e associado da Aldraba). Na assistência, estiveram outros 5 associados da Aldraba, que corresponderam ao anúncio que divulgámos.

As comunicações apresentadas, as exposições disponíveis no espaço da Biblioteca, e o convívio entre todos os participantes, constituíram uma rica oportunidade cultural em torno dos temas da saúde em Portugal, em particular nos territórios do interior.

JAF (fotos de Margarida Vicente)

domingo, 2 de novembro de 2025

XXXVII Jornadas de Medicina na Beira Interior - Castelo Branco, 7 e 8 nov 2025


 















A associação ALDRABA vai participar na nova edição das Jornadas de Medicina na Beira Interior, que terá lugar nos próximos dias 7 (6ª feira) e 8 (sáb.) de novembro em Castelo Branco, na Biblioteca Municipal António Salvado.

Participámos já nas 35.ªs Jornadas, em 2023, com uma comunicação subordinada ao título "Chás, mezinhas e benzeduras", posteriormente também apresentada no PAN de Vilarelhos em 2024 e publicada no n.º 36 da nossa revista.

Conforme refere a organização das Jornadas no seu site, estes eventos, sob a coordenação do médico António Lourenço Marques e da geógrafa Adelaide Salvado, continuam a ser “uma referência nacional e internacional trazendo à região membros dos principais centros de investigação peninsular nos domínios da história das ciências, contando sempre com o apoio da Câmara Municipal de Castelo Branco, cidade de Amato Lusitano”.

Desta vez, apresentaremos uma comunicação acerca do Museu da Farmácia de Lisboa (espaço já visitado pela Aldraba há uns anos atrás), da responsabilidade dos nossos companheiros e dirigentes Ana Isabel Veiga, Luís Maçarico, Marta Barata e José Alberto Franco.

Do vasto programa das 37.ªs Jornadas constam outras intervenções de José Paulo Andrade, Alfredo Rasteiro, Maria Adelaide Salvado, José Martinez de Oliveira, Joaquim Candeias da Silva, Aires Diniz, Joshua Magalhães, Manuel Mendes Silva, Cristina Moisão, António Lourenço Marques, André Perestrello Morais, José Morgado Pereira, João Rui Pita e Ana Leonor Pereira, Francisco Javier Morales Paino, Manuel Silvério Marques, Maria José Leal, Ana Ferreira da Silva, Diana Salvado, Maria de Lurdes Cardoso, Pedro Salvado e Joana Bizarro, Maria de Sá Pereira Capelo, Eddy Chambino, Luís Norberto Lourenço e Manuel González Miguel Nascimento, e finalmente Luís Aguiar e Pedro Salvado.

Os associados e amigos da Aldraba são convidados a comparecer e assistir.

JAF


segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Interessante 14.ª visita a espaços de interesse para o património - Exposição "Desconstruir o colonialismo..."




A exposição "Desconstruir o colonialismo / Descolonizar o imaginário", que está patente no Museu Nacional de Etnologia até à Páscoa de 2026 (período que foi recentemente ampliado em função da enorme afluência de visitantes), teve na manhã deste domingo 26 de outubro de 2025 a visita de 20 associados e amigos da Aldraba.

Do princípio ao fim das intensas duas horas em que percorremos a exposição, fomos guiados pela nossa amiga, comissária daquela mostra, Dr.ª Isabel Castro Henriques, com um conhecimento, um carinho e uma capacidade de comunicação inexcedíveis.

Tivemos pois o privilégio de um primeiro contacto com o riquíssimo acervo de textos, gravuras e objetos que ilustram o tema, mas o conteúdo dos placares e vitrines recomenda uma visita posterior mais demorada e minuciosa.

Dado que diversos associados e amigos que manifestaram interesse em participar na iniciativa iriam ultrapassar largamente a dimensão recomendada dos grupos de visitantes, está já apalavrada uma segunda edição da visita para o domingo 16 de novembro pf., também pelas 11h30. Apareçam!

Após esta visita, boa parte dos participantes tiveram ainda a oportunidade de confraternização proporcionada por um belo almoço no David da Buraca.

JAF

segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Sou barco

 









Sou barco

Sou barco abandonado
Na praia ao pé do mar
E os pensamentos são
Meninos a brincar

Ei-lo que salta bravo
E a onda verde-escura
Desfaz-se em trigo
De raiva e amargura

Ouço o fragor da vaga
Sempre a bater no fundo
Escrevo, leio, penso
Passeio neste mundo
De seis passos
E o mar a bater ao fundo

Agora é todo azul
Com barras de cinzento
E logo é verde, verde
Seu brando chamamento

Ó mar, venha a onde forte
Por cima do areal
E os barcos abandonados
Voltarão a Portugal

António Borges Coelho, 
Forte de Peniche, 1962

sábado, 11 de outubro de 2025

Nomes de localidades em azulejos (cont.44)





















Há cerca de um ano que a Aldraba e os seus amigos não encontram novas placas de identificação de localidades que o Automóvel Club de Portugal mandou colocar, à entrada das povoações, a partir da década de 1920.

Resolvemos então revisitar o blogue "Diário de Bordo", animado por Maria Teresa Oliveira e com o endereço mtfoliveira@blogspot.com, de onde no passado reproduzimos (com a devida vénia) muitas fotografias de placas ACP que essa militante do património e amigos seus foram recolhendo.

Dessa origem, que voltamos hoje a saudar, republicamos 7 placas toponímicas, de 5 localidades diferentes, e registamos que lá figuram muitas outras placas de locais já assinalados por nós.

Os casos agora divulgados são os seguintes:
- duas placas diferentes da povoação de Calçadinha, sita em São Brás e São Lourenço, no concelho de Elvas (distrito de Évora);
- uma placa da povoação e concelho de Mora (distrito de Évora);
- uma placa da Parede, no concelho de Cascais (distrito de Lisboa);
- uma placa de Pavia, no concelho de Mora (distrito de Évora);
- duas placas diferentes da cidade e concelho de Viseu (distrito de Viseu).

Com a divulgação destas placas, passamos a averbar um total de 183 placas toponímicas publicitadas, de 163 localidades diferentes, situadas em 85 concelhos do país e na totalidade dos 18 distritos do continente.

JAF  

segunda-feira, 6 de outubro de 2025

Visita à exposição "“Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo em África: Mitos e Realidades” (Museu de Etnologia), 26.10.2025, domingo, 11h30

Na manhã do domingo, dia 26 de outubro próximo, pelas 11.30 horas, levamos a efeito uma nova visita a espaços de interesse para o património (14.ª atividade desta série).

Desta vez, iremos visitar a exposição “Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo em África: Mitos e Realidades”, que tem estado em exibição no Museu Nacional de Etnologia, em Lisboa (Restelo).

A exposição, organizada pelo Centro de Estudos Sobre África e Desenvolvimento (CESA/ISEG-Universidade de Lisboa) e pelo Museu Nacional de Etnologia, é comissariada por Isabel Castro Henriques e realiza-se no âmbito das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril.

Esta mostra visa apresentar as linhas de força do colonialismo português em África nos séculos XIX e XX e tem como objetivos desconstruir os mitos criados pela ideologia colonial, descolonizar os imaginários portugueses e contribuir, de forma pedagógica e acessível, para uma renovação do conhecimento sobre a questão colonial portuguesa.

Organiza-se em torno de textos e imagens que procuram explicar historicamente o fenómeno colonial.

Apresenta também uma seleção de objetos de arte africana do Museu Nacional de Etnologia, que evidenciam a força política e criativa das culturas africanas e contradizem as narrativas depreciativas europeias relativas à África, assim como obras de arte africana contemporânea dos artistas Lívio de Morais, Hilaire Balu Kuyangiko e Mónica de Miranda.

Os associados e amigos que desejem participar na visita devem comunicá-lo previamente ao Nuno Roque da Silveira (telemóvel 96 291 60 05 ou   nunoroquesilveira@gmail.com) ou para o nosso email (aldrabaassociacao@gmail.com).
 
O Museu Nacional de Etnologia fica na Av. Ilha da Madeira, um pouco acima do Estádio do Restelo, e é bem servido de transportes públicos (CP e Carris).

Para depois da visita, e para quem o desejar, iremos ter reservado um restaurante onde poderemos almoçar juntos.

JAF

sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Os chocalhos e a Aldraba












A Aldraba voltou a estar presente na última edição dos Chocalhos - Festival da Transumância, que decorreu de 19 a 21 de setembro de 2025 na vila de Alpedrinha, concelho do Fundão.

Durante esse período, esteve exposta a bela exposição fotográfica "Ecos dos Chocalhos", organizada por Eduardo Trigueiros Serra, por Francisco Barata Roxo e pela Fábrica da Igreja Paroquial, na Capela do Espírito Santo. No mesmo local, foi feita mais uma apresentação do nosso caderno temático "Os cataventos do Concelho de Moura".

O programa cultural do Festival incluiu, como sempre, a exibição pelas ruas da vila de um elevado número de grupos populares, bandas e ranchos folclóricos.

Tivemos ainda alguns concertos musicais com artistas profissionais, de que destacamos a inesquecível noite com Júlio Pereira (que teve a gentileza de posar connosco...).

JAF (fotos Laurinda Figueiras)

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Mamíferos selvagens em Portugal


 

Nova incursão pelo património natural português, desta vez pelas espécies zoológicas que surgem no nosso território em espaço aberto, isto é, sem serem animais domésticos ou de criação pecuária.

Excluem-se desta abordagem de hoje os peixes, os crustáceos, as aves, os répteis e os insetos, em que qualquer um deles são universos riquíssimos…

Centrando-nos nos mamíferos terrestres, vamos deixar de fora as espécies animais que vivem em liberdade e que são mais comuns, há tantos anos, como os ratos, as toupeiras, os coelhos ou as lebres – que a generalidade dos portugueses não pressente como animais selvagens.

Deixemos também de fora os mamíferos aquáticos, como as baleias ou os golfinhos, ou voadores, como os morcegos.

Ficaremos então, nos mamíferos terrestres selvagens portugueses, com uma seleção de castores, coatis, corços, doninhas, esquilos, fuinhas, ginetos, javalis, leirões, linces, lobos, musaranhos, ouriços, raposas, sacarrabos, texugos, ursos, veados e visões.

São estes os animais selvagens, avistados em Portugal nos últimos anos, que são destacados na muito interessante reportagem do jornalista Luís Francisco no n.º 2759 da revista do Expresso, de 12/9/2025, a páginas 13-18, e cuja leitura se recomenda!

Animais que não surgiram agora, mas que se vão tornando cada vez mais visíveis, à conta das câmaras de videovigilância e dos telemóveis, dos fóruns de apaixonados da vida animal, das câmaras automáticas ativadas por sensores, ou da comida fácil que é deixada no lixo ou que resulta da proteção humana a outras espécies animais.

E escreve Luís Fernando no artigo citado: “… nos anos em que o planeta foi assolado pela covid-19, o mundo selvagem recuperou algum do seu espaço. E não parece querer abrir mão dele, até porque os humanos estão cada vez mais sensibilizados para a sua presença. Na maior parte dos casos, com um sorriso”.

A grande maioria destes animais não constituem, de facto, perigos reais para o género humano. E constituem uma realidade que a todos nos vem enriquecer…

JAF


domingo, 31 de agosto de 2025

O acervo documental da Aldraba (28): Comércio



Retomando a divulgação do nosso acervo de textos publicados na revista "Aldraba" ao longo dos 37 números até agora editados, recordam-se hoje os artigos relativos ao tema das atividades comerciais:

Ana Alexandra Henriques, “A Mouraria, hoje”, nº 27 (Abr.2020), p.31

Glória Montes, “A lota de Lagos”, nº 9 (Out.2010), p.5

João Coelho, “Lojas com história e memórias”, nº 21 (Abr.2017), p.12

José do Carmo Francisco, “A mais pequena livraria do mundo”, nº 8 (Dez.2009), p.12

Luís Filipe Maçarico, “Joaquina e Eurico: a mercearia onde se sente o Alentejo”, nº 27 (Abr.2020), p.23

Nuno Roque Silveira, “A Feira da Ladra”, nº 7 (Jul.2009), p.5 

Os interessados em aceder a algum ou alguns destes textos podem manifestar-se através de uma simples mensagem para aldrabaassociacao@gmail.com, e teremos todo o gosto em lhes enviarmos cópia(s).

JAF

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

20 expressões antigas do tempo das nossas avós


Reproduzido, com a devida vénia, de https://www.vortexmag.net/expressoes-antigas-da-lingua-portuguesa:

A língua muda, mas não esquece. E entre as tantas marcas que o tempo deixa no modo como falamos, há expressões que resistem como pequenas cápsulas culturais – formas de dizer que já não se ouvem com frequência, mas que continuam a fazer sentido.

Muitas dessas expressões eram comuns nos tempos das nossas avós. Algumas caíram em desuso, outras ainda se ouvem aqui e ali, mas todas revelam muito do humor, da criatividade e da sabedoria popular de outros tempos.

1. À noite todos os gatos são pardos

Quando a luz desaparece, tudo parece igual — ou mais difícil de distinguir. É isso que esta expressão ilustra: na escuridão, perdem-se as diferenças.

2. Andar à toa

Sem rumo, sem planos, apenas a seguir o tempo. Vem do mundo náutico: um barco à toa está a ser puxado, sem controlo próprio.

3. Armar aos cucos

Quem “arma aos cucos” tenta parecer mais do que é. A origem está na ave cuco, que põe ovos nos ninhos alheios — sem cuidar do que é seu.

4. Bater as botas

Uma forma informal de dizer que alguém morreu. A origem pode estar nos soldados que, caídos no campo de batalha, já não faziam as botas ecoar.

5. Chegar a roupa ao pelo

Não é apenas ralhar — é castigar com força. A imagem é clara: atingir alguém até ultrapassar o tecido e chegar à pele.

6. Dar com os burros n’água

Tentativa falhada. Recuo forçado. Segundo a lenda, vem de lavradores cujos burros se recusavam a atravessar um rio — acabando por cair à água.

7. Diz o roto ao nu!

Aponta a hipocrisia de quem critica sem ter moral para isso. Um pobre a rir-se de quem está ainda pior.

8. Fazer das tripas coração

Esforço extremo, sacrifício total. A imagem vem de rituais antigos, onde as tripas dos animais eram moldadas em forma de coração como oferenda.

9. Ir aos arames

Ficar furioso. Vem do mundo dos fantoches: quando os fios se enrolavam, os bonecos ficavam “fora de si”.

10. Lavar roupa suja

Discutir assuntos íntimos em público. Antigamente, lavava-se roupa nos rios — à vista de todos.

11. Meter o bedelho

Intrometer-se onde não foi chamado. O “bedelho” era uma haste usada para mexer brasas. Mal usada, podia provocar acidentes.

12. Meter o Rossio na Betesga

Quer fazer o impossível — como enfiar uma praça enorme numa rua minúscula. A expressão nasceu em Lisboa, entre o Rossio e a Rua da Betesga.

13. Não ter papas na língua

Fala o que pensa, sem rodeios. As “papas” dificultam o discurso — quem não as tem, não se cala.

14. Nascer com o rabo virado para a lua

Pessoa com sorte constante. Acreditava-se que nascer nessa posição trazia fortuna.

15. Pagar o pato

Assumir culpas que não são suas. No antigo “jogo do pato”, quem falhava tinha de compensar o dono do animal.

16. Pôr as barbas de molho

Ficar alerta. Os homens molhavam as barbas antes de se barbearem, para suavizar os pelos e evitar cortes.

17. Rachar a lenha

Trabalhar duro. Cortar lenha exige esforço físico — e é isso que esta expressão simboliza.

18. Tapar o sol com a peneira

Fingir que algo não existe. A peneira, cheia de buracos, não serve para esconder o sol — nem para encobrir verdades.

19. Ter o rei na barriga

Arrogância disfarçada de importância. Quem age como se tivesse o rei na barriga sente-se acima dos outros.

20. Tirar o cavalinho da chuva

Desistir de algo que se desejava. Se ninguém convida para entrar, mais vale tirar o cavalo da chuva e seguir caminho.


Estas expressões são heranças que, embora discretas, transportam história, modos de vida e formas de pensar. Resgatá-las é também uma forma de manter viva uma parte da cultura popular portuguesa – com graça, com memória e com muito da sabedoria das nossas avós.


segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Bilhete postal









O bilhete postal foi, durante mais de um século, uma forma de comunicação escrita muito popular, em especial pela sua simplicidade e pela sua tarifa muito acessível (durante décadas, custava em Portugal $50, ou seja, cinquenta centavos...), incorporada no preço de venda ao público do retângulo de cartolina, em cujo verso se escrevia a mensagem para o destinatário.

Historicamente, a ideia da sua criação terá sido lançada em 1865 por Henrique Stephan, diretor-geral dos correios da Alemanha, numa conferência internacional em Carlsrhue, tendo sido posta em prática pela 1ª vez pelos correios da Áustria, em 1 de dezembro de 1869, com enorme sucesso.

Em Portugal, o bilhete postal foi criado por decreto de 31 de outubro de 1877, assinado pelo Ministro das Obras Públicas, Comércio e Indústria, João Gualberto de Barros e Cunha (cf. Godofredo Ferreira, "Velhos Papéis do Correio", ed. CTT, 1949).

                                         *     *     *

Formou-se em 1996 um grupo musical português precário, com o nome de Rio Grande, que reuniu seis notáveis artistas - o Rui Veloso, o Tim (dos Xutos e Pontapés), o João Gil (dos Trovante), o Jorge Palma, o Vitorino e o João Monge. Registou grande impacto na altura, com um álbum com o mesmo nome do grupo, e um segundo em 1998 com o nome de "Dia de Concerto".

O maior sucesso dos Rio Grande, que ficou nas memórias de muitos de nós, foi o marcante "Postal dos correios", enviado por um qualquer migrante da Margem Sul (Barreiro, Almada, Cacilhas, Cruz do Pau?) aos seus pais numa recôndita aldeia alentejana. Aqui deixamos o belo texto dessa mensagem:

Postal dos correios

Querida mãe, querido pai. Então que tal? 
Nós andamos do jeito que Deus quer 
Entre dias que passam menos mal 
Lá vem um que nos dá mais que fazer 

Mas falemos de coisas bem melhores 
A Laurinda faz vestidos por medida 
O rapaz estuda nos computadores 
Dizem que é um emprego com saída 

Cá chegou direitinha a encomenda 
Pelo "expresso" que parou na Piedade 
Pão de trigo e linguiça pra merenda 
Sempre dá para enganar a saudade 

Espero que não demorem a mandar 
Novidade na volta do correio 
A ribeira corre bem ou vai secar? 
Como estão as oliveiras de "candeio"? 

Já não tenho mais assunto pra escrever 
Cumprimentos ao nosso pessoal 
Um abraço deste que tanto vos quer 
Sou capaz de ir aí pelo Natal

"Rio Grande", 1996

 

quarta-feira, 30 de julho de 2025

A Aldraba esteve no PAN de Vilarelhos de 2025


 


De 25 a 27 de julho de 2025, a nossa associação participou em Vilarelhos (concelho de Alfândega da Fé, Bragança) em mais uma edição do PAN - Encontro e Festival Transfronteiriço de Poesia, Património e Arte de Vanguarda em Meio Rural.

A convite da organização, onde se salientam o incansável e omnipresente Francisco José Lopes e o editor António Sá Gué, interviémos no "Espaço das Associações", apresentando a nossa atividade e as mais recentes publicações da Aldraba (a saber, a revista n.º 37 e o caderno temático n.º 2), que suscitaram vivo interesse da assistência.

No mesmo momento do programa, intervieram outras associações culturais populares, de que destacamos o Círculo Artur Bual e a Ribacvdana, dirigidos respetivamente por Rodrigo Dias e Carlos Vicente (que, por sinal, são também associados da Aldraba...).

Ao longo dos três dias do Encontro, em que estiveram presentes mais de uma centena de portugueses e de espanhóis, juntamente com a população local da aldeia, registaram-se inúmeros eventos de grande nível e vibração. A poesia, a música, as exposições de arte, a reflexão sobre autores e cidadãos ilustres ligados a Trás-os-Montes, e a confraternização entre todos, marcaram de forma indelével o PAN de 2025.

O momento mais forte foi o sarau de poesia da tarde do dia 26, sob a coordenação do primeiro inspirador do PAN, Manuel Ambrósio Sánchez, que teve a participação de dezenas de poetas e declamadores, e do excelente grupo musical Luspaña.

JAF (foto Sara Timóteo)   

quinta-feira, 10 de julho de 2025

25 participantes na 15.ª Rota da Aldraba "Do Chiado ao Camões"





















Uma manhã quente de verão não afugentou um numeroso grupo de associados e amigos da associação Aldraba, que acorreram para mais este trajeto patrimonial por Lisboa.

A partir do fresco átrio dos Armazéns Chiado, logo pelas 10h30 do dia 6.7.2025, até à sombra da esplanada do Largo Camões, já pelo começo da tarde, percorremos e saboreámos as ricas referências ao edificado e à história daquela zona da cidade, sempre sob a entusiasta e inspirada batuta do Nuno Roque da Silveira. 

A Ana Machado também nos testemunhou a sua experiência pessoal em agosto de 1988, aquando do trágico incêndio que devastou o Chiado, onde ela residia com a família durante a sua adolescência.

Rua Garrett acima, passámos em revista, com complementos informativos de muitos dos presentes, o que foi o brilhante universo comercial do Chiado.

Na Livraria Bertrand, a dinâmica Inês contou-nos e encantou-nos sobre a história da mais antiga livraria do mundo em atividade.

Após almoçarmos, ainda houve oportunidade, junto ao quiosque do Largo Camões, para evocarmos o passado daquele extremo da nossa Rota, com muitas pontas para explorar e desenvolver em atividades futuras. 

JAF

 









sábado, 28 de junho de 2025

15.ª Rota da Aldraba - "Do Chiado ao Camões", dia 6.7.2025, domingo, a partir das 10h30

Na manhã do próximo dia 6 de julho de 2025, pelas 10h30, vamos voltar às ruas e às referências culturais da cidade de Lisboa.

A ideia é percorrermos, com "olhos de ver", uma zona central da capital, cheia de memórias e de histórias, com o sábio acompanhamento do Nuno Roque Silveira, profundo conhecedor de toda aquela zona.

Encontrar-nos-emos no átrio dos Armazéns do Chiado, local fresco e agradável, de grande simbolismo. Propõe-se que todos tragam vestuário e calçado leves.

Faremos de seguida uma evocação da rica história dos locais do grande comércio à nossa volta, e iniciaremos aí uma lenta peregrinação pela Rua Garrett acima, assinalando os antigos e brilhantes estabelecimentos ligados ao vestuário, ao calçado, às louças, à ourivesaria, à restauração...

A meio do percurso, entraremos na Livraria Bertrand (a mais antiga livraria do mundo em atividade, conforme reconhecida internacionalmente no Guiness Book), em cuja cafetaria poderemos tomar um café, uma água ou um refresco, e onde nos aguarda uma profissional para uma visita guiada.

Prosseguiremos depois para a zona superior da rua, e suas imediações, onde se concentram notáveis espaços edificados (igrejas) e teatros, que evocaremos de forma breve.

Após uma visita à igreja do Loreto (ou dos Italianos), terminaremos a deambulação no largo e na estátua de Camões.

Nas proximidades, para os que puderem e quiserem, almoçaremos em seguida num restaurante popular da zona.

Participará connosco neste atividade a nossa amiga Ana Machado, antropóloga, que era adolescente e residia no Chiado em agosto de 1988, aquando do trágico incêndio que devastou grande parte daquele espaço, e que partilhará o que foi a sua experiência pessoal na altura.

Não é necessária inscrição prévia para esta atividade. Apareçam e tragam amigos convosco!

JAF

quarta-feira, 11 de junho de 2025

Discurso de Lídia Jorge no 10 de junho de 2025




Palavras de enorme significado e oportunidade que, apesar da sua extensão, achamos que devem aqui ser reproduzidas: 


DESAFIO E CIRCUNSTÂNCIA

1.

Muito obrigada, Senhor Presidente da República, por me ter convidado a juntar-me às Celebrações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, neste ano de 2025. Não estava no meu horizonte, mas agradeço-lhe.

Os países escolhem datas de referência para celebrarem a sua História, contemplando memórias de batalhas, ações de independência, encontros civilizacionais, momentos importantes em torno dos quais concitam a unidade dos cidadãos e promovem o orgulho patriótico. Mas em Portugal é a data da morte de um poeta que protagoniza o nosso momento cívico de unidade mais relevante.

Muito se tem discorrido sobre o significado desta nossa singularidade. E muitas vezes é difícil explicar que não se trata de um sinal de melancolia, mas sim do seu oposto – a assunção de que um poeta do século XVI nos legou uma obra tão vigorosa que acabou por ser adotada no seu conjunto como exemplo da vitalidade de um povo. E que a própria biografia do seu autor se oferece como exemplo não só de um percurso português, mas se transformou em símbolo universal da nossa peregrinação prometeica sobre a Terra.  A fidelidade que Camões manteve em relação à pátria, quando se encontrava em paragens remotas, alimenta a simbologia que lhe é atribuída como exemplo da proximidade que os portugueses, que se encontram longe, mantêm com a sua cultura de origem. O país retribui-lhes reconhecendo desde há muito que as Comunidades Portuguesas são corpo essencial do nosso ser identitário.

Mas as Celebrações deste ano de 2025 têm um cunho muito particular. Em primeiro lugar porque voltam a ter lugar na cidade de Lagos. No século passado foi cidade anfitriã em 1996. Passados vinte e nove anos, esta cidade do Algarve continua a ser democrática, livre, próspera. O que mudou, e o que justifica que de novo tenha sido escolhida para ser palco das celebrações, foi a nova consciência de que Lagos passou a representar um lugar obrigatório quando se pretende avaliar as relações entre os povos ao longo dos séculos.  

É sabido que Lagos, lugar de saída para África, e lugar do comércio prático, tem como símbolo complementar o Promontório de Sagres. A escassos quarenta quilómetros de distância, Sagres e Lagos representam historicamente uma dualidade contrastiva cujo papel se encontra em avaliação. A comunicação digital que se afirmou a partir dos anos noventa, permite agora uma divulgação ampla dos estudos que os arqueólogos, antropólogos e historiadores estão a realizar neste espaço geográfico antes designado por Terras do Infante. Era altura de atribuir a Lagos, de novo, o estatuto de cidade merecedora de acolher estas celebrações, e de fazer refletir a sua importância como polo aglutinador de interesse cultural.

Mas há outro motivo para que este ano a Celebração deste Dia seja particular. Desde há dois anos que estamos a evocar o nascimento de Camões, ocorrido há quinhentos anos, presume-se que entre 1524 e 1525. Calcula-se que assim tenha sido, mas vale a pena refletir sobre o facto, pois tal como não sabemos como decorreu a sua infância nem a sua formação, também desconhecemos o local e o dia em que o poeta nasceu. Para sermos justos, sobre a sua vida inicial, apenas podemos dizer o que um célebre maestro disse sobre Beethoven – Um dia Camões nasceu e nunca mais morreu.

2.

Nunca mais morreu.

Provam-no a forma como passados cinco séculos tem sido revisitado ao longo destes dois últimos anos. As escolas, a academia, o mundo da edição, os vários campos das artes e das ciências humanísticas em Portugal têm dado rosto a toda uma espécie de comemoração espontânea e informal em torno do nosso poeta maior. Novos autores têm surgido atualizando a exegese sobre os seus poemas e o conhecimento acumulado em torno da vida de Camões. O jovem ensaísta Carlos Maria Bobone pôs recentemente em relevo o papel decisivo que Camões desempenhou ao fixar uma língua nova à altura de um pensamento novo, que resultaria definitivamente na Língua Portuguesa Moderna que hoje usamos.  Demonstrou como a Língua Portuguesa, manobrada no seu esplendor, resultou como uma dádiva que devemos ao “grande cantor do Oceano” como lhe chamou Baltazar Estaço.

Por sua vez, a biógrafa Isabel Rio Novo, numa visita recente profusamente documentada que faz à vida de Camões, no final, não deixa de se comover com os testemunhos sobre os últimos dias do poeta, demonstrando que as histórias que correm sobre certos passos da sua vida afinal não são lendas, são verdades. O receio de sermos românticos não nos deveria afastar da realidade testemunhada. E assim, a mim não me pareceria errado que os adolescentes portugueses conhecessem o comentário que Frei José Índico redigiu na margem de um exemplar de Os Lusíadas presumivelmente oferecido pelo próprio autor na hora de partir. Escreveu o frade – “Yo lo vi morir en un hospital en Lisboa, sin tener una sabana con que cubrirse (…) después de haber navegado 5.500 leguas per mar.” 

Assim foi, sem um lençol. Terá sido um amigo quem lhe enviaria a sabana, já depois de morto. Não me parece que daí se devam retirar conceitos patrióticos ou antipatrióticos. Conceitos sobre a vida humana e o seu mistério, isso talvez. Entretanto, por contraste, sobre a obra que deixou, milhares de páginas de novo têm sido escritas, confirmando a dimensão invulgar do poeta que foi. Hélder Macedo, um dos seus leitores mais subtis, disse recentemente numa entrevista que se Camões tivesse continuado a viver, ninguém mais em Portugal teria sido capaz de escrever um verso. Essa hipérbole é linda.

Assim como é reconfortante saber que os professores deste país continuam a ler às crianças epigramas, redondilhas e vilancetes de Camões como se fossem filmes modernos feitos de palavras, o que mostra que os portugueses continuam vivamente enamorados do seu poeta maior.

3.

Mas se o patrono destas Celebrações é o poeta do virtuosismo verbal e do amor conceptual, o amor maneirista, o poeta do questionamento filosófico e teológico como é em Sobolos Rios que Vão, e o poeta dos longos versos enfáticos sobre o heroísmo dos viajantes do mar, ao regressarmos a todos esses versos escritos há quase quinhentos anos, encontramos coincidências que nos ajudam a compreender os tempos duros que atravessamos, tão em conformidade com os tempos em que ele próprio viveu. 

Camões, tal como nós, conheceu uma época de transição, assistiu ao fim de um ciclo, e sobre a consciência dessa mudança, no conjunto das mil cento e duas oitavas que compõem Os Lusíadas, vinte e duas delas contêm avisos explícitos sobre a crise que se vivia então. Aliás, hoje é ponto assente que o poema épico encerra um paradoxo enquanto género. O paradoxo de constituir um elogio sem limites à coragem de um povo que havia resultado na criação de um Império e, em sentido oposto conter a condenação das práticas que passados cinquenta anos impediam a manutenção desse mesmo império. E nesse campo, pode-se dizer que Os Lusíadas, poema que no fundo justifica que o Dia de Portugal seja o Dia de Camões, expressa corajosas verdades, dirigidas ao rosto dos poderes que elogia.

É bom lembrar que entre os séculos XVI e XVII três dos maiores escritores europeus de sempre coincidiram no tempo apenas durante dezasseis anos, e, no entanto, os três desenvolveram obras notáveis de resposta ao momento de viragem de que eram testemunhas. Foram eles Shakespeare, Cervantes e Camões. De modo diferente, mas em convergência, procederam à anatomia dos dilemas humanos, e entre eles os mecanismos universais do poder, corpus que continua válido e intacto até aos nossos dias. Sobre o poder grandioso, o poder cruel, o poder tirânico, e o poder temeroso e o poder laxista.

No caso de Camões, de que se queixa ele quando interrompe o poema das maravilhas da História para lembrar a mesquinha realidade que envenenava o presente de então? Queixava-se da degradação moral. Mencionava o vil interesse e sede immiga/ do dinheiro, que a tudo nos obriga, e evocava entre os vários aspetos da degradação o facto de sucederem aos homens da coragem que tinham enfrentado o mar desconhecido, homens novos, venais, que só pensavam em fazer fortuna. Mais do que isso, queixava-se da subversão do pensamento. Queixava-se da falta de seriedade intelectual que resultava, depois, na prática, na degradação dos atos do dia a dia.  Escreve o poeta no final do Canto VIII – Este deprava às vezes as ciências, /Os juízos cegando e as consciências (…) Este interpreta mais do que sutilmente/Os textos; este faz e desfaz leis; / Este causa  os perjúrios entre a gente/E mil vezes tiranos torna os Reis…

4.

Na verdade, Camões, Cervantes e Shakespeare, de modos diferentes, expuseram os meandros da dominação, envolvidos com o tempo histórico dos impérios em que viveram.  Por essa altura, sobre os reis de Portugal, Espanha e Inglaterra, dizia-se que lutavam  entre si pelo domínio do Globo Terrestre.  Ou, mais concretamente, dizia-se então que os três competiam para ver quem acabaria por pendurar a Terra ao pescoço como se fosse um berloque. Os três autores perceberam bem que em dado momento é possível que figuras enlouquecidas, emergidas do campo da psicopatologia, assaltem o poder e subvertam todas as regras da boa convivência. Escreveu Shakespeare no Acto IV do Rei Lear –  É uma infelicidade da época que os loucos guiem os cegos.

Enquanto isso, Cervantes criava a figura genial do alucinado Dom Quixote de la Mancha, que até hoje perdura entre nós como o nosso irmão ensandecido. Por seu lado, Camões, no corpo de Os Lusíadas não falou da loucura, mas a vida haveria de lhe demonstrar que as páginas escritas por si mesmo haviam sido proféticas em resultado dela, a insanidade. O desastre de Alcácer Quibir, ocorrido em 1578, estava assinalado numa das últimas estrofes do canto X. Era a História, como sempre, a confirmar o pressentimento experimentado pela Literatura. No entanto, o fim de ciclo que neste caso aqui interessa não é mais uma transição localizada que diga apenas respeito a três reinos da Europa. Nos dias que correm, trata-se do surgimento de um novo tempo que está a acontecer à escala global.

Porque nós, agora, somos outros, deslocamo-nos à velocidade dos meteoros, e estamos cercados de fios invisíveis que nos ligam pelo Espaço. Mas alguma coisa desse outro fim de ciclo que se seguiu ao tempo da Renascença malograda, relaciona-se com os dias que estamos a viver. O poder demente, aliado ao triunfalismo tecnológico, faz que a cada manhã, ao irmos ao encontro das notícias da noite, sintamos como a Terra redonda é disputada por vários pescoços  em competição, como se mais uma vez se tratasse de um berloque. E os cidadãos?  São público que assiste a espetáculos em écrans de bolso. Por alguma razão os cidadãos hoje regrediram à subtil designação de seguidores e os seus ídolos são fantasmas. É contra isso, e por isso, que vale a pena que Portugal e as Comunidades Portuguesas usem o nome de um poeta por patrono.

5.

Por isso mesmo, também, vale a pena regressar a Lagos.

Sobre estes areais aconteceram momentos decisivos para o mundo. No início da Idade Moderna, Lagos e Sagres representaram tanto para Portugal e para a Europa que à sua volta se constituíram mitos que perduram. O Promontório e a silhueta do Infante austero que sonhou com achamento de ilhas e outros descobrimentos, como parte de uma guerra santa antiga, e tudo realizou a poder de persistência férrea e sagacidade empresarial, transformou-se numa figura de referência como criador de futuros. À sua figura anda associado um sonho que se realizou e depois se entornou pela Terra inteira, e a lenda coloca-o a meditar em Sagres. Numa referência um tanto imprecisa, mas que permite a sua evocação, Sophia escreveu – Ali vimos a veemência do visível/ O aparecer total exposto inteiro/E aquilo que nem sequer ousáramos sonhar/Era o verdadeiro.

Esta ideia de que na mente do Infante se processou uma epifania anda-lhe associada enquanto mentor de uma equipa, mais ou menos informal, que teve a capacidade de motivar e dirigir. Sagres passou assim para a História e para a mitologia como o lugar simbólico de uma estratégia que mudaria o Mundo. Mas existe uma outra perspetiva, como é sabido, e hoje em dia, o discurso público  que prevalece é sem dúvida sobre o pecado dos Descobrimentos, não sobre a dimensão da sua grandeza transformadora. 

É verdade que a deslocação coletiva que permitiu estabelecer a ligação por mar entre os vários continentes, e o encontro  entre povos, obedeceu a uma estratégia de submissão e rapto cujo inventário é um dos temas dolorosos de discussão na atualidade. É preciso sempre sublinhar, para não se deturpar a realidade, que a escravatura é um processo de dominação cruel tão antigo quanto a Humanidade, o que sempre se verificou foi diversidade de procedimentos e diferentes graus de intensidade. E é indesmentível que os portugueses estiveram envolvidos num novo processo de escravização longo e doloroso.  Lagos, precisamente, oferece às populações atuais, a par do lado mágico dos Descobrimentos, também a imagem do seu lado trágico. Fá-lo com o sentido justo da reposição da verdade, e do remorso, pelo facto de aqui se ter inaugurado o tráfico negreiro intercontinental em larga escala, com polos de abastecimento nas Costas de África, e assim se ter oferecido um novo modelo de exploração de seres humanos que iria ser replicado e generalizado por outros países europeus até ao final do século XIX.

6.

Lagos expõe a memória desse remorso. Mostra como num dia de agosto de calor tórrido de 1444, aqui desembarcaram 235 indivíduos raptados nas costas da Mauritânia,  e como foram repartidos  e por quem. Alguém que muito prezamos encontrava-se em cima de um cavalo e aceitou o seu quinhão de 46 cabeças. Esse cavaleiro era nem mais nem menos do que o Infante Dom Henrique. Lagos não se furta a expor essa verdade histórica.  Lagos também mostra o local onde depois, em levas sucessivas, iriam ser mercadejados os escravos. E mais recentemente relata-se como eram atirados ao lixo, quando morriam, sem um pano a envolver os corpos. Até agora foram retirados desse monturo os restos mortais de 158 indivíduos de etnia banta. Lagos mostra esse passado ao mundo para que nunca mais se repita. Talvez por isso estejamos aqui no Dia de hoje.

Aliás, a Unesco criou a Rota do Escravo, e inscreveu Lagos na Rota da Escravatura para que saibamos como os seres humanos procedem uns com os outros, mesmo quando se fundamentam em religiões fundadas sobre os princípios do Amor e sob a Lei dos Direitos Humanos. Lagos mostra esse filme e faz-se parente de quem escreveu na porta de um lugar de extermínio moderno o pedido solene – “Homens não se matem uns aos outros”.

7.

É verdade que só conhecemos o que sucedeu naquele dia 8 de agosto de 1444 porque o cronista do Infante Dom Henrique o narrou. Eanes Gomes de Zurara não conseguiu evitar um sentimento de compaixão e comentou, de forma comovida, como a chegada e a partilhas dos escravos era cruel. Felizmente que dispomos dessa página da Crónica dos Feitos da Guiné para termos a certeza de que havia quem não achasse justo semelhante degradação e o dissesse. Aliás, sabemos que sempre houve quem repudiasse por completo a prática e o teorizasse. Numa das paredes de um dos museus de Lagos está escrito o testemunho de um autor quinhentista que denuncia a injustiça – “… eles não nos ofendem, não nos devem, nem temos justa causa para lhes fazer guerra, e sem justa guerra, não os podemos cativar nem comprar”. 

O que significa que Lagos, a cidade dos sonhos do Infante, de que Sagres é a metáfora, passados todos estes séculos, promove a consciência sobre o que somos capazes de fazer uns aos outros.  Esta tornou-se, pois, uma cidade contra a indiferença. É uma luta nossa, contemporânea. Em Lagos, hoje em dia, está presente, de outro modo, a mensagem do cartoon de Simon Kneebone datado de 2014 que tem corrido mundo –  A cena é nossa contemporânea, passa-se no mar. Num navio enorme, aparelhado com armas defensivas, no alto da torre está um tripulante que avista ao longe uma barca frágil, rasa, carregada de migrantes. O tripulante da grande embarcação pergunta – De onde vêm vocês? Da lancha apinhada alguém responde – Vimos da Terra. Sugiro que os jovens portugueses, descendentes de cavadores braçais, marujos, marinheiros, netos de emigrantes que partiram descalços à procura de trabalho, imprimam este cartoon nas camisas quando vão ao mar.

8.

Consta que, em pleno século XVII, dez por cento da população portuguesa teria origem africana. Essa população não nos tinha invadido, os portugueses os tinham trazido arrastados. E nos miscigenámos. O que significa que por aqui ninguém tem sangue puro, a falácia da ascendência única não tem correspondência com a realidade. Cada um de nós é uma soma. Tem sangue do nativo e de migrante, do europeu e do africano, do branco e do negro e de todas as outras cores humanas. Somos descendentes do escravo e do senhor que o escravizava, filhos do pirata e do que foi roubado. Mistura daquele que punia até à morte e do misericordioso que lhe limpava as feridas.

A consciência dessa aventura antropológica talvez mitigue a fúria revisionista que nos assalta pelos extremos, nos dias de hoje, um pouco por toda a parte, agora que percebemos que estamos no fim de um ciclo e que um outro se está a desenhar, e a incógnita existencial sobre o futuro próximo, ainda desconhecido, nos interpela a cada manhã que acordamos sem sabermos como irá ser o dia seguinte. A pergunta é esta – Quando ficarem em causa os fundamentos institucionais, científicos, éticos, políticos, e os pilares de relação de inteligência homem/máquina entrarem num novo paradigma, que lugar ocuparemos nós como seres humanos? O que passará a ser um ser humano?

9.

Comecei por dizer que Camões nasceu e nunca mais morreu.

Regresso à sua obra para procurar entender que conceito tinha o poeta sobre o que era um ser humano. Sobre si mesmo, toda a sua obra o revela como vítima da perseguição de todas as potestades conjugados. A sua obra lírica é uma resposta a esse abandono essencial. Em conformidade com essa mesma ideia, ao terminar o Canto I de Os Lusíadas”, Camões define o ser humano como um ente perseguido pelos elementos – “Onde pode acolher-se um fraco humano,/onde terá segura a curta vida,/Que não se arme e se indigne o Céu sereno/Contra um bicho da Terra tão pequeno?”

Nestes versos se reconhece o conceito renascentista, o da grandeza da solidão do ser humano e a sua luta estoica centrada na confiança em si mesmo. Mas, na prática, essa atitude representava uma orfandade orgulhosa, que facilmente a fortuna não reconhecia. Curiosamente, no final da vida, o corpo de Camões só teve um lençol, e oferecido, a separá-lo da terra. A sorte do seu corpo não difere muito daquela  que mereceram os corpos dos escravos de Lagos. Mas, entretanto, no século XIX, o direito à proteção beneficiada pelo estado começou a emergir, criaram-se documentos essenciais tendo em vista o respeito pelos cidadãos. Depois das duas Guerras Mundiais do século XX, foi redigida e aprovada a Carta dos Direitos Humanos, e durante algumas décadas foi tentado implantá-los como código de referência um pouco por todo o mundo. Só que ultimamente regride-se a cada dia que passa.

 O conceito da representatividade respeitável da figura de chefe de estado oriundo do povo grego, princípio que sustentou a trama purificadora das tragédias clássicas, a que se juntou, depois, o princípio da exemplaridade colhida dos Evangelhos, essa conduta que fazia com que o rei devesse ser o mais digno entre os dignos, está a ser subvertida. A cultura digital subverteu a regra da exemplaridade. O escolhido passou a ser o menos exemplar, o menos preparado, o menos moderado, o que mais ofende. Um chefe de estado de uma grande potência durante um comício pôde dizer – Adoro-vos! Adoro os pouco instruídos! E os pouco instruídos aplaudiram. Pergunto, pois, qual é o conceito hoje em dia do ser humano? Como proteger esse valor que até há pouco funcionava e não funciona mais?

Hoje, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades, não será legítimo perguntar, sem querer ofender quem quer que seja, perguntar como manteremos a noção de ser humano respeitável, livre, digno, merecedor de ter acesso à verdade dos factos e à expressão da sua liberdade de consciência?

Nós, portugueses, não somos ricos, somos pobres e injustos, mas ainda assim, derrubámos uma longuíssima ditadura, e terminámos com a opressão que mantínhamos sobre diversos povos, e com eles estabelecemos novas alianças, e criámos uma Comunidade de Países de Língua Portuguesa, e fomos capazes de instaurar uma democracia e aderir a uma União de países livres e prósperos que desejam a paz.  Assim sendo, por certo que ainda não temos as respostas, mas perante as incógnitas que nos assaltam, sabemos que temos a força.

Leio Camões, aquele que nunca mais morreu, e comovo-me com o seu destino, porque, se alguma coisa tenho em comum com ele, que foi génio, e eu não sou, é a certeza de que partilho da sua ideia de que um ser humano é um ser de resistência e de combate. É só preciso determinar a causa certa.

Muito obrigada.

Lagos, 10 de junho de 2025.

Lídia Jorge