Reproduzido, com a devida vénia, de https://www.vortexmag.net/expressoes-antigas-da-lingua-portuguesa:
A língua muda, mas não esquece. E entre as tantas marcas que o tempo deixa no modo como falamos, há expressões que resistem como pequenas cápsulas culturais – formas de dizer que já não se ouvem com frequência, mas que continuam a fazer sentido.
Muitas dessas expressões eram
comuns nos tempos das nossas avós. Algumas caíram em desuso, outras ainda se
ouvem aqui e ali, mas todas revelam muito do humor, da criatividade e da
sabedoria popular de outros tempos.
1. À noite todos os gatos são
pardos
Quando a luz desaparece, tudo
parece igual — ou mais difícil de distinguir. É isso que esta expressão
ilustra: na escuridão, perdem-se as diferenças.
2. Andar à toa
Sem rumo, sem planos, apenas a
seguir o tempo. Vem do mundo náutico: um barco à toa está a ser puxado, sem
controlo próprio.
3. Armar aos cucos
Quem “arma aos cucos” tenta
parecer mais do que é. A origem está na ave cuco, que põe ovos nos ninhos
alheios — sem cuidar do que é seu.
4. Bater as botas
Uma forma informal de dizer que
alguém morreu. A origem pode estar nos soldados que, caídos no campo de
batalha, já não faziam as botas ecoar.
5. Chegar a roupa ao pelo
Não é apenas ralhar — é castigar
com força. A imagem é clara: atingir alguém até ultrapassar o tecido e chegar à
pele.
6. Dar com os burros n’água
Tentativa falhada. Recuo forçado.
Segundo a lenda, vem de lavradores cujos burros se recusavam a atravessar um
rio — acabando por cair à água.
7. Diz o roto ao nu!
Aponta a hipocrisia de quem
critica sem ter moral para isso. Um pobre a rir-se de quem está ainda pior.
8. Fazer das tripas coração
Esforço extremo, sacrifício
total. A imagem vem de rituais antigos, onde as tripas dos animais eram
moldadas em forma de coração como oferenda.
9. Ir aos arames
Ficar furioso. Vem do mundo dos
fantoches: quando os fios se enrolavam, os bonecos ficavam “fora de si”.
10. Lavar roupa suja
Discutir assuntos íntimos em
público. Antigamente, lavava-se roupa nos rios — à vista de todos.
11. Meter o bedelho
Intrometer-se onde não foi
chamado. O “bedelho” era uma haste usada para mexer brasas. Mal usada, podia
provocar acidentes.
12. Meter o Rossio na Betesga
Quer fazer o impossível — como
enfiar uma praça enorme numa rua minúscula. A expressão nasceu em Lisboa, entre
o Rossio e a Rua da Betesga.
13. Não ter papas na língua
Fala o que pensa, sem rodeios. As
“papas” dificultam o discurso — quem não as tem, não se cala.
14. Nascer com o rabo virado
para a lua
Pessoa com sorte constante.
Acreditava-se que nascer nessa posição trazia fortuna.
15. Pagar o pato
Assumir culpas que não são suas.
No antigo “jogo do pato”, quem falhava tinha de compensar o dono do animal.
16. Pôr as barbas de molho
Ficar alerta. Os homens molhavam
as barbas antes de se barbearem, para suavizar os pelos e evitar cortes.
17. Rachar a lenha
Trabalhar duro. Cortar lenha
exige esforço físico — e é isso que esta expressão simboliza.
18. Tapar o sol com a peneira
Fingir que algo não existe. A
peneira, cheia de buracos, não serve para esconder o sol — nem para encobrir
verdades.
19. Ter o rei na barriga
Arrogância disfarçada de
importância. Quem age como se tivesse o rei na barriga sente-se acima dos
outros.
20. Tirar o cavalinho da chuva
Desistir de algo que se desejava.
Se ninguém convida para entrar, mais vale tirar o cavalo da chuva e seguir
caminho.
Estas expressões são heranças que, embora discretas, transportam história, modos de vida e formas de pensar. Resgatá-las é também uma forma de manter viva uma parte da cultura popular portuguesa – com graça, com memória e com muito da sabedoria das nossas avós.
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