segunda-feira, 7 de novembro de 2016

As eiras comunitárias do meu tempo














Pré-publicação de artigo que vai sair no nº 20 da revista ALDRABA, atualmente no prelo:

Na década de 50 ainda não se fazia sentir em grande força a nova tecnologia agrícola e os pequenos agricultores da minha região socorriam-se, ainda, dos costumes tradicionais.

As eiras comunitárias eram espaços utilizados por quase todas as populações, que viviam de dois ou três hectares de sementeira do trigo, sendo este o cereal que melhor correspondia aos anseios de casas de família, porque mais tarde era trocado por farinha.

As eiras erguiam-se em locais normalmente altos e ventosos, numa superfície com 8 a 12 metros de diâmetro, normalmente em pedra xistosa ou em ladrilho, e em certos casos, em terrenos baldios, noutros até privados, mas que naquele tempo, tanto umas como outras serviam uma pequena comunidade.

Era necessário combinar entre os seus utilizadores, o seu uso, e isso fazia-se normalmente nas tabernas e colectividades. Por vezes se o tempo ajudasse até poderia a parte da manhã ser para uma pessoa e a da tarde para outra, isso tinha muito a ver com o tempo, principalmente o vento que era necessário soprar quando se mandava o cereal ao ar, através de uma pá de madeira para que a semente caísse e o vento levasse a palha miúda, porque a mais grossa essa, era antes retirada com uma forquilha de 4 bicos.

Um pormenor curioso era quando um pequeno seareiro tinha apenas uma “besta” ou duas, ele pedia outra emprestada a um vizinho ou familiar para que quanto mais depressa o cereal fosse pisado mais depressa o trabalho era feito. Lembro-me perfeitamente de 2, 3 animais andarem à volta, duas e mais horas, para que o grão fosse separado da palha.

No tempo das eiras, as debulhas começavam logo no mês de Julho, quando se fazia sentir o maior calor, e os moços novos dessa altura estavam desejosos de haver palha nas eiras, para lá ir dormir a noite. Viam-se pequenos grupos de noite, ao luar, com a manta as costas que iam dormir à eira.

Pouco mais tarde e ainda no meu tempo de adolescente, começaram a aparecer as debulhadoras fixas, onde ainda tive oportunidade de fazer dois anos numa dessas máquinas.

Eram cerca de 15 homens que acompanhavam esse equipamento e que se ia deslocando de monte em monte, conforme os pedidos dos lavradores, e onde chegavam a estar de entre 2 a 4 dias num local.


Hoje, ao falar em eiras tradicionais, já ninguém conhece nem se lembra, mas que elas foram um espaço importante, num tempo que proporcionou um convívio salutar e uma entre ajuda entre vizinhos, disso não há dúvidas.

José Rodrigues Simão

1 comentário:

  1. Belíssimo testemunho e registo de uma época.
    O Mundo "pula e avança" a passos largos, numa era tecnológica avassaladora.
    Que fiquem registados todos os testemunhos como este é tarefa essencial para salvaguarda e passagem do testemunho às gerações vindouras. Estimulando também hábitos de leitura. Que bom que é ver a Aldraba em Bibliotecas como a de Beja, partilhando com todas as gerações saberes de outros tempos. Parabéns a todos os Amigos da Aldraba (e em especial ao José Rodrigues Simão por esta partilha e lição de comunitarismo e espírito de entreajuda). Abraços Fraternos para Todos

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