sexta-feira, 11 de novembro de 2016

O culto dos mortos no séc.XI






















O nosso grande historiador medieval José Mattoso, ao longo da sua obra Poderes Invisíveis - O Imaginário Medieval (Círculo de Leitores, Lisboa, 2013), avança com reflexões de enorme oportunidade para entendermos o desenvolvimento dos rituais e das crenças em torno da morte, que perduraram nas sociedades ibéricas ao longo de séculos. Aqui fica um pequeno extrato, para estimular o interesse por estas leituras:

... As condições de violência, de guerra constante, externa e interna, que vive a sociedade castelhano-leonesa durante os séculos VIII a X conferem, de facto, à ameaça da morte uma carácter absolutamente concreto e existencial.

Por isso, o que na verdade é preciso nomear e esconjurar é o medo da morte. Ela corresponde à facilidade com que se mata e derrama o sangue nesta sociedade violenta e brutal. Se não é a ameaça da súbita invasão dos ginetes mouros com o consequente risco das casas e searas queimadas, das mulheres violadas ou levadas para o cativeiro, dos homens decapitados ou tornados escravos, é a extorsão dos frutos da terra e dos animais capturados pelos condes, os saiões ou os maiorinos, a tortura infligida aos infratores das normas estabelecidas, as mãos decepadas, os olhos vasados, a cabeça rapada, o enforcamento pelos pequenos delitos. Ou então, se não são os grandes senhores ou os inimigos que irrompem na vida quotidiana para destruir e castigar, são os flagelos da natureza que trazem a fome, a esterilidade, a seca, as chuvas excessivas, a tempestade, a lepra, a peste, a loucura.

Para se defenderem, os camponeses dispõem apenas da proteção divina. Mesmo os outros homens, incluindo os guerreiros, apesar das suas armas e do seu poder, estão também sujeitos à maioria dos flagelos que não deixam escapar ninguém. Também estes recorrem aos meios propiciatórios e à magia para tentarem esconjurar os incompreensíveis arbítrios da boa e da má sorte, e, se possível, ficar do melhor lado na desigual distribuição da morte e da vida.

As bênçãos e as maldições rituais adquirem assim a sua eficácia. Os clérigos, como conhecedores dos ocultos mecanismos do sobrenatural, especializam-se na sua gestão para atraírem a fecundidade sobre os bons ou precipitarem a desolação e a desgraça sobre os ímpios, os perversos ou os que abusam do seu poder.

José Mattoso  

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