sexta-feira, 7 de novembro de 2014

A propósito do cante alentejano

Pré-publicação do artigo “PATRIMÓNIO CULTURAL IMATERIAL: CONCEITOS E FORMAS DESADEQUADAS DE OLHAR A PAISAGEM…”, do nosso amigo Paulo Lima (diretor da Casa do Cante de Serpa), inserido no nº 16 da revista ALDRABA, atualmente no prelo:

Academizar, institucionalizar, a nada leva.
É necessário estar com as comunidades

No dia em que escrevo estas palavras saiu um artigo no jornal Público sobre património cultural imaterial (vulgo PCI), as direções regionais de cultura, inventários e manifestações…

E fala-se em preservar. Preservar numa política de proximidade.

Importa, por vezes, ter memória.

Em 2007, deu-se início oficialmente a um projeto de salvaguarda do PCI no Alentejo que tinha começado em 2005.

Um projeto que se iniciou na Câmara Municipal de Portel, sob a designação de Jardim do Mundo, e que depois transitou para a recém-criada Direção Regional de Cultura do Alentejo, onde se veio a chamar Programa IDENTIDADES.

Quando este projeto abortou bruscamente na Direção Regional de Cultura do Alentejo, em 2010, ação que se revestiu de um cheiro de aparente santidade, procurando inventar ilegalidades (nunca provadas) como meio de justificar o fim do projeto perante a Região e os vários parceiros envolvidos, e os mais de 150 mil euros de indemnização pagas pelo Estado (que poderiam ter significado antes investimento no Alentejo!), encerrou-se um tempo em que no Sul fomos pioneiros de olhar esta «coisa», agora tão em moda, do imaterial. À altura, ficou lá uma verba de um milhão e tal de euros para se investir em salvaguarda (e não em preservação!)…

Durante três anos, conseguiu-se que cerca de uma dezena de municípios resolvessem investir na coisa. Muitos deles com obras avultadas.

A Casa do Cante em Serpa foi um projeto sobrevivente, feito pela teimosia de uma câmara e de um presidente. A candidatura do Cante Alentejano, tantas vezes adiada, é também desses tempos. Hoje são dois projetos que vingaram, mesmo em tempos tão difíceis.

Mas importa também saber que no Alentejo éramos o modelo. Para o então Ministério da Cultura e para a Comissão Nacional da UNESCO.

Mas esta memória deve ser vista em confronto com o presente, de forma crítica. Sem a nostalgia do passado.

É fácil estar numa cadeira numa qualquer instituição e olhar para o PCI, palavra horrível, na distância patrimonial e fazer um trabalho de inventariação, ou, melhor, catalogação, e apostar na sensibilização.

A minha experiência nestas coisas do imaterial já me diz o contrário. Academizar, institucionalizar, a nada leva. É necessário estar com as comunidades. Antropologizámos a coisa em demasia, quer para o bem quer para o mal.

Pouco importa para os últimos fabricantes de chocalhos, para os cantadores, para os bugios e mourisqueiros, as origens ou se aquilo é imaterial ou material… importa é se volta a acontecer e se os seus filhos e netos o farão.

Ou se têm um transporte…

Pensar antes de mais na dignificação e na sustentabilidade

Um dos meus mestres de vida, Manuel Viegas Guerreiro, costumava perguntar nos júris de doutoramento o que é que o Povo ganhava com aquilo…

Ora esta é que é a questão.

Portugal é um território em vias de ermamento, com uma agricultura que expulsa as pessoas dos seus locais, onde os municípios não conseguem construir processos de fixação e de aumento demográfico… O que fazemos? Inventariamos para memória futura e levamos para museus… É esta a solução? É para melhor conhecimento? Bom, a minha experiência mostra apenas duas coisas: mais de um século de trabalho na investigação não pode ser esquecido e importa olhar com pragmatismo para o presente.

E esse pragmatismo passa por várias coisas Pensar antes de mais na dignificação e na sustentabilidade. Estes são os aspectos nucleares. Não é a transmissão, que agora anda confundida com a institucionalização do ensino. Porque quando institucionalizamos o que agora chamamos de património imaterial é apenas porque ele já está morto, ou estamos a matá-lo.

Ler o presente, significa criar estratégias

Este pragmatismo passa também por ler o presente.

Ler o presente, significa criar estratégias Significa estar.

O património imaterial destes territórios só existirá se for contemporâneo e se houver pessoas que o sintam enquanto vida e não enquanto representação.

Ora é aqui que está todo o problema. Sem ordenamento de território, sem comunidades, sem pessoas como poderá haver património imaterial? Como poderá haver paisagem?

Na Barrada, Reguengos de Monsaraz, são pessoas que já lá não vivem que levantam a Festa da Santa Cruz. Há uns anos o cabelo comprido veio da cabeleira do Senhor dos Passos de Monsaraz.

Em Alcáçovas sobrevivem os últimos chocalheiros… Em Estremoz será vivo o último cantador de Almas que o fazia recorrendo a uma técnica de apertar o peito?

As palavras sábias de Viegas Guerreiro

Num país em que as leis são construídas cada vez mais numa higienização e onde as pessoas pouco contam, importa recordar as palavras sábias de Viegas Guerreiro.

Há pouco tempo, em Aldeia do Rouquenho, recolhi esta declaração. Importa atentar nela…

Grupo Coral Desfrutar Destinos

Declaração

Eu Mateus Maia fundador, responsável e ensaiador, e também cantador – baixo - declaro em nome do Grupo Coral o apoio à candidatura do cante alentejano a património cultural imaterial da Humanidade.

Embora tenhamos uma excelente sede, ela era o Jardim de Infância da Aldeia do Rouquenho o que quer dizer que não temos jovens por esta razão espera o grupo coral que esta candidatura possa ajudar a que os jovens possam amar esta nossa tradição.

É nossa intenção participar neste processo de forma crítica

Aldeia do Rouquenho

9-1-2014

(Assinatura legível)

 
Em finais de Novembro deste ano vai-se decidir se o Cante irá ser ou não património do mundo… talvez este ano se candidate o fabrico de chocalhos… Mas, para lá da festa e dos foguetes, importa saber como fixar as pessoas… dar-lhe futuro. E o futuro passa pela Identidade. Sem antropologias, é claro!


PAULO LIMA





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