quinta-feira, 26 de julho de 2012

Os sons da minha infância - o sino da torre da igreja












O conceito de património imaterial é de tal forma abrangente que nos deixa por vezes hesitantes face a manifestações que nele gostaríamos de ver englobadas. O tratamento dos sons como património conduz-nos quase sempre para a música ou o cantar e muito pouco para outro tipo de sonoridades.

Há já algum tempo, estando na aldeia com o meu neto, então com 4 anos, ele perguntou-me o que era aquilo que se ouvia de vez em quando.
A pergunta trouxe-me à memória outros tempos e outras vivências. E então contei-lhe que o sino da torre da igreja era assim como que o mandador que governava os tempos e também as emoções.
Do alto da torre, ouvia-se em toda a aldeia e nos campos em redor. Dava as horas, com que orientava os afazeres do dia a dia e repetia-as passados alguns segundos, para que os mais distraídos dessem conta do tempo que passava.
Com o seu repenicar alegre ou um som triste e pausado, ia anunciando com toques distintos de todos bem conhecidos, casamentos, batizados ou mortes. Mal se ouvia, logo alguém comentava “Quem terá morrido? O vizinho António estava mal…”, “Olha, Joaquina já casou! Que lhe corra tudo bem!”, “Ouvi dizer que Mariana levava hoje o filho a batizar-se!”.
Apenas uma vez o ouvi tocar a rebate porque havia fogo na nossa Serra – a Serra da Adiça. Era um toque de aflição.
E no dia da festa de Nossa Senhora do Ó, era ouvi-lo logo pela manhã a chamar os fiéis para a missa e, lembrando o poeta, na saída e no “encerro” da procissão.
Quando de lá volto, o Francisco ainda me pergunta: “Ouviste o sino, avó?” Digo-lhe que sim, mas ponho-me a pensar se o terei ouvido ou se é só memória de outros tempos!

Nota: Em 1929, o toque dos sinos viria a provocar uma acesa controvérsia entre o Governador Civil e o Arcebispo de Évora, que ficaria conhecida como “A crise dos sinos” e de que resultaria a demissão de algumas autoridades de então. Tais acontecimentos dão, não só a medida da importância de tal matéria, mas também alguma luz sobre as relações entre o Estado e a Igreja (António de Araújo, "Sons e Sinos – Estado e Igreja no Advento do Salazarismo", Edições Tenacitas, Coimbra, 2009).

MEG (fotografias da Internet)

1 comentário:

  1. Muito bom, mas soube-me a pouco...Obrigado por teres partilhado esta ideia, que há algum tempo andava a rondar-te.

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