sábado, 11 de junho de 2011

Amo-te, Portugal




Miguel Esteves Cardoso, talentoso cronista e escritor, publicou no "Público" a 10.6.2011, no Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades, uma inspirada carta de amor.


O Portugal a quem MEC endereça a sua carta de amor é, seguramente, o conjunto dos portugueses, da sua história e da sua cultura, que são também o objecto e o centro de atenções da nossa associação. Pelo menos, admitamos que esta carta de amor, descontada a sua sugestiva forma literária, tem mesmo esse destinatário...


Fica aqui a reprodução parcial da carta de amor do Miguel, remetendo-se os nossos leitores para o citado jornal diário para conhecerem a respectiva versão integral.


JAF (foto de arspblica.blogspot.com)



“Lisboa, 10.6.2011

Estou há que séculos para te escrever. A primeira vez que dei por ti foi quando dei pela tua falta.

Eu não queria ficar preso a ti, queria correr mundo. Passei a querer correr para ti – e foi para ti que corri, mal pude.

Teria preferido chegar à conclusão que te amava por uma lenta acumulação de razões, emoções e vantagens. Mas foi ao contrário. Apaixonei-me de um dia para o outro, sem qualquer espécie de aviso, e, desde esse dia, que remédio, lá fui acumulando, lentamente, as razões por que te amo, retirando-as uma a uma dentre todas as outras razões para não te amar, ou não querer saber de ti.

Custou-me justificar o meu amor por ti. És difícil. És muito bonito e és doce, mas és pouco dado a retribuir o amor de quem te ama.

Que remédio tinha eu senão começar a convencer-me que havia razões para te amar.

Encontram-se sempre. E, a partir de certa altura, quando já são seis ou sete razões que se foram arranjando ao longo dos anos, deixamos de amaldiçoar este amor que nos prende a ti e, inevitavelmente, começamos a sentir-nos, muito estúpida e secretamente, vaidosos por te amarmos, Como se fôssemos nós que tivéssemos sido escolhidos.

Não sou só eu, somos muitos. Possivelmente todos. Tragicamente todos, um bocadinho. Se calhar estamos todos, de vez em quando, um bocadinho apaixonados por ti.

Pois hoje vou-te dizer porque é que te amo.

Amo-te, primeiro, por não seres outro país. Amo-te por seres Portugal e estares cheio de portugueses a falar português. Não há nenhum outro país, por muito bom ou bonito, onde isso aconteça.

Mesmo que não achasse em ti senão defeitos e razões para deixar de te amar, preferiria isso mesmo, deixando de te amar, a que não existisses.
Se deixasses de existir, o meu olhar ficava de luto e nunca mais podia olhar para o resto do mundo com os olhos inteiramente abertos ou secos ou interessados.

Esta é a única verdadeira prova de amor: fazer tudo para que sobreviva quem se ama.

Mesmo que não houvesse em ti um único pormenor que não houvesse nos restantes países do mundo, mesmo assim eu amar-te-ia como se fosses o único país do muno, diferente em tudo.

Amo-te tanto que, quando perguntas porque é que te amo, não fico nervoso, nem irritado. Não preciso tentar dar uma razão convincente. Amo-te à mesma, fiques ou não convencido.

Como vês, não preciso de razões para te amar. Mas tenho muitas. E boas. A primeira delas é secreta e embaraça-me confessá-la: amo-te, Portugal, porque, não sei contra todas as provas e possibilidades, acho que és o melhor país do mundo.

Como vês, não sou o romântico que estava a fingir ser, que te ama sem precisar de razões para isso. Tenho uma razão muito interesseira para te amar: acho que és o melhor país do mundo. Por muito relativista que seja noutras coisas, acho mesmo que tive sorte de nascer aqui. Em ti. Aqui, entre nós.

Mesmo assim, insistes em perguntar: que tens tu de tão especial, que os outros países não têm?

Essa íntima vaidade, por exemplo. Tu não és orgulhoso. Mas, muito bem disfarçada, tens uma vaidade sem fim. Dizes-te feio e vestes-te mal mas, quando passas por um espelho, espreitas e achas-te giro. E se alguám te diz que és feio e estás mal vestido, não ficas ofendido – achas que aquela pessoa é obviamente estúpida e não tem olhos na cara.

Sabes que a tinta fresca salta muito à vista e que é cansativa. Esperas, despreocupado, pela beleza que há-de vir com a passagem dos tempos.

É a tua maneira, Portugal amado, de garantir que continuaremos a tentar retratar-te. Tanto te faz que o retrato seja feio ou bonito, desde que seja de ti.

Eu amo-te porque mereces. Eu amo-te pelas tuas qualidades. Preferias não tê-las. Para que o amor fosse mais puro, mais contraditório, mais injustificável. Mas tens qualidades.

Desculpa lá dizer-te isto, Portugal, mas amar-te é uma coisa simples.

Amo-te, aconteça o que acontecer. Amo-te por causa de ti. Não é apesar de ti. É por causa de ti. Não há outra razão. Nem podia haver uma razão mais simples.

Por muito que te custa ouvir (apesar de eu saber que não só não te custa nada como gostas de ouvir…), digo-te: é tão grande o meu amor por ti que até consigo amar-te sem dar por isso.

Já viste?

Miguel”

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