Miguel Esteves Cardoso, cronista urbano cujo sarcasmo e cujo sentido de humor são (mesmo) impagáveis, escrevia a 16.8.2009 no “Público”:
“Começa o meio de Agosto e são as festas em toda a parte. De Senhoras nossas. Da Agonia, da Assunção, do Desespero, da Angústia, da Depressão, das Dores, de todos os castigos imagináveis que possam ajudar a disfarçar o prazer que dão. (…) Agosto é um mês de partilhas indesejadas, são as pessoas perto de mais. (…) É o bacanal das moscas, esquecidas até do açúcar, tal é a febre pela marmelada. (…) Ouço a filarmónica a deglutir a melodia, já de si escassa, do Malhão, Malhão, e, atrás da nuvem de moscas, ainda consigo vislumbrar o coreto onde tudo se vai passar. (…) E chego a esta chocante conclusão: afinal gosto!”
Com o seu snobismo bem disposto, MEC refere-se a certas realidades da cultura popular que devem merecer a nossa atenção.
Neste mesmo blogue, num post de 24.8.2009, a Maria Eugénia Gomes referiu-se à comemoração da Senhora do Ó, realizada no Sobral da Adiça (concelho de Moura), que, como diz justamente, é um culto espalhado um pouco por todo o país e em todos os locais está associado à gravidez e à boa hora de parto. No tempo em que a maior parte das crianças nasciam em casa, era costume que a sua primeira saída fosse visitar a Nossa Senhora do Ó, na intenção de que ela lhe garantisse protecção, saúde e sorte…
Em Portugal, o culto à Senhora do Ó ter-se-á iniciado em Torres Novas a partir de 1212, e é a padroeira de dezasseis freguesias portuguesas, Águas Santas (Porto), Aguim (Aveiro), Alcanadas (Leiria), Ançã, Barcouço, Cadima, Paião e Reveles (Coimbra), Carvoeira e Vilar (Lisboa), Covelo, Duas Igrejas, Gulpilhares e Vilar (Porto), Lordelo (Viana do Castelo), e Olaia (Santarém).
A configuração das imagens com que o nosso povo representa a Senhora do Ó dá à imagem uma incontornável forma rotunda de mulher grávida, daí o “Ó”…
Os teólogos católicos, pressurosos em menorizar estas concretizações, supostamente menos “dignas”, dão outras explicações para o “Ó”, ligadas a um ritual, as “antífonas”, sete orações em que a mãe de Jesus Cristo, na oração da tarde, contempla em cada dia um aspecto do Senhor que vem, nas suas prefigurações no Antigo Testamento, como um longo e profundo caminho para a chegada do profeta. As antífonas do Magníficat são um grito que começa sempre com um “Ó”, que será respondido pelo Senhor. Estas antífonas teriam dado origem à “devoção à Nossa Senhora do Ó, ou a Virgem da expectação, Maria grávida que prepara o nascimento do Verbo, seu filho”.
Em minha opinião, são secundárias estas especulações doutrinárias.
O que interessa, do ponto de vista cultural, são as atitudes com que o povo enfrenta as adversidades, os sofrimentos, e procura exorcizá-los com a evocação, e a representação gráfica ou plástica, de uma “Senhora” que chamaria a si todos esses elementos negativos, para os eliminar ou, pelo menos, para os suavizar…
Sabedoria secular para protestar – embora de forma impotente…– contra a opressão!
JAF
Em anexo, uma pequena lista, necessariamente incompleta, de invocações de Nossa Senhora, veneradas em alguns pontos do mundo de expressão portuguesa:
Nossa Senhora da Abundância; Nossa Senhora das Angústias; Nossa Senhora dos Anjos; Nossa Senhora Aparecida; Nossa Senhora da Apresentação; Nossa Senhora da Assunção; Nossa Senhora Auxiliadora; Nossa Senhora da Boa Morte; Nossa Senhora da Boa Viagem; Nossa Senhora do Bom Conselho; Nossa Senhora de Brotas; Nossa Senhora do Carmo; Nossa Senhora da Conceição; Nossa Senhora Desatadora dos Nós; Nossa Senhora Divina Pastora; Nossa Senhora das Dores; Nossa Senhora da Encarnação; Nossa Senhora de Fátima; Nossa Senhora de Guadalupe; Nossa Senhora da Guia; Imaculado Coração de Maria; Nossa Senhora das Lágrimas; Nossa Senhora da Lapa; Nossa Senhora da Luz; Nossa Senhora da Medalha Milagrosa; Nossa Senhora Medianeira; Nossa Senhora dos Navegantes; Nossa Senhora de Nazaré; Nossa Senhora das Necessidades; Nossa Senhora das Neves; Nossa Senhora do Ó; Nossa Senhora da Oliveira; Nossa Senhora da Pena; Nossa Senhora da Penha de França; Nossa Senhora do Perpétuo Socorro; Nossa Senhora da Piedade; Nossa Senhora do Pranto; Nossa Senhora da Purificação; Nossa Senhora Rainha; Nossa Senhora do Rosário; Nossa Senhora da Saúde; Nossa Senhora das Sete Dores; Nossa Senhora da Soledade; Nossa Senhora da Vitória.
“Começa o meio de Agosto e são as festas em toda a parte. De Senhoras nossas. Da Agonia, da Assunção, do Desespero, da Angústia, da Depressão, das Dores, de todos os castigos imagináveis que possam ajudar a disfarçar o prazer que dão. (…) Agosto é um mês de partilhas indesejadas, são as pessoas perto de mais. (…) É o bacanal das moscas, esquecidas até do açúcar, tal é a febre pela marmelada. (…) Ouço a filarmónica a deglutir a melodia, já de si escassa, do Malhão, Malhão, e, atrás da nuvem de moscas, ainda consigo vislumbrar o coreto onde tudo se vai passar. (…) E chego a esta chocante conclusão: afinal gosto!”
Com o seu snobismo bem disposto, MEC refere-se a certas realidades da cultura popular que devem merecer a nossa atenção.
Neste mesmo blogue, num post de 24.8.2009, a Maria Eugénia Gomes referiu-se à comemoração da Senhora do Ó, realizada no Sobral da Adiça (concelho de Moura), que, como diz justamente, é um culto espalhado um pouco por todo o país e em todos os locais está associado à gravidez e à boa hora de parto. No tempo em que a maior parte das crianças nasciam em casa, era costume que a sua primeira saída fosse visitar a Nossa Senhora do Ó, na intenção de que ela lhe garantisse protecção, saúde e sorte…
Em Portugal, o culto à Senhora do Ó ter-se-á iniciado em Torres Novas a partir de 1212, e é a padroeira de dezasseis freguesias portuguesas, Águas Santas (Porto), Aguim (Aveiro), Alcanadas (Leiria), Ançã, Barcouço, Cadima, Paião e Reveles (Coimbra), Carvoeira e Vilar (Lisboa), Covelo, Duas Igrejas, Gulpilhares e Vilar (Porto), Lordelo (Viana do Castelo), e Olaia (Santarém).
A configuração das imagens com que o nosso povo representa a Senhora do Ó dá à imagem uma incontornável forma rotunda de mulher grávida, daí o “Ó”…
Os teólogos católicos, pressurosos em menorizar estas concretizações, supostamente menos “dignas”, dão outras explicações para o “Ó”, ligadas a um ritual, as “antífonas”, sete orações em que a mãe de Jesus Cristo, na oração da tarde, contempla em cada dia um aspecto do Senhor que vem, nas suas prefigurações no Antigo Testamento, como um longo e profundo caminho para a chegada do profeta. As antífonas do Magníficat são um grito que começa sempre com um “Ó”, que será respondido pelo Senhor. Estas antífonas teriam dado origem à “devoção à Nossa Senhora do Ó, ou a Virgem da expectação, Maria grávida que prepara o nascimento do Verbo, seu filho”.
Em minha opinião, são secundárias estas especulações doutrinárias.
O que interessa, do ponto de vista cultural, são as atitudes com que o povo enfrenta as adversidades, os sofrimentos, e procura exorcizá-los com a evocação, e a representação gráfica ou plástica, de uma “Senhora” que chamaria a si todos esses elementos negativos, para os eliminar ou, pelo menos, para os suavizar…
Sabedoria secular para protestar – embora de forma impotente…– contra a opressão!
JAF
Em anexo, uma pequena lista, necessariamente incompleta, de invocações de Nossa Senhora, veneradas em alguns pontos do mundo de expressão portuguesa:
Nossa Senhora da Abundância; Nossa Senhora das Angústias; Nossa Senhora dos Anjos; Nossa Senhora Aparecida; Nossa Senhora da Apresentação; Nossa Senhora da Assunção; Nossa Senhora Auxiliadora; Nossa Senhora da Boa Morte; Nossa Senhora da Boa Viagem; Nossa Senhora do Bom Conselho; Nossa Senhora de Brotas; Nossa Senhora do Carmo; Nossa Senhora da Conceição; Nossa Senhora Desatadora dos Nós; Nossa Senhora Divina Pastora; Nossa Senhora das Dores; Nossa Senhora da Encarnação; Nossa Senhora de Fátima; Nossa Senhora de Guadalupe; Nossa Senhora da Guia; Imaculado Coração de Maria; Nossa Senhora das Lágrimas; Nossa Senhora da Lapa; Nossa Senhora da Luz; Nossa Senhora da Medalha Milagrosa; Nossa Senhora Medianeira; Nossa Senhora dos Navegantes; Nossa Senhora de Nazaré; Nossa Senhora das Necessidades; Nossa Senhora das Neves; Nossa Senhora do Ó; Nossa Senhora da Oliveira; Nossa Senhora da Pena; Nossa Senhora da Penha de França; Nossa Senhora do Perpétuo Socorro; Nossa Senhora da Piedade; Nossa Senhora do Pranto; Nossa Senhora da Purificação; Nossa Senhora Rainha; Nossa Senhora do Rosário; Nossa Senhora da Saúde; Nossa Senhora das Sete Dores; Nossa Senhora da Soledade; Nossa Senhora da Vitória.
Pertinente, esta abordagem.
ResponderEliminarLFM