Quem neste mês de Agosto viajou pelo interior do país, quem não se ficou pela faixa urbana e "culta" do litoral, de Viana até ao Porto, Aveiro, Lisboa, Setúbal e Faro, quem não se circunscreveu aos meios estivais da foz do Douro, da Figueira da Foz, da costa do Estoril, de Porto Covo ou do Algarve, encontrou seguramente um Portugal "diferente"...
Diferente, porque condensa e cristaliza um país que nós "fomos", que viajou para a Europa e para outras paragens na segunda metade do séc. XX, que "voltou" (volta nas férias e, nem sempre, na reforma) mais tarde às suas origens.
É um país "diferente", designadamente, porque configura um conjunto de referências, de gostos, de práticas, que os "urbanos" julgam, ou gostariam de ver, ultrapassadas. São o Portugal a esquecer...
Joaquim de Magalhães Fernandes Barreiros, nascido em 1947 em Vila Praia de Âncora, conhecido como Quim Barreiros, é um cantor e acordeonista de grande sucesso que actuou em quase todos os países onde existem comunidades de portugueses (Canadá, EUA, Venezuela, Brasil, África do Sul, França, Alemanha, Espanha, Inglaterra, Suíça, Bélgica, Austrália e outros, segundo a "Wikipédia").
Entre 1975 e 2009, editou 33 discos, com recordes de vendas junto das comunidades portuguesas emigradas. Recordem-se apenas alguns títulos dos seus discos de maior êxito: O Malhão Não É Reaccionário, Chupa Teresa, Deixa Botar Só a Cabeça, Minha Vaca Louca, A Garagem da Vizinha, Comer,Comer, Na Tua Casa Tá Entrando Outro Macho, A Cabritinha, O Ténis, A Padaria, O Peixe.
Ainda segundo a "Wikipédia", Quim Barreiros é "conhecido pelas suas letras de duplo sentido (música pimba)". Outros, designam de "brejeiro" o vocabulário dos temas das canções, e há quem considere tais peças de "ordinárias" ou "imorais".
Há uns anos atrás, um jovem de Peniche contava-nos a indignação dos paroquianos de certa localidade da zona cujo prior quis proibir as gravações de Quim Barreiros nas viagens de confraternização promovidas pela igreja.
No corrente verão de 2009, ouvimos insistentemente estes temas nas instalações sonoras das festas (católicas...) do interior de Portugal. E, para culminar, acabamos de ouvir num dos quatro canais da televisão de maior audiência que "Os peitos da cabritinha" foi galardoado com o reconhecimento das preferências populares...
Para quem (ainda!) não conheça, aqui vai o "poema" da canção premiada:
Quando eu nasci a minha mãe não tinha leite // Fui criado por um bezerro rejeitado // Mamei em vacas em tudo que tinha peito // E cresci assim deste jeito // Fiquei mal habituado // Hoje sou homem e arranjei uma cabritinha // E passo o dia a mamar // Nos peitinhos da Fofinha //Eu gosto de mamar // Nos peitos da Cabritinha // Mamo a hora que eu quero porque a cabrita é minha. //Eu gosto de mamar // Ai, nos peitos da cabritinha // Eu gosto de mamar // Só nos peitos da cabritinha // Mamo a hora que eu quero porque a cabrita é minha // A cabritinha gosta de boa comida, boa cama e boa vida // Adora luxo e bem-estar // Ela adivinha a hora que chego em casa // E vai logo preparar // Os peitinhos para eu mamar // Eu gosto de mamar //Nos peitos da cabritinha //Mamo a hora que eu quero porque a cabrita é minha // etc.
Desenganem-se os que julgam que o sucesso deste autor e intérprete se "limita" ao interior do país e aos emigrantes que não acederam à "modernidade". Não há festa académica que não o tente incluir: Coimbra, Porto, Évora, Lisboa, Braga, Aveiro, Vila Real, Faro, etc...
A Aldraba, ao apostar no espaço e no património popular, assumiu o risco de ter de tratar com "os elementos que impeçam as sociedades de evoluir, que legitimem o fatalismo, que levem as pessoas a aceitar a tirania" (Boletim nº 5, "A tradição e o progresso").
Temas e músicas como as de Quim Barreiros, por muito apoio de que beneficiem em meios indiscutivelmente populares, são dos que contribuem para tornar aceitável o obscurantismo, a dominação da mulher pelo homem, a subordinação das relações afectivas ao comércio e ao lucro.
Estamos contra, estaremos contra!
Abaixo "os peitos da cabritinha"! Vivam as manifestações de cultura popular contra o sofrimento, pela criatividade, pelo lazer, por uma sociedade de pessoas livres.
JAF
Diferente, porque condensa e cristaliza um país que nós "fomos", que viajou para a Europa e para outras paragens na segunda metade do séc. XX, que "voltou" (volta nas férias e, nem sempre, na reforma) mais tarde às suas origens.
É um país "diferente", designadamente, porque configura um conjunto de referências, de gostos, de práticas, que os "urbanos" julgam, ou gostariam de ver, ultrapassadas. São o Portugal a esquecer...
Joaquim de Magalhães Fernandes Barreiros, nascido em 1947 em Vila Praia de Âncora, conhecido como Quim Barreiros, é um cantor e acordeonista de grande sucesso que actuou em quase todos os países onde existem comunidades de portugueses (Canadá, EUA, Venezuela, Brasil, África do Sul, França, Alemanha, Espanha, Inglaterra, Suíça, Bélgica, Austrália e outros, segundo a "Wikipédia").
Entre 1975 e 2009, editou 33 discos, com recordes de vendas junto das comunidades portuguesas emigradas. Recordem-se apenas alguns títulos dos seus discos de maior êxito: O Malhão Não É Reaccionário, Chupa Teresa, Deixa Botar Só a Cabeça, Minha Vaca Louca, A Garagem da Vizinha, Comer,Comer, Na Tua Casa Tá Entrando Outro Macho, A Cabritinha, O Ténis, A Padaria, O Peixe.
Ainda segundo a "Wikipédia", Quim Barreiros é "conhecido pelas suas letras de duplo sentido (música pimba)". Outros, designam de "brejeiro" o vocabulário dos temas das canções, e há quem considere tais peças de "ordinárias" ou "imorais".
Há uns anos atrás, um jovem de Peniche contava-nos a indignação dos paroquianos de certa localidade da zona cujo prior quis proibir as gravações de Quim Barreiros nas viagens de confraternização promovidas pela igreja.
No corrente verão de 2009, ouvimos insistentemente estes temas nas instalações sonoras das festas (católicas...) do interior de Portugal. E, para culminar, acabamos de ouvir num dos quatro canais da televisão de maior audiência que "Os peitos da cabritinha" foi galardoado com o reconhecimento das preferências populares...
Para quem (ainda!) não conheça, aqui vai o "poema" da canção premiada:
Quando eu nasci a minha mãe não tinha leite // Fui criado por um bezerro rejeitado // Mamei em vacas em tudo que tinha peito // E cresci assim deste jeito // Fiquei mal habituado // Hoje sou homem e arranjei uma cabritinha // E passo o dia a mamar // Nos peitinhos da Fofinha //Eu gosto de mamar // Nos peitos da Cabritinha // Mamo a hora que eu quero porque a cabrita é minha. //Eu gosto de mamar // Ai, nos peitos da cabritinha // Eu gosto de mamar // Só nos peitos da cabritinha // Mamo a hora que eu quero porque a cabrita é minha // A cabritinha gosta de boa comida, boa cama e boa vida // Adora luxo e bem-estar // Ela adivinha a hora que chego em casa // E vai logo preparar // Os peitinhos para eu mamar // Eu gosto de mamar //Nos peitos da cabritinha //Mamo a hora que eu quero porque a cabrita é minha // etc.
Desenganem-se os que julgam que o sucesso deste autor e intérprete se "limita" ao interior do país e aos emigrantes que não acederam à "modernidade". Não há festa académica que não o tente incluir: Coimbra, Porto, Évora, Lisboa, Braga, Aveiro, Vila Real, Faro, etc...
A Aldraba, ao apostar no espaço e no património popular, assumiu o risco de ter de tratar com "os elementos que impeçam as sociedades de evoluir, que legitimem o fatalismo, que levem as pessoas a aceitar a tirania" (Boletim nº 5, "A tradição e o progresso").
Temas e músicas como as de Quim Barreiros, por muito apoio de que beneficiem em meios indiscutivelmente populares, são dos que contribuem para tornar aceitável o obscurantismo, a dominação da mulher pelo homem, a subordinação das relações afectivas ao comércio e ao lucro.
Estamos contra, estaremos contra!
Abaixo "os peitos da cabritinha"! Vivam as manifestações de cultura popular contra o sofrimento, pela criatividade, pelo lazer, por uma sociedade de pessoas livres.
JAF
Isso é escandaloso? Só isso? Então e Salazar, o Maior Português de Sempre com as Elisas Pomposas em Queluz e todos aqueles burgessos em traje de gala para homenagearem o Supremo Malfeitor a quem se devem a emigração a guerra e a alarvidade que refere...?
ResponderEliminarAo pé da incultura que as TVs debitam, de dia e de noite, com rapariguinhas que sonham ser como a Adelaide Ferreira ( foi hoje, acidentalmente, acabei por ver enquanto bebia um café)ao pé do exército de vedetas de bairro, esganiçadas e desafinadas, que anseiam pertencer ao estrelato mediático, ao pé de tanta e tanta cabecita tonta, caprichosa, o da Cabritinha é ursinho de peluche. O que vale mesmo a pena é continuar a pugnar pelo que tem valia, artisticamente e identitariamente falando. Não se desvie na defesa do Património, não deixe apagar a memória!
Moreno do Sul
Caro anónimo, dito "Moreno do Sul"
ResponderEliminarAceitaria de bom grado trocar argumentos com um interlocutor identificado, sendo eu o José Alberto Franco (JAF), que é associado e com responsabilidades directivas na associação Aldraba.
Paciência, também trocarei argumentos consigo (contigo?), com todo o gosto...
Registo e agradeço a sua opinião de que o que vale mesmo a pena é continuar a pugnar pelo que tem valia, artisticamente e identitariamente falando, não nos desviando na defesa do património, não deixando apagar a memória.
E é por estarmos 100% de acordo nesta opinião que talvez não tenham tanta importância outras eventuais diferenças entre nós os dois.
O Quim Barreiros e as suas "cabritinhas" são menos "escandalosos" que as orgias do Salazar e do Correia de Oliveira, a "garagem da vizinha" é muito menos agressiva e menos ofensiva da dignidade das mulheres portuguesas que os "ballets rose" e outras perversões montadas pela PIDE, pela Legião e pelos demais canalhas que dominaram Portugal durante 48 anos. Eu experimentei os efeitos de lutar contra tal estado de coisas.
Contudo, caro interlocutor, podemos desvalorizar em democracia quem amesquinha e trata as nossas companheiras, as nossas amigas ou as nossas filhas como animais de cópula? Lá porque o cantor em causa não foi um artista do fascismo, e só em 1974, quando veio da guerra colonial é que começou a cantar e a ter sucesso, passou a ser um "património" tolerável? Não, não, mil vezes não! Tragam-me os emigrados fora de Portugal, os residentes em Portugal, que vibram com tal mensagem, que eu continuarei na mesma posição.
A associação Aldraba fala por si, felizmente. Hoje, nesta reacção, é exclusivamente o JAF que fala.
Obrigado, caro interlocutor, por ter vindo ao debate, espero que você mesmo, e outros, voltem aqui.
Viva o património popular, viva o futuro!
José Alberto Franco
Post-scriptum:
Já agora, o Quim Barreiros é "identitário" de quem?
Simplesmente é, para mim, irrelevante qualquer consideração que possa acrescentar...
ResponderEliminarO que foi escrito é certeiro, lúcido e tem um sentido crítico devidamente organizado para a defesa das mentalidades socialmente sãs e construtivas.
Apoiado! Com toda a energia saúdo este espaço e os conteúdos publicados.
Como post-scriptum, afinal, uma observação. Pasmo de me lembrar que esse senhor participou no disco "Com as minhas tamanquinhas" de José Afonso. De boa memória...o que aconteceu depois?! O que se perdeu?! matéria para reflexão....
Disse uma vez Gilberto Gil, na altura ministro da Cultura do governo brasileiro, que se deve dar ao povo aquilo de que ele precisa e não aquilo de que gosta. Poderá soar a despotismo, cheirar a censura, o que quiserem, mas a verdade é que enquanto neste país não se praticar uma política de apoio e defesa de uma verdadeira cultura, em todas as suas vertentes, os “quins barreiros” e afins continuarão a ser estrelas em muitos espectáculos, com honras de televisivas e não só.
ResponderEliminarExtrapolando o âmbito da canção dita “pimba”, e mesmo o do património – objectivo primordial da ALDRABA – não temos todos os dias a invasão, directa ou indirecta, de todos os meios de comunicação social? Desde a televisão aos jornais – claro que só consome quem quer… – que nos dizem eles? Basta ver ou ler os grandes títulos, a apelar à leitura ou visionamento de acontecimentos bombásticos, e lá se mergulha num interminável desfiar de notícias sobre o “pai-que-esfaqueou-a-tia-do-filho-que-não-era-dele”, aprimoradas com os boçais pormenores que apelam ao consumo. Ao consumo pelo povo, o mesmo que tem um património de cultura e tradição inestimável. O mesmo património que ALDRABA pretende descobrir e dar a conhecer. E que, no entanto, fica muito para além das alarvidades de um qualquer “quim barreiros” ou tablóide sensacionalista. Extrapolando, pois…
Resta-nos envidar os possíveis esforços, à justa medidas de todas as nossas possibilidades individuais e colectivas, para que, repetindo Gilberto Gil, “seja dado ao povo aquilo de que ele precisa e não aquilo que ele quer”. Sem qualquer menosprezo pelos gostos populares, não pactuemos com facilitismos popularuchos.
Guida Alves
Disse uma vez Gilberto Gil, na altura ministro da Cultura do governo brasileiro, que se deve dar ao povo aquilo de que ele precisa e não aquilo de que gosta. Poderá soar a despotismo, cheirar a censura, o que quiserem, mas a verdade é que enquanto neste país não se praticar uma política de apoio e defesa de uma verdadeira cultura, em todas as suas vertentes, os “quins barreiros” e afins continuarão a ser estrelas em muitos espectáculos, com honras de televisivas e não só.
Extrapolando o âmbito da canção dita “pimba”, e mesmo o do património – objectivo primordial da ALDRABA – não temos todos os dias a invasão, directa ou indirecta, de todos os meios de comunicação social? Desde a televisão aos jornais – claro que só consome quem quer… – que nos dizem eles? Basta ver ou ler os grandes títulos, a apelar à leitura ou visionamento de acontecimentos bombásticos, e lá se mergulha num interminável desfiar de notícias sobre o “pai-que-esfaqueou-a-tia-do-filho-que-não-era-dele”, aprimoradas com os boçais pormenores que apelam ao consumo. Ao consumo pelo povo, o mesmo que tem um património de cultura e tradição inestimável. O mesmo património que ALDRABA pretende descobrir e dar a conhecer. E que, no entanto, fica muito para além das alarvidades de um qualquer “quim barreiros” ou tablóide sensacionalista. Extrapolando, pois…
Resta-nos envidar os possíveis esforços, à justa medidas de todas as nossas possibilidades individuais e colectivas, para que, repetindo Gilberto Gil, “seja dado ao povo aquilo de que ele precisa e não aquilo que ele quer”. Sem qualquer menosprezo pelos gostos populares, não pactuemos com facilitismos popularuchos.
Guida Alves
Ora bolas!!! Saiu em duplicado. Senhores administradores do blogue, façam o favor de cortar, se tal for possivel, o que esta a mais...
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