Memória também é património. Imaterial. Muitas vezes com peso e carga de tal monta que é sempre crime ocultá-lo ou apagá-lo.
Há uns poucos anos os doutos e empreendedores cérebros do nosso burgo acharam por bem deitar mão a um edifício que nos reporta a tempos sinistros, porque nele se praticaram dos mais hediondos crimes contra a dignidade e vida humanas - a sede da PIDE/DGS, na Rua António Maria Cardoso. Finalidade: converter o edifício de tão sombrias reminiscências em condomínio de luxo. Movimentos cívicos, cidadãos anónimos, vozes de revolta e repúdio, tudo fizeram para que este atentado à memória dos que nunca abdicaram da dignidade dos seus ideais, se transformasse num paraíso para nababos, novos-ricos, à conta - quem sabe? - de algum BPP ou similar. Para alguns poucos a quem não incomodarão certamente todo sofrimento e humilhação que ressumam daquelas paredes. Ou que dormem descansados sobre o que ainda hoje, de uma ou outra forma, levam à prática sobre quem não lhes curva a cerviz. Ou que pura e simplesmente o ignoram.
E eis o resultado de fazer tábua rasa de valores que a todos deviam orgulhar - o Paço do Duque, remetendo para tempos de reis e condestáveis as origens do edifício e omitindo despudoradamente a sua história recente. Para humilhação de todos os que não a esquecem. Para afronta a quem esteve por dentro dela.
Já agora a inevitável ironia: para quando a transformação do Aljube em hotel de charme?
Nota: Apesar de um certo cariz político que se desprende deste desabafo, não poderiamos deixar passar em branco este atentado a um símbolo da resistência a um dos mais negros períodos da vivência da maioria dos portugueses e dos execráveis crimes então cometidos.
MPA
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