ABRIL, ÁGUAS MIL
Abril foi metáfora de um certo Portugalzinho para ver por fora, quando o turismo começava a cheirar o fulgor do sol neste soturno e desconhecido país à beira-mar, um país que foi sendo reduzido a “três sílabas de plástico, que era mais barato”, no dizer irónico e carregado de remorso de Alexandre O’Neill.
Abril, e não Janeiro, Setembro ou qualquer outro mês, não consta que a meteorologia tenha orientado tal escolha, como se comprova analisando o destino futuro das correntes futuras.
Em Abril de 1974, o Abril em Portugal mudava de figura. Os dias aumentavam de volume, a luz expandia-se, parecia que chegávamos, com Ruy Belo, à “terra da alegria”. Depois, apagado o “ladrilhado de lindos adjectivos” (O’Neill), as cinco letras de Abril aí estão reduzidas à beleza simples do que valem, quando juntas na ordem convencionada de modo a designarem o quarto mês do ano, o primeiro integral e simbólico de uma “Primavera assaltando o ano” (Octávio Paz).
“Abrir os braços, acolher nos ramos / o vento, a luz ou o quer que seja; / sentir o tempo fibra a fibra, / a tecer o coração duma cereja”, assim se dispõe Eugénio de Andrade a receber Abril e todo o trabalho depositado nas suas mãos de Primavera.
ABRIL, ORA CHORA, ORA RI, e, entre chuva e sol, aumentam os dias, os ramos e as promessas dos frutos. São mil as águas, mas COADAS POR UM FUNIL ou PENEIRADINHAS POR UM MANDIL. Vendo bem, CABEM TODAS NUM BARRIL. São AS ÁGUAS DO CUCO, MOLHAM QUANDO ESTÁ ENXUTO; cuco que, se não responder ao chamamento dos campos, OU É MORTO OU NÃO QUER VIR.
De resto, da perdiz, como do enxame, EM ABRIL ESTÁ CHEIO O COVIL, e A RÊS PERDIDA COBRA VIDA; quanto à solha e à sardinha, É VÊ-LA E DEIXÁ-LA IR. Medida higiénica ou biocida, QUEM MATA UMA MOSCA EM ABRIL, MATA MAIS DE MIL.
Nesta altura do ano, já a duração do período diurno ultrapassa a do nocturno, a zona intertropical de convergência e as cinturas anticiclónicas subtropicais estão em fase de migração para norte e as perturbações frontais evoluem em latitudes mais a norte do que nos meses anteriores.
Apesar disso, atravessando ainda frequentes vezes a Península Ibérica, os sistemas frontais possuem menor actividade e, tendo-a, mesmo assim diminui de norte para sul. O ditado popular deverá ter origem nortenha e, sobretudo, litoral.
Manuel Costa Alves, in "Mudam os ventos, mudam os tempos"
Creio que a data está errada. Não se trata do Abril de 1974 aquele que o autor evoca?
ResponderEliminarClaro que sim. Foi um lapso de escrita, já corrigido! Obrigado pela vigilância
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