quinta-feira, 12 de maio de 2016

Património cultural e globalização

                                                                                                                                        









Reprodução do Editorial do nº 19 da revista "Aldraba", a qual se encontra já disponível:

A preocupação com o Património Cultural é recente, originada pela alienação dos bens que integravam a memória social.

Nos anos 50-60 do século XX, em Pias, concelho de Serpa, o pároco da época consumou o derrube da antiga igreja de Santo António, com altar em talha dourada, para no seu lugar surgir um templo amplo de traça moderna.

Os talibans que destruíram os Budas do Afeganistão, talhados em rocha, o Daesh que minou a esplêndida Palmira, na Síria, ou o Boko Haram que destruiu a maioria dos mausoléus de santos no Mali, são uma variante mais perigosa do desprezo pela herança secular, como o foi o saque do celebrado Museu de Bagdad, na sequência da invasão americana do Iraque.

A globalização permitiu evidenciar os desmandos em países que são palco de guerras.

Sendo o Património uma alavanca importante na economia das sociedades, veja-se o caso de Évora, Património Material da Humanidade há décadas, produto de marketing turístico, propiciador do desenvolvimento social e económico.

Todavia, há um lado menos positivo na promoção turística dos lugares. Recentemente, em artigo do “Observador”, questionou-se a pressão do turismo na identidade de Lisboa, onde lojas caricaturais das emblemáticas sardinhas e pastéis de nata se reproduziram, a par dos hostels e tuc-tuc, como cogumelos.

Um dos casos mais polémicos baseia-se numa ourivesaria da Baixa lisboeta, fundada em 1904, trespassada e transmutada em Casa Portuguesa do "Tradicional" Pastel de Bacalhau com Queijo da Serra, em Maio de 2015.

Em 1968, Jorge Dias, antropólogo, escreveu no artigo "O Folclore na Era do Plástico": "A procura dá lugar à oferta, mas como a procura excede a possibilidade de oferecer o autêntico, recorre-se à fraude (...) Na era do plástico, temos de aceitar que os produtos que se oferecem já não possam ser inteiramente autênticos. Aliás, a característica do turista é a sua preferência pela teatralidade, pelo falso. Se o turista não passa de uma fonte de receita, porque não se lhe há-de fornecer aquilo que ele gosta?”

O percurso da Aldraba trouxe a estas questões contributos para uma reflexão colectiva, de que muito nos orgulhamos, procurando evitar o esquecimento dos testemunhos orais e a perda de uma genuína herança, que enriquece a caminhada.

Em tempo de globalização, privilegiamos a pequena história dos objectos biográficos e os relatos da vida local. A cidadania.

Luís Filipe Maçarico

1 comentário:

  1. Grato pela publicação. Espero que os leitores nossos amigos e associados comentem e tragam outros exemplos. Grande abraço.

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