domingo, 18 de junho de 2006

Visita à Quinta da Regaleira

A Aldraba levou a cabo, no dia 17 de Junho de 2006, mais uma iniciativa que agregou os princípios culturais e de lazer e que permitiu a um conjunto de cerca de 30 associados e amigos desfrutarem de um espaço único: a visita guiada à Quinta da Regaleira.
A Quinta da Regaleira é um espaço indescritível, com uma carga imensa de misticismo e esoterismo, que nos transporta em sonhos para a aventura e resolução de enigmas que povoam o nosso imaginário. Está presentemente, e após várias vicissitudes, sob propriedade da Câmara Municipal de Sintra.
Passemos a conhecer melhor este local, situado no coração de um espaço que é, ele mesmo, património mundial.


Memória
A história da Quinta da Regaleira, tal como ela se apresenta nos nossos dias, começa em 1892, altura em que é adquirida por António Augusto Carvalho Monteiro. O “Monteiro dos Milhões”, epíteto que o acompanhou durante toda a sua vida, nasceu no Rio de Janeiro em 1848, filho de pais portugueses, herdeiro de uma grande fortuna familiar, multiplicada no Brasil com o monopólio do comércio dos cafés e pedras preciosas, ficou conhecido pelo seu carácter altruísta e excêntrico. Licenciado em Leis pela Universidade de Coimbra, Carvalho Monteiro tinha como grandes interesses os livros (financiou uma brochura de bolso de “Os Lusíadas”), a ópera, os instrumentos musicais, os relógios, as conchas, as borboletas e as antiguidades. Mas o seu maior desejo era a construção de um espaço grandioso, em que vivesse rodeado dos símbolos que espelhassem os seus interesses e ideologias. Assim, decidiu comprar a Quinta da Regaleira, propriedade original da família Allen, à data, pela astronómica quantia de 25 contos de réis. Monteiro considerava Sintra um local de encantamento e de inspiração (tal como Byron), sentindo que representava a essência de Portugal, uma espécie de bastião da alma lusitana.

Arte e Cultura
António Monteiro, das suas idas à ópera, conheceu o arquitecto, pintor e cenógrafo italiano Luigi Manini, que veio para Portugal para trabalhar no Real Teatro de São Carlos, e igualmente conhecido por ter participado na construção do Palácio-Hotel do Buçaco. Não eram somente as questões estéticas que uniam Monteiro a Manini. Ambos partilhavam as mesmas filosofias, o que levou inquestionavelmente ao desenvolvimento do projecto da Quinta da Regaleira.

O grande mentor da Regaleira era um homem conservador, monárquico e cristão gnóstico. Da conjugação dos seus sonhos, com as artes de Manini e a dos artesãos da pedra, nasceu um edifício rico em estilos e repleto de originalidade. A predominância do estilo manuelino, ou neo-manuelino, demonstra uma nostalgia dos tempos gloriosos dos Descobrimentos, imortalizada na obra épica de Camões, recorrendo a a um percurso carreado nos elementos do sobrenatural e do sagrado. Surgem ainda, proficuamente, uma série de novos elementos, tais como animais e espécies antropomórficas, mas também muitos símbolos esotéricos, relacionados com a alquimia e com a maçonaria.


Os Jardins e o Poço Iniciático
Os Jardins da Regaleira, foram concebidos com o recurso a fantasias herdadas do ideal greco-latino, com os jardins a encherem-se de estátuas, de grutas, de torres, de fontes, de jogos de água e muitos outros elementos simbólicos, em percursos pré-definidos e místicos.O momento alto da visita, foi sem sombra de dúvida, a descida ao poço iniciático, espécie de torre invertida que mergulha nas profundezas da terra.


Como num útero, da terra-mãe, se iniciará a viagem da descoberta e da procura da verdade. E lá bem no fundo, gravada em embutidos de mármore, sobressai uma cruz com motivos que remetem para os templários, aliada a uma estrela de oito pontas, e que é também o emblema heráldico de Carvalho Monteiro.



Continuando pelos subterrâneos, num túnel escuro que sugere a procura da “luz”, evitando os “caminhos errados” e escolhendo o caminho da direita, descobre-se a passagem aberta para o mundo, através do caminho que se faz por um trilho unidireccional sobre as pedras, como que flutuando à superfície das águas.



Capela da Santíssima Trindade
O passeio continuou até se chegar a esta capela, inspirada no revivalismo da arte gótica e manuelina. E podem descobrir-se os antónimos complementares: homem-mulher, anjo-demónio, direita-esquerda, mau-bom. A capela revela muitas surpresas, dos vitrais ao altar, do chão trabalhado, ao púlpito com entrada apenas pelo exterior.


Outras surpresas, escondidas de olhares menos treinados, estão também lá: o caracol, símbolo maçónico, está presente em dois discretos locais, assim como o “olho sobre a pirâmide” acolhe os visitantes, desde logo, ao passarem sob o tecto baixo da entrada.


Palácio
O monograma de António Carvalho Monteiro destaca-se da fachada do edifício, todo ele ligado por cordas, nós, laçadas e frisos, numa manifesta anuição ao estilo manuelino. É ainda brilhante a representação do pelicano (símbolo dos mutualistas) a flagelar-se, em virtude de o número de crias ser superior ao que é possível criar. Presentemente, no interior do palácio, é possível visitar 4 salas (Sala da Música, Sala dos Reis, Sala da Caça e Sala da Renascença) realçando-se os riquíssimos e originais ornamentos, bem como os espectaculares pavimentos, tectos, frisos pictóricos e até batentes cabeça-de-leão em portas duplas. Realça-se que, a partir de Julho, estarão abertas outras divisões e salas do Palácio da Regaleira, disponibilizando ao público mais ainda, deste espólio inigualável da arte e da sociedade portuguesa. O grupo saiu desta visita satisfeito e maravilhado com esta emocionante e enriquecedora visita, para tal tendo contribuído a explanação brilhante, didáctica e sabedora, do guia da CulturSintra, o Sr. António Silvestre.


O momento mágico culminou, obviamente, com um almoço convívio, onde se deu continuidade à confraternização, com a “discussão” da descodificação dos enigmas sugeridos e encontrados. Porque nunca é demais repetir estas visitas, pois, nestes locais repletos de magia, com certeza poderemos descobrir e redescobrir um mundo de conhecimento e pormenores escondidos.


(Texto de Cristina Borges / Fotos de João Frade)

De “ALDRABA DIGITAL”

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