domingo, 9 de maio de 2010

"Futebol, Fado, Fátima"











Num estimulante depoimento ao "Expresso" de ontem, 8.5.2010, o sociólogo Marinus Pires de Lima comenta aquilo que, em seu entender, torna irrepetíveis em Portugal os fenómenos de agitação social violenta que observámos nos últimos dias na Grécia. "Não é que faltem motivos para a luta, o aumento do desemprego e da precariedade, o agravamento das condições de vida, o corte das prestações sociais... O que escasseiam são rostos e palavras de ordem capazes de trazer a multidão à rua". E continua com tal avaliação negativa, apontando aos sindicatos, partidos e organizações estudantis de Portugal o seu envelhecimento e o facto de se terem acantonado há muito em reivindicações muito específicas e corporativas, incapazes de trazer atrás de si outros segmentos da população.

Marinus Pires de Lima é um intelectual da escola do prof. Adérito Sedas Nunes, de grande nível, que eu conheci e aprendi a respeitar como docente no final dos já longínquos anos 1960's. Por razões que ignoro, pouco se tem falado nele, e desenvolve o seu trabalho sério e rigoroso num centro de investigação da Universidade de Lisboa.

Voltando aos seus pontos de vista ontem publicitados, destaco o sentimento de que "Portugal é mesmo um país de brandos costumes... , em parte continuamos a ser o país do futebol, fado e Fátima". "É através do futebol que se vai mudar a sociedade? Não, mas é exactamente para as claques e para essas rivalidades que está a ser canalizada muita da tensão dos jovens" (MPL).

Hoje mesmo, à tarde, ao passear de automóvel por localidades de cinco dos concelhos limítrofes da cidade de Lisboa, estas reflexões vieram-me muitas vezes ao espírito. Elementos da população, de muitas idades e condições sociais, preparavam-se com toda a espécie de objectos de propaganda e agitação para a previsível festa de logo ao fim do dia, de comemoração da vitória do seu clube no campeonato da Liga. Em janelas, placares e outros locais de destaque, anunciavam-se já as manifestações de massas com que, nos próximos dias, vai ser assinalada a passagem por Portugal do chefe máximo da igreja católica.

Não hoje, mas em datas recentes, multidões ululantes têm enchido pavilhões para vibrar com o Tony Carreira (e, ultimamente, com o seu "rebento" Mickael), ou então são centenas de jovens que passam noites a fio em filas de espera para comprarem bilhetes para um próximo concerto de uma qualquer banda irlandesa, americana ou inglesa. Claro que não se trata do fado (esse, em verdade, até é uma arte nacional que merece consideração), mas sim da música mais oca e gratuita que se pode imaginar...

Então, o desporto, as religiões e a música não são formas de expressão legítimas e importantes para a autoestima das colectividades? Claro que sim, mas o que não podem - não devem! - é aparecer como substitutos e panaceias para o alheamento e a ignorância da população em relação aos problemas históricos que a afligem.

JAF (fotografias reproduzidas da internet)

6 comentários:

  1. Este povo de “brandos costumes”, a que o fascismo colou os três F’s, mantém a sua tradição. Nada de “fazer ondas” ou “remar contra a maré”. A exaltação finou-se há muito para dar lugar à resignação. Vibra com o que lhe impigem, porque é mais fácil, mais imediato, arreda as verdadeiras preocupações: a vinda do Papa, o Benfica-campeão nacional a música dita “pimba”. Choraminga com a subida do custo vida, maldiz os governantes. Mas parece ser incapaz de uma atitude coerente e colectiva que vise abanar a árvore para que caiam os frutos podres. Porque ainda não afastou o medo: o medo de perder o emprego precário, o medo de que “depois ainda fique pior”, o medo da sombra, o medo do próprio medo. E, no entanto, porque temeroso das consequências a curto prazo de uma acção colectiva, integrada, despoleta a sua raiva e frustração dando um pontapé no cão do vizinho (quando não um tiro de caçadeira por via de partilhas ou águas desviadas).
    O associativismo popular constituirá, como sempre o fez, um meio de conjugar e coordenar esforços em torno de objectivos comuns, despertando uma consciência colectiva e aglomerando os indivíduos em prol de causas que verdadeiramente interessam e a todos dizem respeito. É preciso sempre semear e, semeando, motivar todos para cultivar e ajudar a árvore a medrar. Mesmo com os três F’s. Porque esses, perante um desenvolvimento cultural e uma crescente consciência social, serão remetidos para o seu respectivo lugar na escala de valores.
    “…esperar não é saber. Quem sabe faz a hora não espera acontecer…“

    MPA

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  2. Cada vez estou mais convencido que só se consegue mudar (um pouco) mentalidades e comportamentos com revoluções a sério. E nós bem precisamos de umas sete, face à desmedida desbragação de uma parte substancial dos que se servem dos poderes.
    Mas só resultam se o povo não andar à babugem (como uma grande parte dos portugueses) e, - tirando os que de facto são pobres, que os há mesmo e são em número considerável,- deixar de insistir na rábula do coitadinhismo. E há o alarvismo boçal, a violência gratuita dos que agridem os adeptos do clube rival como aconteceu ontem, tantas vezes...
    Enquanto estas marcas permanecerem, podemos escrever ou bradar o que quisermos contra toda a sorte de oportunismo e decadência, que pouco conseguiremos de uma populaça que se nivela por baixo, tendo por parâmetro a inveja e a mesquinhez. E as novas gerações que andam nas Faculdades, ajudadas por Bolonha, arrastam displicências, não augurando nada de melhor.
    Isto não impede que se tenha opinião e que se espelhe o que se passa. São precisos setecentas e setenta e sete mil pedradas no charco. A ver se dão pelo cheiro a pântano alguns daqueles que, enquanto discutiam se o Benfica ou o Porto ou o Braga, não sei quê, deixando o terreno livre para o Ministro das Finanças agoirar mais impostos na calha, os trabalhadores do Privado odiarem os Funcionários Públicos, face à visita do Papa e as consequentes tolerâncias de ponto...
    A ver se...

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  3. http://aguasdosul.blogspot.com/2010/05/sete.html

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  4. É com uma grande alegria que reencontro o vosso blogue. O último endereço em meu poder e há muito tempo inactivo era "http://aaldraba.blogspot.com/". Seria conveniente actualizar na página "http://www.aldraba.org.pt/" o link para o novo endereço.
    Cumprimentos.

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  5. José Alberto Franco13 de maio de 2010 às 16:16

    Caro amigo Rafael Carvalho
    Tem inteira razão na sua observação, que agradecemos, e que vamos atender o mais rápido possível.
    A associação ALDRABA tem sido afectada por sucessivos incidentes na comunicação electrónica, por causas a que, pelo menos ao nível do intencional, temos sido alheios.
    Primeiro, foi este blogue "A ALDRABA" que apareceu "removido" da net, e todos os conteúdos até Dezembro de 2008 perdidos. Logo em Janeiro de 2009, relançámos o blogue, com o actual endereço, e temos andado, pacientemente, a procurar recuperar e republicar textos dos anos anteriores (a tarefa está em curso, e é bastante trabalhosa).
    Depois, foi o site "Aldraba Digital" que ficou inoperativo bastantes meses, e só há pouco o conseguimos reabrir (falta actualizá-lo, e substituir referências agora obsoletas, como é o caso do anterior endereço do blogue...).
    De novo, muito obrigado pelo seu alerta, e esperamos que queira e possa continuar a ler-nos e também, por que não?, a escrever e comentar o que vamos fazendo.
    Um grande abraço
    José Alberto Franco

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