No antigo bairro da Musgueira, que era um enorme abarracado pobre, lá para os lados da actual Alta de Lisboa, viveu parte da sua infância o Mané (Manuel Graça da Silva), que é agora associado da Aldraba e de quem publicámos uma parte das suas memórias no nº 7 do nosso boletim.
É extraordinário que um rapaz desta Lisboa desaparecida tenha escrito sobre o bairro da Musgueira por dentro, com um colorido, uma riqueza de pormenores e uma ternura que vale a pena reproduzir aqui:
"A minha rua dividia-se em 2, não era o lado esquerdo e direito, era o de cima e o de baixo. Todos se conheciam nessa rua e nas outras, mas as casas mais perto da minha eram mais fáceis para pedir um ramo de hortelã, alface ou para um desenrasque de ultima hora, não havia vergonha nem preconceitos para estes pormenores.
O ti Cândido, homem sem barba e bigode na maior parte do tempo e sempre bem penteado, com modos respeitosos, saia um pouco da vulgaridade, era contra tudo e contra todos, talvez mesmo contra ele, cumprimentava todas as pessoas com a mesma facilidade dizia mal delas. Gostava imenso de ajudar os outros, observando todos os gestos, esperando um passo em falso para maldizer, mostrando o arrependimento da ajuda dada, mas sentia-se feliz por ajudar e falar mesmo que para dizer mal.
Com os seus cabelos brancos e óculos remendados com fita-cola, sempre resmungão e fiel às expressões de taberneiro, estabelecimento para o qual nunca teve vocação muito menos formação especifica, talvez o desejo de beber à borla. Enfim! Lá fazia a sua venda, vendia tudo avulso:
- Lixívia, módulos, latas de atum, velas, bilhas de gás, batatas, cebolas etc.
Alguma clientela transformava-lhe os dias, criando motivos de acender uma fogueira para um churrasco, sardinhada ou cara colada enquanto houvesse raios de sol. O cheiro e o fumo convidava sorrateiro os vizinhos, mesmo quando passavam, diziam:
- Ó ti Cândido, posso trazer uns carapaus para assar?
- Assim aproveita-se o carvão!
- Anda lá rapaz, se não sou eu...
Havia freguesia até ás 17h para os almoços, para o jantar teria de ser o Sr. do apito, porque o ti Cândido tinha costumes muito pontuais, levantar e deitar com as galinhas, de Inverno e Verão, com festa ou sem ela, era sempre assim. Eram estas e outras, que tornavam o ti Cândido especial ou diferente dos outros, já não era nada mau, dividia o carvão com os vizinhos. "
Alguma clientela transformava-lhe os dias, criando motivos de acender uma fogueira para um churrasco, sardinhada ou cara colada enquanto houvesse raios de sol. O cheiro e o fumo convidava sorrateiro os vizinhos, mesmo quando passavam, diziam:
- Ó ti Cândido, posso trazer uns carapaus para assar?
- Assim aproveita-se o carvão!
- Anda lá rapaz, se não sou eu...
Havia freguesia até ás 17h para os almoços, para o jantar teria de ser o Sr. do apito, porque o ti Cândido tinha costumes muito pontuais, levantar e deitar com as galinhas, de Inverno e Verão, com festa ou sem ela, era sempre assim. Eram estas e outras, que tornavam o ti Cândido especial ou diferente dos outros, já não era nada mau, dividia o carvão com os vizinhos. "
Pois aqui ficam os meus parabéns ao Mané e desejo de tudo de bom.
ResponderEliminarAh e beijinhos além dos parabéns.
ResponderEliminarÉ que os parabéns são pelo recente aniversário e pelo texto memória.
Um obrigado muito especial, a todos os que não se cansam de incentivar, tanto a mim como a outras pessoas capazes de transformar o passado num presente lindo.
ResponderEliminar