quinta-feira, 11 de maio de 2006

Da água e das águas

De fontes e poços estão essas terras mais ou menos bem servidas, consoante o manancial de água que se aninha no subsolo. Trazê-la à sede de cada um é que toma formas diversas, consoante ela brota espontaneamente a molhar-nos os pés e a alma, ou se faz rogada bastos metros abaixo do chão que se pisa. No primeiro caso é suficiente chegar-lhe cântara ou encaminhá-la a jeito de saciar gentes, terras e bichos, carreirinho daqui, rego dacolá. No segundo já é necessário o saber de vedores, engenho e arte de furar, esburacar, escorar paredes, para alcançar a magana que lá no fundo, muito ou pouco fundo, nos faz gaifonas de céu lá em baixo, a imitar-nos os gestos e trejeitos. Mas, assim não se lhe esgote a vontade ou lhe seque o veio, ela aí está, fresca e abundante, ao preceito de cada qual, dando de beber a quem tem sede. Ainda assim, não basta lá chegar-lhe. Há que lhe assinalar o sítio, dar-lhe um ar de graça, enfeitá-la a preceito.E surgem-nos, ancestrais, plenas de história e de histórias que só não contam, apenas deixam adivinhar.

Monte Redondo, Torres Vedras


Romana a dizem, romana terá sido. Assim o atesta a pedra que a protege, disseram os entendidos, mais os arcos que consentiam o acesso ao manancial, agora tapados, apenas uma moderna portinhola de ferro bem aferrolhada, negando agora a muitos o que dantes seria para todos. E ali escondida num canto, como que envergonhada das muitas camadas de cimento com que a mascararam, ostenta apesar disso um singular coruchéu a revelar mais mão de artista moçárabe do que prática de artesão romanizado. (Em todo o caso, é notável a semelhança com as chaminés do Palácio da Vila, em Sintra, e a outra, mais modesta, de Alcolombal.)

Almoçageme, Sintra

Não exibe atestado de nascimento, mas a forma híbrida, entre o cúbico e o cilíndrico, encimado por um arremedo de meia esfera, adornada com uma gentilíssima flor, conferem-lhe um certo aspecto mourisco. Medieval? Será ou não, mas a água que ainda hoje lhe escorre pela portinhola florida é fresca de certeza. E, também ela, fonte ou poço, se ergue no largo da antiga aldeia, entre casas saloias e muros de quintais...

Pontes de Monfalim, Arruda dos Vinhos


Integrado numa exploração agrícola, exibe para os passantes um ar de morábito, que espicaça a bisbilhotice. Se de morábito se tratasse, sê-lo-ia de algum duende aquático, pois que, contornada e revistada, nos apresenta uma abertura de poço, a que não faltam a corda e o balde. A que remotas lendas, a que exóticas arquitecturas terá recorrido o obreiro de tal pequena maravilha, ali rodeada das cepas que dão o nome ao concelho?

(fotos: guida alves)

De “VEMOS, OUVIMOS E LEMOS”
publicado por Guida Alves às 12:27 PM 0 opiniões

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