sexta-feira, 1 de julho de 2005

Tesouros de Montemor-o-Novo


“ (…) Muitas vezes me chamaram doido, por suporem frívolo o que a mim me parecia ouro (…) Ao menos esse prazer, e o de ser útil à minha pátria e à ciência, hão-de compensar de sobra as zombarias dos insensatos!”
Porto, Julho de 1882, J. Leite de Vasconcellos (1986) “Tradições Populares de Portugal”, 2ª edição, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, p. 36.
No passado sábado (dia 25 de Junho) tive o privilégio de acompanhar um numeroso grupo de pessoas (excelentes), pelas ruas de Montemor-o-Novo, em busca de tesouros, como aquele que a fotografia de Mário Sousa revela.
"Em várias zonas de Lisboa e Montemor-o-Novo encontrou-se uma considerável quantidade de esperas (base metálica contra a qual o martelo de porta, o batente ou a aldraba eram atirados energicamente para produzir o chamamento desejado) sem a componente que lhe dava sentido: aldraba ou o batente, arrancados ou roubados, para colecção, se a porta em madeira porventura não for substituída, o que só por si torna aqueles objectos obsoletos, caso a nova porta seja metálica… Então, é como se tivesse sido arrancada a língua a um pregoeiro, que quisesse anunciar a sorte, ou tivesse desaparecido a batuta que faz o xilofone florir numa melodiosa delícia."
"(...) do leão ao dragão, da serpente ao cão, os batentes antropomórficos configuravam uma espécie de publicidade eficaz, relativamente aos atributos económicos e sócio-culturais do proprietário. As ferragens inerentes à decoração das portas, nomeadamente espelhos de fechadura, ferrolhos e puxadores, exibiam genuínas obras de arte, a par de entradas mais modestas, com aldraba singela, em que o metal utilizado era diferenciado daquele que os palácios exibiam."
"(...) a porta é o começo de uma viagem, é o primeiro passo no sentido da entrada numa outra esfera, em que se passa do público para o privado, em que se partilha um território íntimo, espaço esse que convém estar bem defendido contra intrusos, mau-olhado e espíritos malignos. A sorte, a saúde e o bem-estar são propiciados pela mão protectora, esculpida no batente, para afastar os efeitos negativos de uma visita indesejada. Os guardiões simbólicos que alguns batentes integravam, salientariam estes propósitos supersticiosos.A porta é o começo de uma aventura, quando não se conhece quem está lá dentro, pois através dos seus sinais o dono da casa resiste à perturbação da paz. A porta é uma barreira que se esbate para o amigo e se fortalece contra o invasor. A aldraba é a sentinela."

(Excertos de artigo a publicar na revista "Almansor")

De “ÁGUAS DO SUL”
Postado por oasis dossonhos às 16:33 1 comentários

COMENTÁRIOS
J.C.Pereira disse...
Obrigado por me terem desperto para estas pequenas obras de arte que muito representam para quem chega e bate e para quem,ouvindo, abre a porta ou faz orelhas moucas.Quantos abraços e beijos se seguem a cada batida ou, quantos nãos são ouvidos, desalentadamente.No fundo são testemunhos de vidas vividas pelo menos a dois. Quem bate e quem responde.Seja qual for a resposta...Espero poder estar presente numa próxima aventura.Um abraço.
01 Julho, 2005 17:21

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