quarta-feira, 11 de abril de 2018

A propósito do Jardim da Estrela

















1. O objeto social da ALDRABA – Associação do Espaço e Património Popular centra-se, estatutariamente, na “preservação e na divulgação do património popular”, entendendo-se como tal a “abordagem integrada de objetos, práticas, factos e vivências, privilegiando a valorização dos testemunhos humanos e recorrendo às adequadas disciplinas da especialidade” (n.º 2 do art.º 2.º dos nossos Estatutos).


O conceito de quais são os “objetos” que interessam para o património popular não é pacífico, pelo que viémos a defini-lo como “os instrumentos, objetos, artefactos e espaços associados que, em Portugal, as comunidades, os grupos e os indivíduos reconhecem como fazendo parte integrante do seu património”. Quanto ao conceito das “práticas” relevantes para o património popular, explicitámo-lo como sendo “as práticas, representações, expressões, conhecimentos e aptidões que, em Portugal, as comunidades, os grupos e os indivíduos reconhecem como fazendo parte integrante do seu património”.

Temos, pois, um sentido muito amplo para o património popular de que a ALDRABA se ocupa…

A natureza, o meio físico, os elementos biológicos e minerais, fazem ou não parte do “nosso” património popular?

Claro que sim, e daí as múltiplas abordagens que temos vindo a fazer acerca da realidade natural do nosso país, de que destacamos, designadamente, o que escrevemos no n.º 22 da revista, em outubro de 2017, sobre a tragédia do património florestal português. E, antes disso, o que escrevemos em junho de 2007, no n.º 3, sobre o bacalhau, em dezembro de 2007, no n.º 4, sobre o mar como património, em abril de 2012, no n.º 11, sobre a cal artesanal, em outubro de 2015, no n.º 18, sobre a região de Sistelo, e em abril de 2017, no n.º 21, sobre a região do Douro.

2. Em dezembro de 2008, um trabalho de José Narciso, no n.º 6 da revista “ALDRABA”, tratou pela primeira vez do tema “O Jardim da Estrela”.

Aí se evidenciou que este espaço ajardinado de Lisboa, inaugurado em 3 de abril de 1852, inicialmente designado por Passeio da Estrela e mais tarde por Jardim Guerra Junqueiro, foi desde sempre um local privilegiado de lazer da população lisboeta, cujas riquezas se descreveram amplamente na nossa revista.

No passado dia 17 de fevereiro de 2018, por ocasião da 7ª Rota da ALDRABA - “Pela Estrela com o poeta João de Deus”, a nossa Associação voltou agora a evocar o Jardim da Estrela, que foi visitado durante a “Rota” pelos  participantes naquela atividade.


Recordámos que o jardim foi criado no século XIX, em frente à Basílica da Estrela, em Lisboa, nuns terrenos de António José Rodrigues, sendo a iniciativa da sua construção devida a António Bernardo da Costa Cabral, com o apoio de D. Maria II, Manuel José de Oliveira e de um donativo de quatro mil réis de um português do Brasil, Joaquim Manuel Monteiro.

Segundo a saborosa descrição da escritora Alice Vieira (in “Esta Lisboa”, 1993), em abril de 1852 as enchentes foram tantas que, às cinco horas já custa a andar, às cinco e meia já ninguém anda, e às seis andam uns pelos pés dos outros… E sublinha Alice Vieira que “jardins públicos era um tesouro que a cidade só muito tardiamente recebeu (…) Jardins de palácio, cercas de conventos, tapadas, matas, eram muitos. Mas, jardins que a todos pertencessem, e onde todos tivessem o direito de respirar, muito poucos havia”.

Na segunda metade do século XIX, o Passeio da Estrela esteve na moda e na altura possuía elementos que já não existem, como estufas, quiosques e um pavilhão chinês. Nos anos 70 do século XIX, existiu mesmo um leão na sua jaula, que havia sido doado por Paiva Raposo, vulgarmente conhecido por Leão da Estrela, que estava instalada num pavilhão próximo da entrada da Avenida Pedro Álvares Cabral.

Ao longo do século XX, o Jardim da Estrela continuou a ser um dos jardins públicos lisboetas mais concorridos, sendo de destacar a apropriação que a população fez desse seu espaço. A título de exemplo, quando em 1939 – em pleno regime autoritário fascista – as autoridades desenvolveram um projeto de “modernização” que levaria ao prolongamento da Av. Álvares Cabral até ao Largo da Estrela, rasgando o jardim, a contestação foi tão generalizada que o projeto foi abandonado…

Na nossa 7ª Rota, detivémo-nos junto à estátua de João de Deus, agora existente dentro do Jardim. E evocámos aí os poetas que têm celebrado o Jardim da Estrela, entre os quais António Gedeão (o Rómulo de Carvalho, professor de Química do Liceu Pedro Nunes, ali bem em frente), que escreveu: “(…) E também gostei muito do Jardim da Estrela / com os velhos sentados nos bancos ao sol / e a mãe da pequenita a aconchegá-la no carrinho / e a adormecê-la / e as meninas a correrem atrás das pombas / e os meninos a jogarem ao futebol. / À porta do Jardim, no inverno, ao entardecer / à hora em que as árvores começam a tomar / formas estranhas, / gostei muito de ver / erguer-se a névoa azul do fumo das castanhas”.

3. A ALDRABA também assume como tarefa sua a preservação e a divulgação do património natural português, ao mesmo nível dos objetos e das práticas que integram o nosso património popular.

O Jardim da Estrela em Lisboa foi um excelente teste a esta nossa disposição e a este nosso propósito.

A melhor forma de o reafirmarmos é transcrever aqui a última estrofe do poema do António Gedeão acima citado:

Triste de quem não tem,
na hora que se esfuma,
saudades de ninguém
nem de coisa nenhuma.


José Alberto Franco


1 comentário:

  1. José Alberto Franco, este é o material do qual eu tanto ansiava para apresentar a Aldraba. Bem hajas!

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